Os tempos são chegados
Os tempos marcados por Deus são chegados, dizem-nos de todos os lados, nos quais grandes acontecimentos vão realizar-se, para a regeneração da Humanidade. Em que sentido devem ser entendidas essas palavras proféticas?
Para os incrédulos elas não têm qualquer importância. Aos seus olhos não passam de expressão de uma crença pueril sem fundamento. Para a maioria dos crentes, elas têm algo de místico e de sobrenatural que lhes parece precursor do desmoronamento das leis da Natureza. Estas duas interpretações são igualmente errôneas: a primeira, porque implica a negação da Providência e porque os fatos realizados provam a verdade dessas palavras; a segunda, porque elas não anunciam a perturbação das leis da Natureza, mas a sua realização.
Procuremos, pois, o sentido mais racional.
Tudo é harmonia na obra da criação; tudo revela uma previdência que não se desmente nem nas menores nem nas maiores coisas. Então, para começar, devemos afastar toda ideia de capricho, inconciliável com a sabedoria divina; em segundo lugar, se nossa época está marcada para a realização de certas coisas, é que elas têm sua razão de ser na marcha geral do conjunto.
Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Ele progride fisicamente pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois progressos se seguem e marcham paralelamente, porque a perfeição da habitação está em relação com o habitante. Fisicamente, o globo sofreu transformações, constatadas pela Ciência, e que paulatinamente o tornaram habitável por seres cada vez mais aperfeiçoados; moralmente, a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que se opera o melhoramento do globo, sob o império das forças materiais, os homens a isso contribuem pelos esforços da inteligência. Eles saneiam regiões insalubres, tornam mais fáceis as comunicações e a terra mais produtiva.
Esse duplo progresso se realiza de duas maneiras: uma lenta, gradual e imperceptível; a outra por mudanças mais bruscas, em cada uma das quais se opera um movimento ascensional mais rápido, que marca, por caracteres distintos, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados nos detalhes ao livre-arbítrio dos homens, são de certo modo fatais em seu conjunto, porque submetidos a leis, como os que se operam na germinação, no crescimento e na maturação das plantas, visto que o objetivo da Humanidade é o progresso, não obstante a marcha retardatária de algumas individualidades. Eis por que o movimento progressivo é algumas vezes parcial, isto é, limitado a uma raça ou a uma nação, outras vezes geral. O progresso da Humanidade se efetua, pois, em virtude de uma lei. Ora, como todas as leis da Natureza são a obra eterna da sabedoria e da presciência divinas, tudo quanto seja efeito dessas leis, é resultado da vontade de Deus, não de uma vontade acidental e caprichosa, mas de uma vontade imutável. Então, quando a Humanidade está madura para transpor um degrau, podemos dizer que os tempos marcados por Deus são chegados, como podemos dizer também que em tal estação eles chegaram para a maturação dos frutos e para a colheita.
Considerando-se que o movimento progressivo da Humanidade é inevitável porque está em a Natureza, não se segue que Deus a isso seja indiferente, e que depois de haver estabelecido leis, ele tenha entrado em inércia, deixando as coisas irem por si mesmas. Suas leis são eternas e imutáveis, sem dúvida, mas porque sua própria vontade é eterna e constante, e seu pensamento anima todas as coisas sem interrupção; porque seu pensamento, que tudo penetra, é a força inteligente e permanente que mantém tudo na harmonia, se esse pensamento deixasse de agir um só instante, o Universo seria como um relógio sem o balancim regulador. Assim, Deus vela incessantemente pela execução de suas leis, e os Espíritos que povoam o espaço são seus ministros encarregados dos detalhes, segundo as atribuições compatíveis com seu grau de adiantamento.
O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável conduzido por um número não menos incomensurável de inteligências; um imenso governo em que cada ser inteligente tem seu quinhão de ação sob o olhar do soberano Senhor cuja vontade única mantém a unidade por toda parte. Sob o império desse vasto poder regulador, tudo se move, tudo funciona numa ordem perfeita. Aquilo que nos parecem perturbações, são os movimentos parciais e isolados que só nos parecem irregulares porque nossa visão é circunscrita. Se pudéssemos abarcar o seu conjunto, veríamos que essas irregularidades são apenas aparentes e que elas estão em harmonia com o todo.
A previsão dos movimentos progressivos da Humanidade nada tem de surpreendente para os seres desmaterializados, que veem o fim para onde tendem todas as coisas, alguns dos quais possuem o pensamento direto de Deus e julgam, pelos movimentos parciais, o tempo no qual poderá realizar-se um movimento geral, como julgamos previamente o tempo necessário para uma árvore dar frutos, e como os astrônomos calculam a época de um fenômeno astronômico pelo tempo que falta para um astro completar sua revolução.
Mas todos os que anunciam tais fenômenos, os autores de almanaques que predizem os eclipses e as marés, certamente não são, eles próprios, capazes de fazer os necessários cálculos. Eles são simples repetidores. Assim, há Espíritos secundários, cujo olhar é limitado, e que apenas repetem o que aos Espíritos superiores aprouve lhes revelar.
Até hoje a Humanidade realizou incontestáveis progressos. Por sua inteligência, os homens chegaram a resultados que jamais haviam atingido em termos de Ciências, Artes e bem-estar material. Resta-lhes ainda um grandioso resultado a atingir: fazer reinar entre si a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o seu bem-estar moral. Eles não podiam fazê-lo com suas crenças, nem com suas instituições caducas, restos de outros tempos, boas numa certa época, suficientes para um estado transitório, mas que, tendo dado o que comportavam, seriam hoje uma estagnação. Assim acontece com um menino, cujas motivações do período infantil são impotentes quando chega a idade madura. Já não é mais apenas o desenvolvimento da inteligência que é necessário aos homens, é a elevação do sentimento, e para tanto é preciso destruir tudo quanto poderia neles superexcitar o egoísmo e o orgulho.
É esse o período em que doravante eles vão entrar, e que marcará uma das principais fases da Humanidade. Essa fase que se elabora neste momento é o complemento necessário da etapa precedente, como a idade viril é o complemento da mocidade. Ela podia, pois, ser prevista e predita por antecipação, e é por isto que dizemos que os tempos marcados por Deus são chegados.
Neste tempo não se trata de uma mudança parcial, de uma renovação limitada a um país, a um povo, a uma raça. É um movimento universal que se opera em termos de progresso moral.
Uma nova ordem de coisas tende a se estabelecer, e os homens que a ela mais se opõem, nela trabalham malgrado seu. A geração futura, desembaraçada das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, achar-se-á animada de ideias e sentimentos completamente diversos dos sentimentos que animam a geração presente, que se afasta a passos de gigante. O velho mundo morrerá e viverá na História, como hoje os tempos medievais, com seus costumes bárbaros e suas crenças supersticiosas.
Ademais, cada um sabe que a ordem atual das coisas deixa a desejar. Depois de ter, de certo modo, esgotado o bem-estar material, que é produto da inteligência, chega-se a compreender que o complemento desse bem-estar não pode estar senão no desenvolvimento moral. Quanto mais se avança, mais se sente o que falta, sem contudo poder ainda defini-lo claramente: é o efeito do trabalho íntimo que se opera para a regeneração; têm-se desejos e aspirações que são como o pressentimento de um estado melhor.
Mas uma mudança tão radical quanto a que se elabora não pode realizar-se sem comoção; há lutas inevitáveis entre as ideias, e quem diz luta, diz alternativa de sucesso e de revés. Entretanto, como as ideias novas são as do progresso, e o progresso está nas leis da Natureza, elas não podem deixar de superar as ideias retrógradas. Desse conflito nascerão, forçosamente, perturbações temporárias, até que o terreno seja varrido dos obstáculos que se opõem à edificação do novo edifício social. É, pois, da luta das ideias que surgirão os graves acontecimentos anunciados, e não de cataclismos ou de catástrofes puramente materiais. Os cataclismos gerais eram consequência do período de formação da Terra; hoje não são mais as entranhas da Terra que se agitam, são as da Humanidade.
A Humanidade é um ser coletivo, no qual se operam as mesmas revoluções morais que em cada ser individual, com a diferença que umas se realizam de ano a ano e as outras de século em século. Acompanhando-as em sua evolução através dos tempos, ver-se-á a vida das diversas raças marcada por períodos que dão a cada época uma fisionomia particular.
Ao lado dos movimentos parciais, há um movimento geral que dá impulso à Humanidade inteira; mas o progresso de cada parte do conjunto é relativo ao seu grau de adiantamento. Tal seria uma família composta de vários filhos, dos quais o caçula está no berço e o mais velho com dez anos, por exemplo. Em dez anos o mais velho terá vinte e será um homem, enquanto o mais novo terá apenas dez, e embora mais crescido será ainda uma criança, mas, no devido tempo, tornar-se-á homem. É assim que acontece com as diversas frações da Humanidade: os mais jovens avançam, mas não poderiam atingir de um salto o nível dos mais velhos.
Tornando-se adulta, a Humanidade tem novas necessidades, aspirações mais amplas, mais elevadas. Ela compreende o vazio das ideias com que foi embalada, a insuficiência de suas instituições para a sua felicidade, e não mais encontra nesse estado das coisas as satisfações legítimas a que se sente chamada, por isso sacode os cueiros e se atira, impulsionada por uma força irresistível, na direção de plagas desconhecidas, em busca de novos horizontes menos limitados. E é no momento em que se encontra muito sufocada em sua esfera material, quando a vida intelectual transborda, quando se expande o sentimento da espiritualidade, que certos homens, pretensos filósofos, esperam encher o vazio com as doutrinas do niilismo e do materialismo! Estranha aberração! Esses mesmos homens que pretendem levála adiante, esforçam-se por contê-la no círculo estreito da matéria, de onde ela aspira sair; obstam-lhe a visão da vida infinita e lhe dizem, mostrando-lhe o sepulcro: Nec plus ultra.
A marcha progressiva da Humanidade opera-se de duas maneiras, como dissemos: uma gradual, lenta, imperceptível, se considerarmos as épocas menos remotas, o que se traduz por sucessivas melhoras nos costumes, nas leis, nos usos, e que não percebemos senão com o tempo, como as alterações que as correntes de água provocam na superfície do globo; a outra, por um movimento relativamente brusco, rápido, semelhante ao de uma torrente rompendo seus diques, que lhe faz transpor em alguns anos o espaço que teria levado séculos a percorrer. É então um cataclismo moral que em poucos instantes devora as instituições do passado e ao qual sucede uma nova ordem de coisas que se estabelece pouco a pouco, à medida que a calma se restabelece e se torna definitiva.
Para aquele que vive tempo suficiente para abarcar os dois aspectos da nova fase, parece que um mundo novo saiu das ruínas do antigo; o caráter, os costumes, os usos, tudo é mudado. É que, com efeito, homens novos, ou melhor, regenerados, surgiram. As ideias sustentadas pela geração que se extingue deram lugar a ideias novas, na geração que se ergue.
É a um desses períodos de transformação ou, se quiserem, de crescimento moral, que chegou a Humanidade. Da adolescência ela passa à idade viril. O passado já não pode bastar às suas novas aspirações, às suas novas necessidades; ela não mais pode ser conduzida pelos mesmos meios; não mais se permite ilusões e artifícios. A razão amadurecida requer alimentos mais substanciais. O presente é efêmero; ela sente que seu destino é mais vasto e que a vida corporal é demasiadamente restrita para contê-la inteira. É por isso que ela mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de aí descobrir o mistério de sua existência e nele colher uma segurança consoladora.
Quem quer que haja meditado sobre o Espiritismo e suas consequências e não o circunscreva à produção de alguns fenômenos, compreende que ele abre à Humanidade um novo caminho e lhe desdobra os horizontes do infinito. Iniciando-o nos mistérios do mundo invisível, mostra-lhe seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo, tanto no estado espiritual quanto no estado corporal. O homem já não caminha cegamente. Ele sabe de onde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se lhe mostra em sua realidade, livre dos preconceitos da ignorância e da superstição; não é mais uma esperança, é uma verdade palpável, para ele tão certa quanto a sucessão dos dias e das noites. Ele sabe que o seu ser não está limitado a alguns instantes de uma existência cuja duração está submetida ao capricho do acaso; que a vida espiritual não é interrompida pela morte; que ele já viveu e viverá novamente, e que de tudo o que adquire em perfeição pelo trabalho nada fica perdido; encontra nas existências anteriores a razão do que ele é hoje, e do que hoje ele se faz, pode concluir o que será um dia.
Com o pensamento que a atividade e a cooperação individuais na obra geral da civilização são limitadas à vida presente, que nada fomos e nada seremos, que interesse tem para o homem o progresso ulterior da Humanidade? Que lhe importa que no futuro os povos sejam melhor governados, mais felizes, mais esclarecidos, melhores uns para com os outros? Considerando-se que disso ele não tira nenhum proveito, esse progresso para ele não é perdido? De que lhe serve trabalhar pelos que virão depois, se jamais deverá conhecê-los; se serão seres novos que logo mais também eles entrarão no nada? Sob o império da negação do futuro individual, tudo se reduz, forçosamente, às mesquinhas proporções do momento e da personalidade.
Mas, ao contrário, que amplitude dá ao pensamento do homem a certeza da perpetuidade de seu ser espiritual! Que força, que coragem não adquire contra as vicissitudes da vida material! Que de mais racional, de mais grandioso, de mais digno do Criador que essa lei, segundo a qual a vida espiritual e a vida corporal não são senão dois modos de existência que se alternam para a realização do progresso! Que de mais justo e consolador que a ideia dos seres progredindo sem cessar, a princípio através das gerações de um mesmo mundo e, a seguir, de mundo em mundo, até a perfeição, sem solução de continuidade! Todas as ações têm, assim, um objetivo, porque, trabalhando para todos, trabalha-se para si, e vice-versa, de sorte que nem o progresso individual, nem o progresso geral jamais são estéreis, porquanto beneficiam tanto as gerações quanto as individualidades futuras, que não são outra coisa senão as individualidades passadas que atingiram um mais alto grau de adiantamento.
A vida espiritual é a vida normal e eterna do Espírito e a encarnação não é senão uma forma temporária de sua existência. Salvo a vestimenta exterior, há, pois, identidade entre os encarnados e os desencarnados; são as mesmas individualidades sob dois aspectos diferentes, ora pertencendo ao mundo visível, ora ao mundo invisível, encontrando-se ora num, ora noutro, concorrendo num e noutro para o mesmo objetivo, por meios apropriados à sua situação.
Dessa lei decorre a da perpetuidade das relações entre os seres. A morte não os separa e não põe um termo às suas relações de simpatia, nem aos seus deveres recíprocos. Daí a solidariedade de todos para cada um e de cada um para todos; daí, também, a fraternidade. Os homens não viverão felizes na Terra senão quando esses dois sentimentos tiverem entrado em seus corações e em seus costumes, porque então a eles sujeitarão suas leis e instituições. Será este um dos principais resultados da transformação que se opera.
Mas como conciliar os deveres da solidariedade e da fraternidade com a crença que a morte torna os homens para sempre estranhos uns aos outros? Pela lei da perpetuidade das relações que liga todos os seres, o Espiritismo funda esse duplo princípio sobre as próprias leis da Natureza. Disto faz não só um dever, mas uma necessidade. Pela da pluralidade das existências, o homem se liga ao que está feito e ao que será feito, aos homens do passado e aos do futuro; ele não mais pode dizer que nada tem de comum com os que morrem, pois uns e outros encontram-se incessantemente, neste e no outro mundo, para subirem juntos a escada do progresso e se prestarem mútuo apoio. A fraternidade não mais está circunscrita a alguns indivíduos que o acaso reúne durante a duração efêmera de uma vida; é perpétua como a vida do Espírito, universal como a Humanidade, que constitui uma grande família cujos membros são todos solidários reciprocamente, seja qual for a época em que tenham vivido.
Tais são as ideias que ressaltam do Espiritismo, e que ele suscitará entre todos os homens quando estiver universalmente difundido, compreendido, ensinado e praticado. Com o Espiritismo, a fraternidade, sinônimo da caridade pregada pelo Cristo, já não é uma palavra vã; ela tem a sua razão de ser. Do sentimento de fraternidade nasce o da reciprocidade e dos deveres sociais de homem a homem, de povo a povo, de raça a raça. Destes dois sentimentos bem compreendidos sairão, forçosamente, as mais proveitosas instituições para o bem-estar de todos.
A fraternidade deve ser a pedra angular da nova ordem social. Mas não haverá fraternidade real, sólida e efetiva se não for apoiada em base inabalável, e essa base é a fé, não a fé em tais ou quais dogmas particulares, que mudam com os tempos e pelos quais os povos se atiram pedras, porque, anatematizandose, eles entretêm o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que todo mundo pode aceitar: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os seres. Quando todos os homens estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para todos, que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada pode querer de injusto, que o mal vem dos homens e não dele, olhar-seão como filhos de um mesmo pai e dar-se-ão as mãos. Esta é a fé que o Espiritismo dá e que será, de agora em diante, o pivô em torno do qual mover-se-á o gênero humano, sejam quais forem as maneiras de o adorar e suas crenças particulares, que o Espiritismo respeita, mas das quais não tem que se ocupar. Apenas desta fé pode sair o verdadeiro progresso moral, porque só ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos e aos deveres. Sem ela, o direito é o que é dado pela força; o dever, um código humano imposto por constrangimento. Sem ela, o que é o homem? Um pouco de matéria que se dissolve, um ser efêmero que apenas passa. Sem ela o próprio gênio não é senão uma centelha que brilha um instante para extinguir-se para sempre, e certamente nisto não há motivo para reabilitá-lo a seus próprios olhos. Com tal pensamento, onde estão realmente os direitos e os deveres? Qual o objetivo do progresso? Somente esta fé faz o homem sentir sua dignidade pela perpetuidade e pela progressão de seu ser, não em um futuro mesquinho e circunscrito à sua personalidade, mas grandiosa e esplêndida; seu pensamento o eleva acima da Terra; ele se sente crescer, pensando que tem seu papel no Universo; que esse Universo é o seu domínio que um dia ele poderá percorrer, e que a morte não o transformará numa nulidade ou num ser inútil a si e aos outros.
O progresso intelectual realizado até hoje nas mais vastas proporções é um grande passo, e marca a primeira fase da Humanidade, mas ele sozinho é impotente para regenerá-la; enquanto o homem for dominado pelo orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em proveito de suas paixões e de seus interesses pessoais, motivo pelo qual os aplica ao aperfeiçoamento dos meios de prejudicar os outros e de destruí-los.
Só o progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens na Terra, pondo um freio nas paixões más; só ele pode fazer reinar a concórdia entre eles, a paz e a fraternidade. É ele que destruirá as barreiras dos povos; que fará caírem os preconceitos de casta e calar os antagonismos de seitas, ensinando aos homens a se olharem como irmãos chamados a se ajudarem mutuamente e não a viver uns às custas dos outros. É ainda o progresso moral, aqui secundado pelo progresso da inteligência, que confundirá os homens na mesma crença, estabelecida sobre as verdades eternas, não sujeitas a discussões, e por isto mesmo aceita por todos. A unidade de crença será o mais poderoso laço, o mais sólido fundamento da fraternidade universal, em todos os tempos quebrada pelos antagonismos religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo, inimigos que é preciso afugentar, combater, exterminar, em vez de irmãos que é preciso amar.
Um tal estado de coisas supõe uma radical mudança no sentimento das massas, um progresso geral que não poderia realizar-se senão saindo do círculo das ideias estreitas e terra a terra que fomentam o egoísmo. Em diversas épocas, homens de escol procuraram impelir a Humanidade por esse caminho, mas a Humanidade, ainda muito jovem, ficou surda, e seus ensinamentos foram como a boa semente que caiu sobre a pedra.
Hoje ela está madura para lançar suas vistas para mais alto do que o fez, a fim de assimilar ideias mais amplas e compreender o que não havia compreendido.
A geração que desaparece levará consigo seus preconceitos e seus erros; a geração que surge, fortalecida numa fonte mais depurada, imbuída de ideias mais sãs, imprimirá ao mundo o movimento ascensional no sentido do progresso moral que deve marcar a nova fase da Humanidade.
Essa fase se já revela por sinais inequívocos, por tentativas de reformas úteis, pelas ideias grandes e generosas que vêm à luz e que começam a encontrar eco. É assim que vemos serem fundadas muitas instituições protetoras, civilizadoras e emancipadoras, sob o impulso e por iniciativa de homens evidentemente predestinados à obra da regeneração; que as leis penais diariamente se impregnam de um sentimento mais humano. Os preconceitos de raça se abrandam e os povos começam a olhar-se como membros de uma grande família. Pela uniformidade e facilidade dos meios de transporte, eles suprimem as barreiras que os dividiam em todas as partes do mundo, reúnem-se em comissões universais para torneios pacíficos da inteligência. Mas falta para essas reformas uma base para se desenvolverem, para se completarem e se consolidarem, uma predisposição moral mais geral para frutificarem e se fazerem aceitas pelas massas. Isto não é menos um sinal característico do tempo, o prelúdio do que será realizado em mais vasta escala, à medida que o tempo se tornar propício.
Um sinal não menos característico do período em que entramos é a reação evidente que se opera nas ideias espiritualistas. Uma repulsa instintiva se manifesta contra as ideias materialistas, cujos representantes se tornam menos numerosos e menos absolutos. O espírito de incredulidade que se havia apoderado das massas, ignorantes ou esclarecidas, e que havia feito com que elas rejeitassem, juntamente com a forma, o próprio fundo de qualquer crença, parece ter sido um sono, ao sair do qual se experimenta a necessidade de respirar um ar mais vivificante. Involuntariamente, onde se fez o vazio, procura-se alguma coisa, um ponto de apoio, uma esperança.
Nesse grande movimento regenerador, o Espiritismo tem um papel considerável, não o Espiritismo ridículo inventado por uma crítica trocista, mas o Espiritismo filosófico, tal qual o compreende quem se dê ao trabalho de procurar a amêndoa dentro da casca. Pela prova que ele traz das verdades fundamentais, ele enche o vazio que a incredulidade engendra nas ideias e nas crenças; pela certeza que ele dá num futuro conforme à justiça de Deus, e que a mais severa razão pode admitir, ele tempera os amargores da vida e conjura os funestos efeitos do desespero.
Dando a conhecer novas leis da Natureza, ele dá a chave de fenômenos incompreendidos e de problemas até agora insolúveis e mata, ao mesmo tempo, a incredulidade e a superstição. Para ele não há sobrenatural nem maravilhoso; tudo se realiza no mundo em virtude de leis imutáveis. Longe de substituir um exclusivismo por outro, coloca-se como campeão absoluto da liberdade de consciência; combate o fanatismo sob todas as formas e o corta pela raiz, proclamando a salvação para todos os homens de bem e a possibilidade, para os mais imperfeitos, de chegar, pelos próprios esforços, pela expiação e pela reparação, à perfeição que, só ela, conduz à suprema felicidade. Em vez de desencorajar o fraco, encorajao, mostrando-lhe o fim que pode atingir.
Ele não diz: Fora do Espiritismo não há salvação, mas, com o Cristo: Fora da caridade não há salvação, princípio de união, de tolerância, que ligará os homens num sentimento comum de fraternidade, em vez de dividi-los em seitas inimigas. Por este outro princípio: Não há fé inabalável senão a que pode olhar a razão face a face em todas as idades da Humanidade, ele destrói o império da fé cega que aniquila a razão e da obediência passiva que embrutece; emancipa a inteligência do homem e levanta o seu moral.
Consequente consigo mesmo, ele não se impõe; diz o que é, o que quer, o que dá, e espera que a ele venham livremente, voluntariamente; quer ser aceito pela razão e não pela força. Ele respeita todas as crenças sinceras e não combate senão a incredulidade, o egoísmo, o orgulho e a hipocrisia, que são as chagas da Sociedade e os mais sérios obstáculos ao progresso moral; mas não lança o anátema a ninguém, nem mesmo aos seus inimigos, porque está convencido que o caminho do bem está aberto aos mais imperfeitos, os quais, mais cedo ou mais tarde nele entrarão.
Se supusermos a maioria dos homens imbuídos desses sentimentos, facilmente poderemos imaginar
as modificações que trarão às relações sociais: caridade, fraternidade, benevolência para com todos, tolerância para todas as crenças, tal será a sua divisa. É o objetivo a que, evidentemente, tende a Humanidade, o objeto de suas aspirações, de seus desejos, sem que se dê conta dos meios de realizá-los; ela tenta, tateia, mas é detida pelas resistências ativas ou pela força de inércia dos preconceitos, das crenças estacionárias e refratárias ao progresso. São essas resistências que devem ser vencidas, e isto será a obra da nova geração. Quem acompanhar o curso atual das coisas reconhecerá que tudo parece predestinado a lhe abrir o caminho. Ela terá a seu favor o duplo poder do número e das ideias, além da experiência do passado.
Assim, a nova geração marchará para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento a que tiver chegado. Caminhando o Espiritismo em busca do mesmo objetivo e realizando os seus planos, encontrar-se-á com ela no mesmo terreno, onde não serão concorrentes, mas colaboradores, prestando-se mútuo apoio. Os homens de progresso encontrarão nas ideias espíritas uma poderosa alavanca, e o Espiritismo encontrará nos homens novos, espíritos absolutamente dispostos a acolhê-lo. Nesse estado de coisas, que poderão fazer os que quiserem criar obstáculos?
Não é o Espiritismo que cria a renovação social, é a maturidade da Humanidade que faz dessa renovação uma necessidade. Por seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplidão de suas vistas, pela generalidade das questões que abarca, o Espiritismo está, mais que qualquer outra doutrina, apto a secundar o movimento regenerador. É por isto que é seu contemporâneo. Ele veio no momento em que podia ser útil, porque também para ele os tempos são chegados. Mais cedo ele teria encontrado obstáculos intransponíveis; inevitavelmente teria sucumbido, porque os homens, satisfeitos com o que tinham, ainda não experimentavam a necessidade daquilo que ele traz. Hoje, nascido com o movimento das ideias que fermentam, ele encontra o terreno preparado para recebê-lo. Cansados da dúvida e da incerteza, apavorados com o abismo que se abre à sua frente, os espíritos o acolhem como uma tábua de salvação e uma suprema consolação.
Dizendo que a Humanidade está madura para a regeneração, isto não quer dizer que todos os indivíduos estejam no mesmo grau, mas muitos têm, por intuição, o germe das ideias novas que as circunstâncias farão brotar; então eles se mostrarão mais adiantados do que se pensava, e seguirão com entusiasmo o impulso da maioria.
Há, entretanto, os que são fundamentalmente refratários, mesmo entre os mais inteligentes, e que certamente jamais se ligarão, pelo menos nesta existência, uns de boa-fé, por convicção; outros por interesse. Aqueles cujos interesses materiais estão ligados ao presente estado de coisas e que não estão suficientemente adiantados para deles libertar-se, aos quais o bem geral sensibiliza menos que o de sua pessoa, não podem ver sem apreensão o menor movimento reformador; a verdade é para eles uma questão secundária, ou melhor, a verdade está toda inteira no que não lhes causa nenhuma perturbação; todas as ideias progressistas são aos seus olhos ideias subversivas e é por isso que lhes votam um ódio implacável e lhes fazem uma guerra encarniçada. Muito inteligentes para não verem no Espiritismo um auxiliar dessas ideias e os elementos da transformação que temem, porque não se sentem à sua altura, eles se esforçam para abatê-lo; se o julgassem sem valor e sem autoridade, com ele não se preocupariam. Em outro momento já dissemos que “Quanto maior é uma ideia, mais adversários encontra, e pode medir-se a sua importância pela violência dos ataques de que ela é objeto.”
O número dos retardatários sem dúvida ainda é grande, mas o que podem eles fazer contra a onda que cresce, senão jogar pedras contra ela? Essa onda é a geração que surge, ao passo que eles desaparecem com a geração que diariamente vai se extinguindo a largos passos. Até lá eles defenderão o terreno palmo a palmo. Há, pois, uma luta inevitável, mas desigual, porque é a do passado decrépito que cai aos pedaços, contra o futuro juvenil; da estagnação contra o progresso; da criatura contra a vontade de Deus, pois os tempos marcados para eles são chegados.
Nota: As reflexões que precedem são o desenvolvimento das instruções dadas pelos Espíritos sobre o mesmo assunto, num grande número de comunicações, a nós e a outras pessoas. A que publicamos a seguir é o resumo de várias conversas que tivemos, através de dois dos nossos médiuns habituais, em estado de sonambulismo extático, e que, ao despertar, não conservam nenhuma lembrança. Coordenamos metodicamente as ideias, a fim de lhes dar uma melhor sequência, eliminando todos os detalhes e acessórios supérfluos. Os pensamentos foram reproduzidos com muita exatidão, e as palavras são também tão textuais quanto foi possível recolhê-las pela audição.