Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Os fenômenos apócrifos

O fato seguinte é relatado pelo Evénement de 2 de agosto de 1866:

“Há alguns dias os habitantes do bairro vizinho da igreja de Saint-Médard estavam muito abalados por um fato singular, misterioso, que dava lugar aos mais lúgubres relatos e comentários.

“Estão sendo feitas demolições ao redor da igreja; a maior parte das casas demolidas foram construídas no lugar de um cemitério ao qual ligam a história dos supostos milagres que, no começo do século dezoito, motivaram um decreto do governo que, a 27 de janeiro de 1733, ordenou o fechamento desse cemitério, em cuja porta foi encontrado, no dia seguinte, este epigrama: “Por ordem do rei... fica proibido a Deus “Fazer milagres neste lugar.

“Ora, as casas respeitadas pelo martelo demolidor eram, todas as noites, devastadas por uma chuva de pedras, às vezes muito grandes, que quebravam os vidros das janelas e caíam sobre os telhados e os danificavam.

“A despeito das mais ativas pesquisas, ninguém descobriu de onde vinham os projéteis.

“Não deixaram de dizer que os mortos do cemitério, perturbados em seu repouso pelas demolições, assim manifestavam seu descontentamento. Mas pessoas menos crédulas, pensando que essas pedras que continuavam a cair todas as noites fossem lançadas por um ser vivo, foram reclamar a intervenção do Sr. Cazeaux, comissário de polícia, que estabeleceu uma vigilância por seus agentes.

“Enquanto a exerciam, as pedras não apareceram, mas assim que a suspenderam, recaíram ainda mais abundantes.

“Não sabiam o que fazer para penetrar esse mistério, quando a senhora X..., proprietária de uma casa

na rua Censier, veio declarar ao comissário que, assustada com o que se passava, tinha ido consultar uma sonâmbula.

“Ela me revelou”, disse a declarante, “que as pedras eram lançadas por uma moça afetada por um mal da cabeça. Precisamente a minha criada, Felícia F..., de dezesseis anos, sofre de herpes nessa parte do corpo.

“Embora não ligando importância a essa indicação, o comissário concordou em interrogar Felícia e dela obteve uma confissão completa. Agindo sob a inspiração de um Espírito que lhe apareceu, há alguns meses ela vinha guardando num celeiro grande quantidade de pedras, e todas as noites ela se levantava para atirar uma parte pela janela do celeiro sobre as casas vizinhas.

“Na presunção de que essa moça pudesse ser alienada, o comissário mandou-a à Prefeitura, para que aí fosse examinada por médicos especialistas.”

Este fato prova que se deve evitar atribuir a uma causa oculta todos os fatos desse gênero e que, quando existe uma causa material, sempre se chega a descobri-la, o que nada prova contra a possibilidade de uma outra origem em certos casos que não podem ser julgados senão pelo conjunto de circunstâncias, como no caso de Poitiers. A menos que a causa oculta seja demonstrada pela evidência, a dúvida é o partido mais sábio. Convém, assim, manter reservas. É preciso desconfiar, sobretudo das ciladas preparadas pela malevolência com o objetivo de dar-se ao prazer de mistificar os espíritas. A ideia fixa da maior parte dos antagonistas é que o Espiritismo está inteiramente nos efeitos físicos e não pode viver sem isto; que a fé dos espíritas não tem outro objetivo, motivo pelo qual imaginam matá-lo desacreditando os efeitos, quer simulando-os, quer os inventando em condições ridículas. Sua ignorância do Espiritismo faz com que, sem perceber, eles não atinjam o lado capital da questão, que é o ponto de vista moral e filosófico.

Alguns, entretanto, conhecem muito bem esse lado da doutrina; mas, como ele é inatacável, lançamse sobre o outro, mais vulnerável, e que se presta mais facilmente à charlatanice. Eles gostariam de fazer os espíritas passarem por admiradores crédulos e supersticiosos do fantástico, tudo aceitando de olhos fechados. É para eles um grande desapontamento não vê-los extasiados ao menor fato com a menor aparência de sobrenatural e de encontrá-los, em relação a certos fenômenos, mais cépticos do que aqueles que não conhecem o Espiritismo. Ora, é precisamente porque o conhecem que eles sabem o que é possível e o que não é, e não veem em tudo a ação dos Espíritos.

No fato exposto acima, é muito curioso ver a verdadeira causa revelada por uma sonâmbula. É a consagração do fenômeno da lucidez. Quanto à moça que diz ter agido sob o impulso de um Espírito, é certo que não foi o conhecimento do Espiritismo que lhe deu tal ideia. De onde lhe veio? É bem possível que ela estivesse sob o domínio de uma obsessão que tomaram, como sempre, por loucura. Se assim é, não será com remédios que a curarão. Em casos semelhantes, vimos muitas vezes pessoas a falar espontaneamente de Espíritos, porque elas os veem, e então dizem que elas estão alucinadas.

Nós a supomos de boa-fé, porque não temos nenhuma razão para dela suspeitar. Infelizmente, porém, há fatos de natureza a suscitar desconfiança. Lembramos de uma mulher que simulou loucura ao sair de uma reunião onde havia sido admitida às suas instâncias, a única a que ela tinha assistido. Conduzida imediatamente a um hospício, logo confessou que havia recebido cinquenta francos para representar a comédia. Era a época em que procuravam propagar a ideia que os hospícios regurgitavam de espíritas. Essa mulher se deixou seduzir pela tentação de algum dinheiro; outras podem ceder a outras influências. Não pretendemos que este seja o caso dessa moça; apenas quisemos mostrar que quando se quer denegrir uma coisa, todos os meios são bons. É, para os espíritas, uma razão a mais para se manterem em guarda e tudo observar escrupulosamente. Aliás, se tudo o que se trama em segredo prova que a luta não terminou e que é preciso redobrar a vigilância e a firmeza, é igualmente a prova que nem todo mundo olha o Espiritismo como uma quimera.

Ao lado da guerra surda, há a guerra a céu aberto, mais geralmente feita pela incredulidade trocista. Evidentemente esta modificou-se. Os fatos que se multiplicam; a adesão de pessoas de cuja boa-fé e razão não se pode suspeitar; a impassibilidade dos espíritas, bem como sua calma e moderação em presença das tempestades levantadas contra eles, deram motivos para reflexão. Diariamente a imprensa registra fatos espíritas. Se, entre esses fatos, há alguns verdadeiros, outros são evidentemente inventados pelas necessidades da causa da oposição. Ela não nega mais os fenômenos, mas procura torná-los ridículos pelo exagero. É uma tática muito inofensiva, porque hoje não é difícil, em certas matérias, representar o papel da inverossimilhança. Os jornais da América não ficam atrás nas invenções a esse respeito, e os nossos se apressam em imitá-los. É assim que a maior parte deles repetiu a seguinte história, no mês de março último:

“ESTADOS UNIDOS. ─ Um homem foi executado em Cleveland, Ohio, o Dr. Hughes, que, no momento de morrer, fez um discurso, revelando um espírito de uma firmeza e de uma lucidez extraordinárias. Ele aproveitou a ocasião para fazer uma dissertação, que não durou menos de meia hora, sobre a utilidade e a justiça da pena de morte. Essa penalidade máxima, disse ele, é simplesmente ridícula. Qual a vantagem de tirar-me a vida? Nenhuma. Certamente não será o meu exemplo que dissuadirá outros do crime. Será que me lembro de haver dado esse tiro de pistola? Hoje não tenho absolutamente a menor lembrança. Posso admitir que a lei de Ohio me fira justamente, mas digo, ao mesmo tempo, que ela é tola e vã.

“Se pretendeis que, porque esta corda vai ser amarrada em volta do meu pescoço e apertada até que eu morra, ela tenha por efeito prevenir o assassinato, digo que o vosso pensamento é tolo e vão, pois na situação de espírito em que estava John W. Hughes quando ele assassinou, não há exemplo na Terra que teria podido impedir um homem, fosse quem fosse, de fazer o que eu fiz. Inclino-me ante a lei do Estado, com o pensamento de que é um assassinato tão inútil quanto cruel tirar-me a vida. Espero que meu suplício não fique como um exemplo da pena de morte, mas como um argumento que prova a sua inutilidade.

“Em seguida, Hughes fez um exame de consciência e estendeu-se muito sobre a religião e sobre a imortalidade da alma. Suas teorias, nessas graves matérias, não são positivamente ortodoxas, mas ao menos atestam um sangue-frio singular. Ele falou também do Espiritualismo, ou melhor, do Espiritismo. Disse ele:

“─ Eu sei, por experiência própria, que há entre os que saem da vida e os que ficam, comunicações incessantes. Hoje vou sofrer a suprema pena legal, mas, ao mesmo tempo, tenho a certeza de que estarei convosco depois de minha execução, como aqui me encontro agora. Meus juízes e meus carrascos me verão sempre ante os seus olhos, e vós mesmos, que viestes aqui para me ver morrer, não há um só que não me reveja em carne e osso, vestido de preto, como estou, carregando meu próprio luto prematuro, tanto durante seu sono quanto nas horas de suas ocupações diárias. Adeus, senhores. Espero que nenhum de vós faça o que eu fiz. Se houver, porém, algum que se ache no estado mental em que eu mesmo estava quando cometi o crime, não será certamente a lembrança deste dia que o impedirá. Adeus.”

“Depois dessa arenga, o estrado foi derrubado e o Dr. Hughes ficou pendurado. Mas suas palavras tinham produzido uma profunda impressão sobre o auditório, do que resultaram singulares efeitos. Eis o que hoje encontramos a respeito no Herald, de Cleveland:

“Estando no cadafalso, com a corda no pescoço, o Dr. Hughes disse que estaria com os que o ouviam, assim como estava antes da sua morte, e diríamos que ele levou a sério o cumprimento de sua palavra. Entre as pessoas que o tinham visitado em sua cela antes da execução, achava-se um honesto açougueiro alemão. Esse homem, a partir da entrevista com o condenado, não tira o Dr. Hughes da cabeça. Ele tem incessantemente diante dos olhos, noite e dia, a toda hora, prisões, patíbulos, homens pendurados. Já não dorme, não come, não mais cuida da família e dos negócios, e ontem à noite esta visão quase o matou:

“Ele acabava de entrar no estábulo para tratar dos animais, quando viu de pé, junto de seu cavalo, o doutor Hughes, vestido com a mesma roupa preta que tinha ao deixar o nosso planeta e parecendo gozar de excelente saúde. O pobre açougueiro soltou um grito horrível, um urro do outro mundo, e caiu de costas.

“Correram e ergueram-no; tinha os olhos vagos, a face lívida, os lábios trêmulos e com uma voz ofegante perguntou, ao retomar a consciência, se o Dr. Hughes ainda estava ali. Dizia ter acabado de vê-lo e que se ele não estava mais no estábulo, não podia estar longe. Foi com todo esforço do mundo que o acalmaram e levaram para casa. A visão continuou a persegui-lo, e as últimas notícias nos dão conta que ele estava num estado de agitação que nada podia acalmar.

“Mas eis o que é ainda mais curioso. O açougueiro não é o único a quem o Dr. Hughes apareceu depois de morto. Dois dias após a execução, todos os detentos o viram, com os próprios olhos, entrar na prisão e percorrer os corredores. Ele tinha o semblante perfeitamente natural: estava vestido de preto, como no cadafalso; passava sempre a mão pelo pescoço e ao mesmo tempo deixava sair da boca um som gutural que sibilava entre os dentes. Ele subiu as escadas que levam à sua cela, entrou, sentou-se e pôs-se a escrever versos. Eis o que contaram os detentos, e nada no mundo os teria persuadido que tinham sido vítimas de uma ilusão.”

Este fato não deixa de ter o seu lado instrutivo, pelas palavras do paciente. Ele é verdadeiro, quanto ao assunto principal, mas como, em sua última alocução, ele achou que deveria falar do Espiritualismo ou Espiritismo, o narrador houve por bem rechear seu relato com casos de aparições que só existiram em sua pena, salvo a primeira, a do açougueiro, que parece ser real.

Tom, o cego não é um conto de fantasma, mas um incrível fenômeno de inteligência. Tom é um jovem negro de dezessete anos, cego de nascença, supostamente dotado de um maravilhoso instinto musical. O Harpers Weekly, jornal ilustrado de Nova Iorque, consagra-lhe um longo artigo, do qual extraímos as seguintes passagens:

“Há menos de dois anos ele traduzia para o canto tudo o que lhe feria o ouvido, e tal era a justeza e a facilidade com que captava um fragmento melódico que ouvindo as primeiras notas de um canto, podia executar a sua parte. Logo começou a acompanhar, fazendo a segunda voz, embora jamais a tivesse ouvido, mas um instinto natural lhe revelava que algo de semelhante devia cantar-se.

“Aos quatro anos de idade, pela primeira vez ouviu um piano. À chegada do instrumento, ele estava, como de hábito, brincando no pátio. A primeira vibração das cordas o atraiu para a sala. Permitiram-lhe passear os dedos nas teclas, apenas para satisfazer sua curiosidade e não lhe recusar o prazer inocente de fazer um pouco de ruído. Certa vez, depois da meia-noite, ele estava na sala de visitas, onde tinha aprendido a entrar. O piano não tinha sido fechado e as moças da casa despertaram pelos sons do instrumento. Para seu grande espanto, elas ouviram Tom tocando um de seus trechos, e de manhã o encontraram ainda ao piano. Então lhe permitiram tocar quanto quisesse. Ele fez progressos tão rápidos e admiráveis que o piano tornou-se o eco de tudo o que ele ouvia. Desenvolveu assim novas e prodigiosas faculdades, até então desconhecidas no mundo musical, e cujo monopólio parece que Deus tinha reservado a Tom. Ele tinha menos de cinco anos quando, depois de uma tempestade, dela fez o que denominou: O que me dizem o vento, o trovão e a chuva.

“Em Filadélfia, setenta professores de música apuseram espontaneamente sua assinatura numa declaração que assim termina: ‘De fato, sob qualquer forma de exame musical, execução, composição e improvisação, ele demonstrou um poder e uma capacidade que o classifica entre os mais admiráveis fenômenos cuja lembrança tenha sido guardada pela história da música. Os abaixo assinados pensam que é impossível explicar esses prodigiosos resultados por qualquer das hipóteses que podem fornecer as leis da Arte ou da Ciência.’

“Hoje ele toca as músicas mais difíceis dos grandes autores com uma delicadeza de toque, um poder e uma expressão raramente ouvidos. Na próxima primavera ele deve ir à Europa.”

A respeito disto, eis a explicação dada por intermédio do Sr. Morin, médium, numa reunião espírita de Paris, na casa da Princesa O..., a 13 de março de 1866, onde estávamos presente. Ela pode servir de guia em todos os casos análogos.

“Não vos apresseis muito em crer na vinda do famoso músico negro cego. Suas aptidões musicais são muito exaltadas pelos grandes divulgadores de novidades, que não são avaros em fatos imaginários destinados a satisfazer a curiosidade dos assinantes. Deveis desconfiar muito das reproduções e sobretudo dos empréstimos reais ou supostos que fazem os vossos jornalistas aos seus colegas de além-mar. Muitos balões de ensaio são lançados com o fito de fazer os espíritas caírem na armadilha, e na esperança de arrastar o Espiritismo e seus adeptos pelo domínio do ridículo. Portanto, ponde-vos em guarda, e jamais comenteis um fato sem previamente estardes bem informados e sem haver pedido a opinião de vossos guias.

“Não podeis imaginar todas as astúcias empregadas pelos grandes fanfarrões das ideias novas, para chegar a surpreender um descuido, uma falta, um absurdo palpável cometido pelos Espíritos ou seus prosélitos por demais confiantes. Por todos os lados são lançadas armadilhas aos Espíritos; todos os dias para aí trazem aperfeiçoamentos; grandes e pequenos estão à espreita, e o dia em que pudessem colher o chefe em erro, as mãos no saco do ridículo, seria o mais belo de sua vida. Eles têm tal confiança em si, que se divertem por antecipação; mas há um velho provérbio que diz: ‘Não se deve vender a pele do urso antes de havê-lo matado.’ Ora, o Espiritismo, sua besta negra, ainda está de pé, e bem poderia fazê-los usar os sapatos antes de se deixar atingir. É de cabeça baixa que um dia eles virão queimar incenso ante o altar da verdade que, em tempo próximo, será reconhecida por todo mundo.

“Aconselhando-vos a vos manterdes em reserva, não pretendo que os fatos e gestos atribuídos a esse cego sejam impossíveis, mas não deveis neles acreditar antes de tê-los visto e sobretudo ouvido.”

EBELMANN

Um tal prodígio, mesmo admitindo larga margem ao exagero, seria a mais eloquente defesa em favor da reabilitação da raça negra, num país onde o preconceito de cor está tão arraigado, e se ele não pode ser explicado pelas conhecidas leis da Ciência, sê-lo-ia de maneira mais clara e mais racional pela reencarnação, não de um negro num negro, mas de branco num negro, porque uma faculdade instintiva tão precoce não poderia ser senão uma lembrança intuitiva de conhecimentos adquiridos numa existência anterior.

Mas então, perguntarão, seria uma retrogradação do Espírito, passar da raça branca à raça negra? Falência de posição social, sem dúvida, o que se vê todos os dias, quando de rico se renasce pobre ou de senhor, servo, mas não retrogradação do Espírito, pois teria conservado suas aptidões e suas aquisições. Esta posição ser-lhe-ia uma prova ou uma expiação; talvez, ainda, uma missão, a fim de provar que essa raça não está votada pela Natureza a uma inferioridade absoluta. Aqui raciocinamos na hipótese da realidade do fato e para casos análogos que pudessem surgir.

Os dois fatos seguintes são da mesma fábrica e não necessitam de outro comentário além do que acaba de ser dado. O primeiro, relatado pelo Soleil de 19 de julho, é supostamente de origem americana; o segundo, extraído do Événement de abril, é dado como parisiense. São incontestavelmente os Espíritos que se mostrarão os mais incrédulos e mais endurecidos. Quanto aos outros, a curiosidade bem poderia levar mais de um a buscar a causa que dizem produzir tantas maravilhas.

“Os Espíritos batedores e outros parece que fixaram residência em Taunton e que escolheram para teatro de suas aventuras a casa de um infeliz médico daquela cidade. O porão, os corredores, os quartos, a cozinha e até o celeiro do profissional são assombrados durante a noite pelas sombras de todos aqueles que ele enviou para um mundo melhor. São gritos, lamentos, imprecações, ironias sangrentas, conforme o espírito das sombras, que às vezes não têm sombra de espírito.

─ Tua última poção me matou, diz uma voz cavernosa.

─ Alopata, grita uma voz mais moça, tu não vales um homeopata.

─ Eu sou tua vítima número 299, a última de todas, salmodia uma outra aparição. Trata ao menos de fazer uma cruz quando chegares a 300.

“E assim por diante. A vida do infortunado médico não é mais suportável.”

A outra anedota é também espirituosa:

“É domingo à noite, durante uma pavorosa tempestade cujas devastações foram enumeradas nos jornais de ontem. Através da chuva e dos relâmpagos, um carro descia a avenida de Neuilly; nele se achavam quatro pessoas; tinham jantado juntas numa casa muito agradável e hospitaleira, perto do parque de Neuilly e, alegres pela noite agradável, os quatro viajantes, despreocupados da tempestade, entregavam-se a uma conversa um tanto leviana.

“Falavam mal das mulheres, até mesmo caluniando-as um pouco. O nome de uma jovem foi colocado na liça e alguém levantou dúvidas quanto à nacionalidade da vítima, insinuando que seguramente não tinha vindo à luz em Nanterre.

“De repente um trovão abalou as portas, um relâmpago iluminou toda a carruagem e a chuva açoitou os vidros quase os quebrando. Ao clarão do raio os quatro viajantes viram, então, de pé à sua frente, na carruagem, um quinto viajante, ou antes, uma viajante, uma mulher vestida de branco, um espectro, um anjo. A aparição desapareceu com o relâmpago, e depois, como se o fantasma quisesse protestar contra a calúnia dirigida contra a jovem ausente, uma chuva de flores de laranjeira caiu sobre os quatro companheiros de viagem e os cobriu de uma névoa embalsamada.

“Na verdade havia um médium entre os quatro viajantes.

“Nada nos obriga a crer nesta história inverossímil, a meu ver uma mentira. Foi um dos viajantes que me contou e que a considera real. Ela pareceu-me original, eis tudo!”

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