6. Disse-lhe outro: Senhor, eu te seguirei; mas, permite que, antes, disponha do que tenho em minha casa. — Jesus lhe respondeu: Quem quer que, tendo posto a
mão na charrua, olhar para trás, não está apto para o reino de Deus.
(S. Lucas, 9:61-62.)
Sem
discutir as palavras, deve-se aqui procurar o pensamento, que era,
evidentemente, este: “Os interesses da vida futura prevalecem sobre
todos os interesses e todas as considerações humanas”, porque esse
pensamento está de acordo com a substância da doutrina de Jesus, ao
passo que a ideia de uma renunciação à família seria a negação dessa
doutrina.
Não temos, aliás, sob as vistas a aplicação dessas
máximas no sacrifício dos interesses e das afeições de família aos da
pátria? Censura-se, porventura, aquele que deixa seu pai, sua mãe, seus
irmãos, sua mulher, seus filhos, para marchar em defesa do seu país? Não
se lhe reconhece, ao contrário, grande mérito em arrancar-se às doçuras
do lar doméstico, aos liames da amizade, para cumprir um dever? É que,
então, há deveres que sobrelevam a outros deveres. Não impõe a lei à
filha a obrigação de deixar os pais, para acompanhar o esposo? Formigam
no mundo os casos em que são necessárias as mais penosas separações. Nem
por isso, entretanto, as afeições se rompem. O afastamento não diminui o
respeito, nem a solicitude do filho para com os pais, nem a ternura
destes para com aquele. Vê-se, portanto, que, mesmo tomadas ao pé da
letra, excetuado o termo
odiar, aquelas
palavras não seriam uma negação do mandamento que prescreve ao homem
honrar a seu pai e a sua mãe, nem do afeto paternal; com mais forte
razão, não o seriam, se tomadas segundo o espírito. Tinham elas por fim
mostrar, mediante uma hipérbole, quão imperioso é para a criatura o
dever de ocupar-se com a vida futura. Aliás, pouco chocantes haviam de
ser para um povo e numa época em que, como consequência dos costumes, os
laços de família eram menos fortes, do que no seio de uma civilização
moral mais avançada. Esses laços, mais fracos nos povos primitivos,
fortalecem-se com o desenvolvimento da sensibilidade e do senso moral. A
própria separação é necessária ao progresso. Assim as famílias como as
raças se abastardam, desde que se não entrecruzem, se não enxertem umas
nas outras. É essa uma lei da natureza, tanto no interesse do progresso
moral, quanto no do progresso físico.
Aqui, as coisas são
consideradas apenas do ponto de vista terreno. O Espiritismo no-las faz
ver de mais alto, mostrando serem os do Espírito e não os do corpo os
verdadeiros laços de afeição; que aqueles laços não se quebram pela
separação, nem mesmo pela morte do corpo; que se robustecem na vida
espiritual, pela depuração do Espírito, verdade consoladora da qual
grande força haurem as criaturas, para suportarem as vicissitudes da
vida. (Cap. IV, n.º 18; cap. XIV, n.º 8.)