Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Instruções dos Espíritos sobre a regeneração da humanidade

(Paris, abril de 1866 - Médiuns: Srs. M e T em sonambulismo)

Os acontecimentos se precipitam com rapidez, por isto não vos dizemos mais, como outrora: “Os tempos estão próximos”; agora dizemos: “Os tempos estão chegados.”

Por estas palavras não entendais um novo dilúvio, nem um cataclismo, nem um desabamento geral. Convulsões parciais do globo ocorreram em todas as épocas e ainda se produzem, pois se devem à sua constituição, mas não são sinais dos tempos.

Entretanto, tudo quanto está predito no Evangelho deve realizar-se e se realiza neste momento, como reconhecereis mais tarde. Mas não tomeis os sinais anunciados senão como figuras, cujo espírito, e não a letra, deve ser apreendido. Todas as escrituras encerram grandes verdades sob o véu da alegoria e é porque os comentadores se apegaram à letra que se confundiram. Faltou-lhes a chave para que compreendessem o verdadeiro sentido. Essa chave está nas descobertas da Ciência e nas leis do mundo invisível que o Espiritismo vem revelar-vos. De agora em diante, com o auxílio desses novos conhecimentos, o que era obscuro torna-se claro e inteligível.

Tudo segue a ordem natural das coisas, e as leis imutáveis de Deus não serão perturbadas. Assim, não vereis milagres nem prodígios, nem nada de sobrenatural, no sentido vulgar ligado a estas palavras.

Não olheis para o céu a fim de aí buscar sinais precursores, pois não os vereis, e aqueles que vo-los anunciam vos enganarão, mas olhai em torno de vós, entre os homens, e aí os encontrareis.

Não sentis um vento que sopra na Terra e agita todos os Espíritos? O mundo está à espera e como que tomado por um vago pressentimento à aproximação da tempestade.

Não acrediteis, entretanto, no fim do mundo material; a Terra progrediu desde a sua transformação; ela deve continuar progredindo, e não ser destruída. Mas a Humanidade chegou a um de seus períodos de transformação, e a Terra vai elevar-se na hierarquia dos mundos.

Não é, pois, o fim do mundo material que se prepara, mas o fim do mundo moral; é o velho mundo, o mundo dos preconceitos, do egoísmo, do orgulho, do fanatismo que se esboroa. Cada dia leva consigo alguns fragmentos. Tudo acabará para ele com a geração que se vai e a geração nova erguerá o novo edifício que as gerações seguintes consolidarão e completarão.

De mundo de expiação, a Terra está chamada a tornar-se um dia um mundo feliz, e nela habitar será uma recompensa, em vez de ser uma punição. O reinado do bem aí deve suceder o do mal.

Para que os homens sejam felizes na Terra, é necessário que ela seja povoada somente por bons Espíritos, encarnados e desencarnados, que não quererão senão o bem. Como já chegou esse tempo, uma grande emigração se realiza neste momento, entre os que a habitam; aqueles que fazem o mal pelo mal e que não são tocados pelo bem, não sendo mais dignos da Terra transformada, dela serão excluídos, porque aí trariam novamente a perturbação e a confusão e seriam um obstáculo ao progresso. Eles irão expiar seu endurecimento nos mundos inferiores, para onde levarão os conhecimentos adquiridos, e terão por missão promover o progresso desses mundos. Serão substituídos na Terra por Espíritos melhores, que farão reinar entre eles a justiça, a paz, a fraternidade.

A Terra, já o dissemos, não deve ser transformada por um cataclismo que aniquilaria subitamente uma geração. A geração atual desaparecerá gradualmente, e a nova a sucederá, sem que nada seja mudado na ordem natural das coisas. Tudo se passará, pois, exteriormente, como de hábito, com uma única diferença, mas essa diferença é capital: Uma parte dos Espíritos que aí encarnavam não mais encarnarão. Numa criança que nascer, em vez de um Espírito atrasado e votado ao mal que ali encarnaria, será um Espírito mais adiantado e dedicado ao bem. Trata-se, pois, muito menos de uma nova geração corporal que de uma nova geração de Espíritos. Assim, aqueles que esperavam ver a transformação operar-se por efeitos sobrenaturais e maravilhosos ficarão decepcionados.

A época atual é de transição. Confundem-se os elementos das duas gerações. Colocados em ponto intermediário, vós assistis à partida de uma e à chegada da outra, e cada um já está marcado no mundo pelos caracteres que lhe são próprios.

As duas gerações que sucedem uma à outra têm ideias e pontos de vista diametralmente opostos. Pela natureza das disposições morais, mas sobretudo das disposições intuitivas e inatas, é fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.

A nova geração, que deve estabelecer a era de progresso moral, distingue-se por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, aliadas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é sinal indubitável de um certo grau de adiantamento anterior. Ela não será composta exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, já tendo progredido, estão predispostos a assimilar todas as ideias progressistas e aptos a secundar o movimento regenerador.

Ao contrário, o que distingue os Espíritos atrasados é, para começar, a revolta contra Deus pela negação da Providência e de todo poder superior à Humanidade; depois, a propensão instintiva às paixões degradantes, aos sentimentos do egoísmo, do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez, enfim a predominância do apego a tudo o que é material.

São esses os vícios de que a Terra deve ser expurgada pelo afastamento dos que recusam emendar-

se, porque eles são incompatíveis com o reino da fraternidade e porque os homens de bem sofrerão sempre com o seu contato. A Terra deles ficará livre e os homens marcharão sem entraves para o futuro melhor, que lhes está reservado aqui embaixo, como prêmio aos seus esforços e à sua perseverança, enquanto esperam que uma depuração ainda mais completa lhes abra a entrada dos mundos superiores.

Por essa emigração de Espíritos não se deve entender que todos os Espíritos retardatários serão expulsos da Terra e relegados a mundos inferiores. Ao contrário, muitos aqui voltarão, porque muitos cederam ao arrastamento das circunstâncias e do exemplo; neles a casca era pior que o cerne. Uma vez subtraídos à influência da matéria e dos preconceitos do mundo corporal, a maioria deles verá as coisas de maneira completamente diferente do que quando vivos, do que tendes numerosos exemplos. Nisto são ajudados pelos Espíritos benevolentes que por eles se interessam e que se esforçam em esclarecê-los e mostrar-lhes o falso caminho que seguiram. Por vossas preces e exortações, vós mesmos podeis contribuir para seu melhoramento, porque há solidariedade perpétua entre vivos e mortos.

Aqueles poderão, pois, voltar, com o que serão felizes, pois isto será uma recompensa. Que importa o que tiverem sido ou feito, se estão animados de melhores sentimentos! Longe de serem hostis à Sociedade e ao progresso, eles serão auxiliares úteis, porque pertencerão à nova geração.

Não haverá, assim, exclusão definitiva senão para os Espíritos fundamentalmente rebeldes, aqueles que o orgulho e o egoísmo, mais do que a ignorância, tornam surdos à voz do bem e da razão. Mas esses mesmos não estão votados a uma inferioridade perpétua, e dia virá em que repudiarão o seu passado e abrirão os olhos à luz. Orai, pois, por esses endurecidos, a fim de que se emendem enquanto ainda há tempo, pois aproxima-se o dia da expiação.

Infelizmente, a maioria deles, desconhecendo a voz de Deus, persistirá em sua cegueira, e sua resistência marcará o fim de seu reino por lutas terríveis. Em seu desvario, eles próprios correrão para a sua perda; darão impulso à destruição, que gerará uma multidão de flagelos e calamidades, de sorte que, sem o querer, apressarão a chegada da era da renovação.

E como se a destruição não marchasse bastante depressa, ver-se-ão os suicídios multiplicando-se numa proporção incrível, até entre as crianças. A loucura jamais terá ferido um maior número de homens que antes da morte serão riscados do número dos vivos. São estes os verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isto realizar-se-á pelo encadeamento das circunstâncias, assim como dissemos, sem que em nada sejam derrogadas as leis da Natureza.

Contudo, através da nuvem sombria que vos envolve e em cujo seio ruge a tempestade, observai que já surgem os primeiros raios da era nova! A fraternidade lança os seus fundamentos em todos os pontos do globo e os povos se estendem as mãos; a barbárie adquire hábitos familiares ao contato da civilização; os preconceitos de raça e de seita, que fizeram correr rios de sangue, se extinguem; o fanatismo e a intolerância perdem terreno, enquanto a liberdade de consciência penetra os costumes e torna-se um direito. Por toda parte fermentam as ideias; vê-se o mal e experimentam-se os remédios, mas muitos andam sem bússola e se tresmalham nas utopias. O mundo está num imenso trabalho de parto que durará um século. Nesse trabalho, ainda confuso, vê-se, entretanto, dominar uma tendência para um objetivo: o da unidade e da uniformidade que predispõem à fraternização.

São ainda sinais dos tempos. Mas, enquanto os outros são os da agonia do passado, estes últimos são os primeiros vagidos da criança que nasce, os precursores da aurora que o próximo século verá levantarse, porque então a nova geração estará em toda a sua força. Tanto a fisionomia do século dezenove difere da do século dezoito, sob certos pontos de vista, quanto a do século vinte será diferente da do dezenove, sob outros pontos de vista.

Um dos caracteres distintivos da nova geração será a fé inata, não a fé exclusiva e cega que divide os homens, mas a fé raciocinada, que esclarece e fortalece, que os une e os confunde num comum sentimento de amor a Deus e ao próximo. Com a geração que se extingue desaparecerão os últimos vestígios da incredulidade e do fanatismo, igualmente contrários ao progresso moral e social.

O Espiritismo é o caminho que conduz à renovação, porque arruína os dois maiores obstáculos que a ela se opõem: a incredulidade e o fanatismo. Ele dá uma fé sólida e esclarecida; ele desenvolve todos os sentimentos e todas as ideias que correspondem às vistas da nova geração, e é por isso que ele é inato e existe em estado de intuição no coração de seus representantes. A era nova vê-lo-á, pois, crescer e prosperar pela própria força das coisas. Ele constituirá a base de todas as crenças, o ponto de apoio de todas as instituições.

Mas, daqui até lá, quantas lutas terá ainda que sustentar contra os seus dois maiores inimigos, a incredulidade e o fanatismo que, coisa bizarra, se dão as mãos para abatê-lo! Eles pressentem o seu futuro e a sua própria ruína, por isso o temem, pois já o veem plantar sobre as ruínas do velho mundo egoísta, a bandeira que deve unir todos os povos. Na divina máxima: Fora da caridade não há salvação, leem sua própria condenação, porque é o símbolo da nova aliança fraterna proclamada pelo Cristo[1]. Ela se lhes mostra como as palavras fatais do festim de Baltazar. Entretanto, eles deveriam bendizer essa máxima, porque ela os resguarda de todas as represálias daqueles que eles perseguem. Mas não, uma força cega os constrange a rejeitar a única coisa que poderia salvá-los!

O que poderão eles contra o ascendente da opinião que os repudia? O Espiritismo sairá triunfante da luta, não duvideis, porque ele está nas leis da Natureza, e é, por isto mesmo, imperecível. Vede por intermédio de que multidão de meios a ideia se expande e penetra em toda parte. Crede, mesmo, que esses meios não são fortuitos, mas providenciais, pois aquilo que à primeira vista parece que deveria prejudicálo é precisamente o que propicia a sua propagação.

Em breve ele verá surgirem campeões altamente situados entre os homens mais considerados e mais acreditados, que o apoiarão com a autoridade de seu nome e de seu exemplo, e imporão silêncio aos seus detratores, porque esses não ousarão tratá-los de loucos. Esses homens o estudam em silêncio e mostrarse-ão quando chegar o momento propício. Até lá, é útil que se mantenham à distância.

Em breve também vereis as artes aí haurirem ideias, como numa fonte fecunda, e traduzirem seus pensamentos e os horizontes que descobrem, através da pintura, da música, da poesia e da literatura. Já vos foi dito que haveria um dia uma arte espírita, como houve a arte pagã e a arte cristã, e é uma grande verdade, porque os maiores gênios nele se inspirarão.

Em breve vereis os seus primeiros esboços, e mais tarde ele ocupará o lugar que lhe cabe.

Espíritas, o futuro é vosso e de todos os homens de coração e devotamento. Não temais os obstáculos, pois nenhum poderá entravar os desígnios da Providência. Trabalhai sem desânimo e agradecei a Deus por vos haver colocado na vanguarda da nova falange. É um posto de honra que vós mesmos pedistes, e do qual vos deveis tornar dignos pela vossa coragem, perseverança e devotamento. Felizes os que sucumbirem nesta luta contra a força; mas, no mundo dos Espíritos, a vergonha será para os que sucumbirem pela fraqueza ou pela pusilanimidade. Aliás, as lutas são necessárias para fortalecer a alma; o contato do mal faz apreciar melhor as vantagens do bem. Sem as lutas que estimulam as faculdades, o Espírito deixar-se-ia arrastar por uma despreocupação funesta ao seu adiantamento. As lutas contra os elementos desenvolvem as forças físicas e a inteligência; as lutas contra o mal desenvolvem as forças morais.

OBSERVAÇÕES:

1ª ─ A maneira pela qual se opera a transformação é muito simples e, como se vê, é toda moral e em nada se afasta das leis da Natureza. Por que, então, os incrédulos rejeitam essas ideias, se elas nada têm de sobrenatural? É que, segundo eles, a lei de vitalidade cessa com a morte do corpo, ao passo que para nós ela prossegue sem interrupção; eles restringem sua ação e nós a estendemos. Eis por que dizemos que os fenômenos da vida espiritual não saem das leis da Natureza. Para eles o sobrenatural começa onde acaba a apreciação pelos sentidos.

2ª ─ Quer os Espíritos da nova geração sejam novos Espíritos melhores, ou os antigos Espíritos melhorados, o resultado é o mesmo. Desde que eles tragam melhores disposições, é sempre uma renovação. Os Espíritos encarnados formam assim duas categorias, conforme suas disposições naturais: a dos Espíritos retardatários que partem e a dos Espíritos progressistas que chegam. O estado dos costumes e da Sociedade estará, pois, num povo, numa raça ou no mundo inteiro, na razão do estado da categoria que tiver a preponderância.

Para simplificar a questão, seja dado um povo, num grau qualquer de adiantamento, composto de vinte milhões de almas, por exemplo. Sendo a renovação dos Espíritos feita na mesma proporção das extinções, isoladas ou em massa, necessariamente houve um momento em que a geração dos Espíritos retardatários ultrapassava em número a dos Espíritos progressistas que eram apenas raros representantes sem influência, e cujos esforços para fazer predominar o bem e as ideias progressistas seriam neutralizadas. Ora, partindo uns e chegando outros, após um dado tempo, as duas forças se equilibram e sua influência se contrabalança. Mais tarde, os recém-chegados são maioria e sua influência torna-se preponderante, embora ainda entravada pela dos primeiros; estes, continuando a diminuir enquanto os outros se multiplicam, acabarão por desaparecer; chegará então um momento em que a influência da nova geração será exclusiva.

Nós assistimos a essa transformação, ao conflito que resulta da luta das ideias contrárias que tentam implantar-se. Umas marcham com a bandeira do passado, outras com a do futuro. Se examinarmos o estado atual do mundo, reconheceremos que, tomada em conjunto, a Humanidade terrena ainda está longe do ponto intermediário em que as forças se equilibrarão; que os povos, considerados isoladamente, estão a uma grande distância uns dos outros, nessa escada; que alguns atingiram esse ponto, mas nenhum ainda o ultrapassou. Aliás, a distância que os separa dos pontos extremos está longe de ser igual em duração, e uma vez transposto o limite, o novo caminho será percorrido com mais rapidez, porquanto uma porção de circunstâncias virão aplainá-lo.

Assim se realiza a transformação da Humanidade. Sem a emigração, isto é, sem a partida dos Espíritos retardatários que não devem voltar, ou que não devem voltar senão depois de se haverem melhorado, a Humanidade terrena nem por isto ficará indefinidamente estacionária, porque os Espíritos mais atrasados por sua vez progridem; mas teriam sido necessários séculos, talvez milhares de anos, para atingir o resultado que meio século bastará para realizar.

Uma comparação vulgar dará a compreender ainda melhor o que ocorre em tal circunstância. Suponhamos um regimento composto, em sua grande maioria, de homens turbulentos e indisciplinados. Eles provocarão incessantes desordens que a severidade da lei penal muitas vezes terá dificuldade em reprimir. Esses homens são os mais fortes, porque são mais numerosos; eles se sustentam, encorajam-se e se estimulam pelo exemplo. Os poucos bons não têm influência; seus conselhos são desprezados; eles são escarnecidos e maltratados pelos outros e sofrem com esse contato. Não é esta a imagem da Sociedade atual?

Suponhamos que tais homens sejam retirados do regimento, um a um, dez a dez, cem a cem, e substituídos por número igual de bons soldados, mesmo pelos que tiverem sido expulsos mas que se tenham corrigido. Ao cabo de algum tempo teremos ainda o mesmo regimento, mas transformado; a boa ordem nele terá substituído a desordem. Assim será com a Humanidade regenerada.

As grandes partidas coletivas não têm como objetivo apenas ativar as saídas, mas também transformar mais rapidamente o espírito da massa, desembaraçando-a das más influências, e de imprimir maior ascendente às ideias novas.

É porque muitos, malgrado suas imperfeições, estão maduros para essa transformação, que muitos partem a fim de se retemperar numa fonte mais pura. Se tivessem ficado no mesmo meio e sob as mesmas influências, teriam persistido em suas opiniões e sua maneira de ver as coisas. Uma estada no mundo dos Espíritos basta para lhes abrir os olhos, porque aí veem o que não podiam ver na Terra. O incrédulo, o fanático, o absolutista poderão, assim, voltar com ideias inatas de fé, de tolerância e de liberdade. Por sua vez, encontrarão as coisas mudadas e serão submetidos ao ascendente do novo meio onde nascerem. Em vez de fazer oposição às ideias novas, serão seus auxiliares.

A regeneração da Humanidade, portanto, absolutamente não necessita de uma renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais, e essa modificação se opera na intimidade de todos aqueles que a isto estejam predispostos, quando subtraídos à influência perniciosa do mundo. Aqueles que vêm não são sempre outros Espíritos, mas muitas vezes os mesmos Espíritos, pensando e sentindo diversamente.

Quando essa transformação para melhor é isolada e individual, ela passa despercebida, e não tem influência ostensiva no mundo. O efeito é diferente quando se opera simultaneamente em grandes massas, e porque então, conforme as proporções, em uma geração, as ideias de um povo ou de uma raça poderão ser profundamente modificadas.

É o que notamos quase sempre depois dos grandes abalos que dizimam populações. Os flagelos destruidores destroem o corpo mas não atingem o Espírito. Eles ativam o movimento de vai-e-vem entre o mundo corporal e o mundo espiritual e, em consequência, o movimento progressivo dos Espíritos encarnados e desencarnados.

É um desses movimentos gerais que se opera neste momento, e que deve determinar o remanejamento da Humanidade. A multiplicidade das causas de destruição é um sinal característico dos tempos, porque elas devem apressar o surgimento dos novos germes. São as folhas de outono que caem, e às quais sucederão novas folhas, cheias de vida, pois a Humanidade tem as suas estações, assim como os indivíduos têm as suas faixas etárias. As folhas mortas da Humanidade caem, levadas pela ventania, mas para renascer mais vivazes, sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica.

Para o materialista, os flagelos destruidores são calamidades sem compensação, sem resultados úteis, pois que, segundo ele, elas aniquilam os seres sem retorno. Mas para aquele que sabe que a morte destrói apenas o envoltório, eles não têm as mesmas consequências e não causam o menor pavor, porque ele compreende o seu objetivo e sabe também que os homens não perdem mais morrendo em conjunto do que isoladamente, porque, de um ou de outro modo, é preciso lá chegar.

Os incrédulos rirão destas coisas e as tratarão como quimeras. Mas, digam o que disserem, não escaparão à lei comum. Eles cairão como os outros, quando chegar a sua vez, e então, o que lhes acontecerá? Nada, dizem eles, entretanto, a despeito de si mesmos, um dia eles serão forçados a abrir os olhos.

NOTA: A comunicação seguinte nos foi endereçada durante a viagem que acabamos de fazer, por um dos nossos queridos protetores invisíveis. Embora tenha um caráter pessoal, ela tem tudo a ver com a grande questão que acabamos de tratar, que ela confirma. Por esse motivo, julgamos oportuno colocá-la aqui, porquanto as pessoas perseguidas por suas crenças espíritas, nela encontrarão úteis encorajamentos.“Paris, lº de setembro de 1866.

“Já faz bastante tempo que não marco minha presença em vossas reuniões dando uma comunicação assinada com o meu nome. Não julgueis, caro mestre, que seja por indiferença ou esquecimento, mas eu não via necessidade de manifestar-me e deixava a outros mais dignos o encargo de vos dar instruções úteis. Entretanto, aí estava e seguia com o maior interesse os progressos desta cara doutrina à qual devo a felicidade e a calma dos últimos anos de minha vida. Eu aí estava, e o meu bom amigo Sr. T... vos deu mais de uma vez essa certeza durante suas horas de sono e de êxtase. Ele inveja minha felicidade e também aspira vir para o mundo que habito agora, quando o contempla brilhando no céu estrelado e remete o seu pensamento às suas rudes provas.

“Eu também as tive muito penosas. Graças ao Espiritismo eu as suportei sem me lastimar e as bendigo agora, pois lhes devo o meu adiantamento. Que ele tenha paciência; dizei-lhe que ele virá para cá um dia, mas que antes deve voltar à Terra, para vos ajudar na conclusão de vossa tarefa. Mas então, como tudo estará mudado! Julgar-vos-eis ambos num mundo novo.

“Meu amigo, enquanto puderdes, repousai o espírito e o cérebro fatigados pelo trabalho; reuni forças materiais, porque em breve muito tereis que gastar. Os acontecimentos, que de agora em diante vão suceder-se com rapidez, vos chamarão à estacada. Sede firme de corpo e de espírito, a fim de estar em condições de lutar com proveito. Então será preciso lutar sem descanso. Mas, como já vos disseram, não estareis só para carregar o fardo; auxiliares sérios mostrar-se-ão, no devido tempo. Escutai, pois, os conselhos do bom doutor Demeure e guardai-vos de toda fadiga inútil ou prematura. Aliás, aí estaremos para vos aconselhar e vos advertir.

“Desconfiai dos dois partidos extremos que agitam o Espiritismo, quer para restringi-lo ao passado, quer para precipitar seu avanço. Temperai os ardores prejudiciais e não vos deixeis arrastar pelas tergiversações dos tímidos ou, o que é mais perigoso, mas que infelizmente é muito verdadeiro, pelas sugestões dos emissários inimigos.

“Marchai com passo firme e seguro, como fizestes até aqui, sem vos inquietar com o que digam à direita ou à esquerda, seguindo a inspiração dos vossos guias e da vossa razão, e não vos arriscareis a deixar a carruagem do Espiritismo sair dos trilhos. Muitos empurram esse invejado carro para precipitar sua queda. Cegos e presunçosos! Ele passará, a despeito dos obstáculos, e não deixará no abismo senão os seus inimigos e os invejosos desconcertados por terem servido ao seu triunfo.

“Os fenômenos já surgem e vão surgir de todos os lados, sob os mais variados aspectos. Mediunidade curadora, doenças incompreensíveis, efeitos físicos inexplicáveis pela Ciência, tudo se reunirá num futuro próximo, para assegurar nossa vitória definitiva, para a qual concorrerão novos defensores.

“Mas quantas lutas ainda será necessário sustentar, e também quantas vítimas! não sangrentas, sem dúvida, mas feridas em seus interesses e em suas afeições. Mais de um desfalecerá ao peso das inimizades desencadeadas contra tudo o que carrega o nome de espírita. Ditosos, porém, aqueles que tiverem mantido sua firmeza na adversidade! Por isto eles serão bem recompensados, mesmo aqui embaixo, materialmente. As perseguições são as provações da sinceridade de sua fé, de sua coragem e de sua perseverança. A confiança que houverem posto em Deus não será vã. Todos os sofrimentos, todos os vexames, todas as humilhações que tiverem suportado pela causa serão valores dos quais nenhum será perdido. Os bons Espíritos velam por eles e os contam e saberão bem separar os devotamentos sinceros das dedicações fictícias. Se a roda da fortuna os trai momentaneamente e os lança no pó, em breve os erguerá mais alto que nunca, dando-lhes a consideração pública e destruindo os obstáculos amontoados em seu caminho. Mais tarde alegrar-se-ão por terem pago seu tributo à causa, e quanto maior for esse tributo, mais bela será a sua parte.

“Nestes tempos de provas, ser-vos-á necessário prodigalizar a todos a vossa força e a vossa firmeza. A todos serão necessários também encorajamento e conselhos. Também será necessário fechar os olhos às defecções dos mornos e dos covardes. De vossa parte, também tereis muito a perdoar...

“Mas eu paro aqui, porque se posso tecer-vos conjeturas acerta do conjunto dos acontecimentos, nada me é permitido precisar. Tudo quanto posso dizer-vos é que não sucumbiremos na luta. Podem cercar a verdade com as trevas do erro, mas é impossível abafá-la. Sua chama é imortal e brilhará mais cedo ou mais tarde.

“VIÚVA F...”

NOTA: Adiamos para o próximo número a continuação do nosso estudo sobre Maomé e o Islamismo, porque, pelo encadeamento das ideias e para a compreensão das deduções, era útil que ele fosse precedido pelo artigo acima.



[1] Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XV.


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