Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Sonambulismo mediúnico espontâneo

A última sessão da Sociedade Espírita de Paris, antes das férias, foi uma das mais notáveis do ano, quer pelo número e pelo nível das comunicações obtidas, quer pela produção de um fenômeno espontâneo de sonambulismo mediúnico. Pelo meio da sessão, o Sr. Morin, membro da Sociedade e um dos médiuns habituais, adormeceu espontaneamente sob a influência dos Espíritos, o que jamais lhe havia acontecido. Então falou com calor, com eloquência, sobre um assunto de alta seriedade e do maior interesse, do qual nos ocuparemos futuramente.

A sessão de reabertura de sexta-feira, 5 de outubro, apresentou um fenômeno análogo, mas em mais largas proporções. Havia treze médiuns à mesa. Durante a primeira parte, dois entre eles, a Sra. C... e o Sr. Vavasseur, adormeceram, como o Sr. Morin, sem qualquer provocação e sem que ninguém nisto tivesse pensado, sob a influência dos Espíritos. O Sr. Vavasseur é o médium poeta, que com a maior facilidade obtém notáveis poesias das quais publicamos algumas amostras. O Sr. Morin estava a ponto de adormecer também. Ora, eis o que se passou durante o sono deles, que durou quase uma hora.

O Sr. Vavasseur, com voz grave e solene, disse:

─ Toda vontade, toda ação magnética é e deve ficar estranha a este fenômeno. Ninguém deve falar nem à minha irmã nem a mim.

Falando de sua irmã, ele designava a Sra. C..., isto é, irmã espiritual, pois eles não são parentes. Depois, dirigindo-se ao Sr. Morin, colocado no outro extremo da mesa, e estendendo sua mão para ele com um gesto imperativo:

─ Proíbo-te de dormir.

O Sr. Morin, com efeito, já quase adormecido, despertou por si mesmo. Além disso foi feita recomendação expressa para não tocar em qualquer dos dois médiuns. O Sr. V... continuou:

─ Ah! Sinto aqui uma corrente fluídica má, que me fatiga... Irmã, tu sentes também?

─ Sim, respondeu a Sra. C...

─ Olha! A Sociedade é numerosa esta noite. Vês?

─ Ainda não muito claramente.

─ Sr. V..., quero que vejas.

A Sra. C... ─ Oh! sim! Os Espíritos são numerosos!

O Sr. V...: ─ Sim, eles muito numerosos; são incontáveis! ... Mas, olha à tua frente; vês um Espírito mais luminoso, com auréola mais brilhante... Parece sorrir-nos com benevolência! Dizem que é o meu patrono (São Luís)... Vamos, caminhemos; vamos até ele, nós dois... Oh! Tenho muitos erros a reparar... (dirigindo-se ao Espírito): Caro Espírito! Quando nasci, minha mãe me deu vosso nome. Depois, eu me recordo, essa pobre mãe me dizia todos os dias: “Oh! meu filho, roga a Deus; ora ao teu anjo de guarda; ora sobretudo ao teu patrono.” Mais tarde esqueci tudo... tudo!... A dúvida, a incredulidade me perseguiram; em meu transviamento eu vos desconheci, desconheci a vontade de Deus.... Hoje, caro Espírito, venho pedir-vos o esquecimento do passado e o perdão no presente!... Ó São Luís, vedes minha dor e meu arrependimento, esquecei e perdoai.” (Estas últimas palavras foram ditas com um tom de desespero dilacerante).

A Sra. C...: ─ Não deve chorar, irmão... São Luís te perdoa e te abençoa... Os bons Espíritos não têm ressentimento contra os que abandonam seus erros. Digo-te que ele te perdoa!... Oh! este Espírito é bom!... Veja! Ele nos sorri. (Levando a mão ao seu peito.) Oh! Como dói sofrer assim!

O Sr. V...: ─ Ele me fala... Escuta!... Coragem, diz-me ele, trabalha com teus irmãos. O ano que começa será fértil em grandes acontecimentos. Em torno de vós surgirão grandes gênios, poetas, pintores, literatos. A era das Artes sucede a era da Filosofia. Se a primeira fez prodígios, a segunda fará milagres.

(O Sr. V... exprime-se com extraordinária veemência; está no supremo grau do êxtase). A Sra. C...: ─ Acalma-te, irmão; nisto pões demasiado calor, e isto te faz mal. Acalma-te.”

O Sr. V... (continuando): ─ Mas aí começa a missão de vossa Sociedade, missão muito grande e muito bela para aqueles que a compreendem... Foco da Doutrina Espírita, ela deve defendê-la e propagar os seus princípios por todos os meios de que dispõe. Aliás, o seu presidente saberá o que deve ser feito.

“Agora, irmã, ele se afasta; ainda nos sorri; diz-nos com a mão: até logo... Vamos, subamos, irmã; deves assistir a um espetáculo esplêndido, a um espetáculo que o olhar terreno jamais viu.., jamais... jamais!... Sobe... sobe... eu quero! (Silêncio). O que vês?... Olha este exército de Espíritos!... Lá estão os poetas que nos cercam... Oh! Cantai também, cantai!... Vossos cantos são cantos do céu, o hino da criação!... Cantai!... E seus murmúrios acariciam os meus ouvidos... e seus acordes adormecem o meu espírito... Tu não ouves?...

A Sra. C...: ─ Sim, eu ouço... Parece que eles dizem que com o ano espírita que começa, começa uma nova fase para o Espiritismo... fase brilhante, de triunfo e de alegria para os corações sinceros, de vergonha e de confusão para os orgulhosos e para os hipócritas! Para estes, as decepções, o desamparo, o esquecimento, a miséria; para os outros, a glorificação.

O Sr. V...: ─ Eles já o disseram, e isto se verifica.

A Sra. C...: ─ Oh! Que festa! Que magnificência! Que esplendor deslumbrante! Meu olhar apenas pode sustentar o seu brilho. Que suave harmonia se faz ouvir e penetra a alma!... Olha todos estes bons Espíritos que preparam o triunfo da doutrina sob a conduta dos Espíritos superiores e do grande Espírito de Verdade!... Como eles são resplandecentes, e quanto lhes deve custar voltar a habitar um globo como o nosso! Isto é doloroso, mas faz progredir.

O Sr. V...: ─ Escuta!... Escuta!... Escuta, digo-te eu!

O Sr. V. começa o improviso seguinte, em versos. Era a primeira vez que ele fazia poesia mediúnica verbalmente. Até agora as comunicações desse gênero sempre tinham sido dadas por escrito e espontaneamente.


Era uma noite de tempestade.

O mar rolava seus mortos,

Jogando na praia lúgubres acordes!...

Uma criança, ainda pequenina,

De pé sobre um rochedo,

Esperava que a aurora

Clareasse para andar,

Para ir à praia

Procurar sua irmã

Salva do naufrágio,

Ou... com o coração deslumbrado.

Poderia ele, da praia,

Vê-la, como outrora,

Sorridente e ingênua,

Acorrer à sua voz?

Nesta noite horrível,

Sobre as ondas esparsas,

Essa mão invisível

Que os separou,

Reuni-los-á?

Foi esperança vã!

A aurora surgiu bela,

Mas... nada lhe deixou ver;

Nada... senão triste destroço

De um barco destruído!

Nada... senão a onda que lava

O que a noite sujou.

A vaga, com mistério,

Aflorava escorregando,

Espumosa e leve,

Ameaçando o abismo

Que ocultava sua vítima,

Abafava-lhe o soluço

E queria de seu crime

Desculpar as ondas

Pela brisa lamentosa!

A criança, exausta de buscar,

De correr pela praia,

Já não podia andar...

Sufocada, sem ar,

Coxeando... semimorta... quebrada...

Apenas se sustendo,

Tinha-se plantado

Sobre a pedra escaldante

De um rochedo desnudo

E fazia sua prece,

Quando passa um desconhecido.

Surpreso, ele o olha,

Quando orava com fé.

─ Oh! meu filho, Deus te guarde,

Diz ele; levanta-te!...

Esse Deus que vê tuas lágrimas,

Me pôs em teu caminho

Para acalmar teus medos

E estender-te a mão!

Que nada te retenha;

Meu lar é teu lar

E minha família é a tua;

Tua desgraça é a minha.

Vem, di-me teu sofrimento;

Abrirei meu coração

E em breve a esperança

Acalmará teu espanto.


(Dirigindo-se a Sra. C... ):

─ Vês, ele pára! Mas deve falar ainda!...

Sim, ele se aproxima!...

Os sons se tornam mais distintos... eu escuto... ah!

Esta pobre criança... sou eu!


(Dirigindo-se ao Sr. Allan Kardec)

Esse desconhecido... és tu,

Caro e honrado mestre!

Tu que me deste a conhecer

Duas palavras:...

Eternidade E... Imortalidade!

Dois nomes: um, Deus, o outro, alma!

Um foco, o outro, chama!

E vós, meus caros amigos

Neste lugar reunidos,

Sois minha família

Onde, agora tranquilo,

Vou terminar meus dias!

Oh!... Amai sempre!...


─ Ele foge... Casimir Delavigne!... Oh! Caro Espírito... ainda!... Ele foge!... Vamos, não sou bastante forte para assistir a este concerto divino... Sim, é demasiadamente belo... é belíssimo!...

A Sra. C...: ─ Ele falaria mais se quisesses, mas tua exaltação o impediu. Eis-te quebrado, amortecido, exausto; não podes mais falar.

O Sr. V...: ─ Sim, eu o sinto; é uma fraqueza (com um vivo sentimento de pesar) e devo despertarte!... muito cedo... Por que não ficar para sempre neste lugar? Por que voltar à Terra?... Vamos, porque é preciso, irmã, é preciso obedecer esse murmurar... Desperta! Eu quero que despertes. (A Sra. C... abre os olhos). De minha parte, podes despertar-me agitando o teu lenço. Eu sufoco! Ar!.. Ar!...

Estas palavras, e sobretudo os versos, foram ditos com uma ênfase, com uma efusão de sentimentos e um calor de expressão das quais as mais dramáticas e patéticas cenas podem dar uma pálida ideia. A emoção da assistência era geral, porque sentíamos que não era a declamação, mas a própria alma desprendida da matéria que falava...

Esgotado de fadiga, o Sr. V... foi obrigado a deixar a sala e ficou muito tempo aniquilado, dominado por um meio sono do qual só saiu pouco a pouco, por si mesmo, sem querer que ninguém o ajudasse.

Estes fatos vêm confirmar as previsões dos Espíritos quanto às novas formas que não tardaria a tomar a mediunidade. O estado de sonambulismo espontâneo, no qual se desenvolve ao mesmo tempo a mediunidade falante e a vidente, é, com efeito, uma faculdade nova, no sentido em que parece generalizar-se; é um modo particular de comunicação, que tem sua razão de ser neste momento, mais que anteriormente.

Ademais, este fenômeno é muito mais para servir de complemento à instrução dos Espíritos do que para a convicção dos incrédulos, que nele veriam apenas uma comédia. Só os espíritas esclarecidos podem, não só o compreender, mas nele descobrir as provas da sinceridade ou da charlatanice, como em todos os outros gêneros de mediunidade; só eles podem dele destacar o que é útil, deduzindo suas consequências para o progresso da Ciência, na qual os faz penetrar mais cedo. Assim, esses fenômenos geralmente só se produzem na intimidade e aí, além de que os médiuns não teriam nenhum interesse em simular uma faculdade inexistente, a trapaça logo seria desmascarada.

As nuanças de observação aqui são tão delicadas e sutis que exigem uma atenção contínua. Nesse estado de emancipação, a sensibilidade e a impressionabilidade são tão grandes, que a faculdade não pode desenvolver-se em todo o seu brilho senão sob a influência fluídica inteiramente simpática; uma corrente contrária basta para alterá-la, como o sopro que embacia o gelo. A sensação penosa que, por isso, sente o médium, fá-lo dobrar-se sobre si mesmo, como a sensitiva à aproximação da mão. Sua atenção se volta, então, na direção dessa corrente desagradável; ela penetra o pensamento, que é a sua fonte, ela a vê, ela a lê, e quanto mais a sente antipática, mais ela o paralisa. Por aí se julgue do efeito que deve produzir um concurso de pensamentos hostis! Assim, essas espécies de fenômenos absolutamente não se prestam a exibições públicas, nas quais a curiosidade é o sentimento dominante, quando não o da malevolência. Além disso, requerem, da parte das testemunhas, uma excessiva prudência, porque não se deve perder de vista que nesses momentos a alma apenas se liga ao corpo por um fio frágil, e que um abalo pode causar, pelo menos, graves desordens na economia. Uma curiosidade indiscreta e brutal pode ter as mais funestas consequências. Eis por que nunca se agiria com demasiada precaução.

Quando, no início, o Sr. V... diz que “toda vontade, toda ação magnética é e deve ficar estranha a este fenômeno”, ele dá a compreender que só a ação dos Espíritos é a sua causa e que ninguém poderia provocá-la. A recomendação de não falar nem a um nem a outro tinha por objetivo deixá-los inteiramente no êxtase. Perguntas teriam tido como efeito detê-los no impulso de seu Espírito, trazendo-os ao terra a terra e desviando-lhes o pensamento de seu objetivo principal. A exaltação da sensibilidade tornaria igualmente necessária a recomendação de não tocá-los. O contato teria produzido uma comoção penosa e prejudicial ao desenvolvimento da faculdade.

De acordo com isto, compreende-se por que a maior parte dos homens de ciência chamados a constatar fenômenos desse gênero ficam decepcionados. Não é por causa de sua falta de fé, como eles pretendem, que o efeito é recusado pelos Espíritos. São eles próprios que, por suas disposições morais, produzem uma reação contrária; em vez de se colocarem nas condições do fenômeno, eles querem colocar os fenômenos em sua própria condição. Eles desejariam aí encontrar a confirmação de suas teorias antiespiritualistas, porque, para eles, somente aí está a verdade, e se sentem vexados e humilhados por receberem um desmentido pelos fatos. Então, nada obtendo, ou obtendo somente coisas que contradizem sua maneira de ver, em vez de rever suas opiniões, eles preferem negar, ou dizer que tudo não passa de uma ilusão. E como poderia ser de outro modo entre gente que não admite a espiritualidade? O princípio espiritual é a causa de fenômenos de uma ordem particular. Buscar a sua causa fora desse princípio é buscar a causa do raio fora da eletricidade. Não compreendendo as condições especiais do fenômeno, eles fazem experiências com o paciente como se fosse um tubo de ensaio com produtos químicos; eles torturam-no como se se tratasse de uma operação cirúrgica, com o risco de comprometer a sua vida ou a sua saúde.

O êxtase, que é o mais alto grau de emancipação, exige muito mais precauções, porque o Espírito, nesse estado, embriagado pelo espetáculo que têm sob seus olhos, geralmente não deseja nada melhor do que permanecer onde está e deixar a Terra completamente; muitas vezes ele chega a fazer esforços para romper o último laço que o prende ao corpo, e se sua razão não for bastante forte para resistir à tentação, deixar-se-ia ir de boa vontade. É então que se torna necessário vir-lhe em auxílio por uma vontade forte, tirando-o desse estado. Compreende-se que aqui não há uma regra absoluta e que é preciso proceder de conformidade com as circunstâncias.

A respeito disto, um de nossos amigos nos oferece interessante tema de estudo.

Outrora inutilmente tinham tentado magnetizá-lo; de uns tempos para cá, ele cai espontaneamente no sono magnético, sob a influência da mais leve causa; basta que escreva algumas linhas mediunicamente, e por vezes uma simples conversação. Durante seu sono, ele tem percepções de uma ordem mais elevada; fala com eloquência e aprofunda com lógica notável as mais graves questões. Ele vê os Espíritos perfeitamente, mas a sua lucidez apresenta graus diversos, pelos quais ele passa alternativamente; o mais ordinário é o de um semiêxtase. Em certos momentos ele se exalta, e se experimenta uma viva emoção, o que é frequente, exclama com uma espécie de terror, e isto muitas vezes em meio da mais interessante conversa: Despertai-me imediatamente, o que seria imprudente não fazer. Felizmente ele indicou-nos o meio de despertá-lo instantaneamente, e que consiste em soprar fortemente em sua fronte, pois os passes magnéticos produzem um efeito muito lento, ou nulo.

Eis a explicação que nos foi dada sobre sua faculdade por um de nossos guias, com o auxílio de outro médium.

“O Espírito do Sr. T... é entravado em seu impulso pela provação material que ele escolheu. O instrumento de que ele se serve, o seu corpo, no estado atual em que se encontra, não é bastante maleável para lhe permitir assimilar os conhecimentos necessários, ou utilizar os que possui de motu próprio, no estado de vigília. Quando ele está adormecido, o corpo deixa de ser um entrave e se torna apenas o portavoz de seu próprio Espírito, ou daqueles com os quais está em relação. A fadiga material inerente às suas ocupações e a relativa ignorância em que sofre esta encarnação, porquanto ele não sabe, em questões de ciência, a não ser o que revelou a si próprio, tudo isto desaparece para dar lugar a uma lucidez de pensamento, a uma extensão de raciocínio e a uma eloquência excepcional que são o resultado do desenvolvimento anterior do Espírito. A frequência de seus êxtases apenas tem por objetivo habituar o seu corpo a um estado que, durante um certo período e com um especial objetivo ulterior, poderá tornarse, de certo modo, normal. Quando ele pede para ser despertado prontamente, é que se apega ao desejo de realizar sua missão sem falir. Sob o encanto dos quadros sublimes que se lhe oferecem, e do meio em que se encontra, ele gostaria de libertar-se dos laços terrenos e ficar definitivamente entre os Espíritos. Sua razão e o seu dever, que o retêm aqui embaixo, combatem esse desejo, e por medo de deixar-se dominar e sucumbir à tentação, ele vos grita para que o desperteis.”

Considerando-se que estes fenômenos de sonambulismo mediúnico espontâneo devem multiplicarse, as instruções que precedem têm por objetivo guiar os grupos onde eles poderiam produzir-se, na observação dos fatos, e de fazê-los compreender a necessidade de usar a mais extrema prudência em tais casos. O de que é preciso abster-se de maneira absoluta é de transformá-los em objeto de experimentação e de curiosidade. Os espíritas poderão aí colher grandes ensinamentos, próprios a esclarecer e a fortalecer a sua fé, mas, repetimo-lo, seriam sem proveito para os incrédulos. Os fenômenos destinados a convencer estes últimos e que se podem produzir em plena luz, são de uma outra ordem, e entre eles, alguns terão lugar e já se produzem, pelo menos em aparência, fora do Espiritismo. O vocábulo Espiritismo os apavora. Não sendo pronunciada esta palavra, será para eles uma razão a mais para dele se ocuparem. Os Espíritos são prudentes quando por vezes trocam a etiqueta.

Quanto à utilidade especial dessa mediunidade, ela está na prova, de certo modo palpável, que fornece, da independência do Espírito por seu isolamento da matéria. Como dissemos, as manifestações deste gênero esclarecem e fortalecem a fé; elas nos põem em contato mais direto com a vida espiritual. Qual é o Espírito morno ou incerto que ficaria indiferente em presença de fatos que lhe fazem, por assim dizer, tocar com o dedo a vida futura? Qual o que poderia ainda duvidar da presença e da intervenção dos Espíritos? Qual o coração bastante endurecido para não ficar comovido com o aspecto do futuro que se desdobra à sua frente, e que Deus, em sua bondade, lhe permite entrever?

Mas estas manifestações têm uma outra utilidade mais prática, mais atual, porque, mais que outras, elas terão o condão de erguer a coragem nos momentos duros que devemos atravessar. É no momento da tormenta que nos sentiremos felizes por sentirmos os protetores invisíveis ao nosso lado. É então que reconheceremos o valor desses conhecimentos que nos elevam acima da Humanidade e das misérias da Terra, que acalmam nossos pesares e nossas apreensões, fazendo-nos ver apenas o que é grande, imperecível e digno de nossas aspirações. É um socorro que Deus envia em tempo oportuno a seus fiéis servidores, e aí está mais um sinal de que os tempos marcados são chegados. Saibamos aproveitá-lo para o nosso avanço. Agradeçamos a Deus por ter permitido que fôssemos esclarecidos a tempo e lamentemos os incrédulos por se privarem desta imensa e suprema consolação, porque a luz foi espalhada para todos. Pela voz dos Espíritos que falam por toda a Terra, ele faz um último apelo aos endurecidos. Imploremos sua indulgência e sua misericórdia para os cegos.

O êxtase é, como dissemos, um estado superior de desprendimento, do qual o estado sonambúlico é um dos primeiros graus, mas que não implica, de modo algum, a superioridade do Espírito. O mais completo desprendimento é, certamente, o que se segue à morte. Ora, nós vemos neste momento o Espírito conservar suas imperfeições, seus preconceitos, cometer erros, criar ilusões, manifestar as mesmas inclinações. É que as boas e as más qualidades são inerentes ao Espírito e não dependem de causas exteriores. As causas exteriores podem paralisar as faculdades do Espírito, que as recobra no estado de liberdade, mas elas são impotentes para lhe dar as que ele não tem. O sabor de um fruto está nele mesmo; façamos o que fizermos, coloquê-mo-lo onde quisermos, se ele for insípido por natureza, não o tornaremos saboroso. Assim é com o Espírito. Se o desprendimento completo, após a morte, não o torna um ser perfeito, com menos forte razão pode tornar-se perfeito num desprendimento parcial.

O desprendimento extático é um estado fisiológico, indício evidente de um certo grau de adiantamento do Espírito, mas não de uma superioridade absoluta. As imperfeições morais, que são devidas à influência da matéria, desaparecem com essa influência, razão por que se nota, em geral, nos sonâmbulos e nos extáticos, ideias mais elevadas que no estado de vigília. Mas aquelas que são devidas às qualidades próprias do Espírito continuam a se manifestar, por vezes mesmo com menos intensidade do que no estado normal. Liberto de todo constrangimento, por vezes o Espírito dá livre curso aos seus sentimentos, que, como homem, procura dissimular aos olhos do mundo.

De todas as tendências más, as mais persistentes e que menos confessamos a nós mesmos, são os vícios radicais da Humanidade: o orgulho e o egoísmo, que geram o ciúme, as mesquinhas suscetibilidades do amor-próprio, a exaltação da personalidade, que muitas vezes se revelam no estado de sonambulismo. Não é o desprendimento que as faz brotar. Ele apenas as põe a descoberto; de latentes, tornam-se sensíveis por força da liberdade do Espírito.

Portanto, não se deve esperar nenhuma espécie de infalibilidade, nem moral, nem intelectual, nos sonâmbulos e extáticos. A faculdade de que gozam pode ser alterada pelas imperfeições de seu Espírito. Suas palavras podem ser o reflexo de seus pensamentos e de seus sentimentos. Além disso, eles podem sofrer os efeitos da obsessão, tanto quanto no estado ordinário, e ser, por parte dos Espíritos levianos ou mal-intencionados, joguete das mais estranhas ilusões, como demonstra a experiência.

Seria um erro, pois, crer que as visões e as revelações do êxtase não possam ser senão expressão da verdade. Como todas as outras manifestações, é preciso submetê-las ao cadinho do bom-senso e da razão, separar o bom do mau, o que é racional do que é ilógico. Se essas espécies de manifestações se multiplicam, é menos com o fito de nos dar revelações extraordinárias do que para nos fornecer novos assuntos de estudo e de observação sobre as faculdades e as propriedades da alma, e nos dar uma nova prova de sua existência e de sua independência da matéria.

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