2. Pois que Deus possui a
perfeição infinita em todas as coisas, esta proposição: “Sede perfeitos,
como perfeito é o vosso Pai celestial”, tomada ao pé da letra,
pressuporia a possibilidade de atingir-se a perfeição absoluta. Se à
criatura fosse dado ser tão perfeita quanto o Criador, tornar-se-ia ela
igual a este, o que é inadmissível. Mas, os homens a quem Jesus falava
não compreenderiam essa nuança, pelo que ele se limitou a lhes
apresentar um modelo e a dizer-lhes que se esforçassem pelo alcançar.
Aquelas palavras, portanto, devem entender-se no sentido da perfeição
relativa, a de que a humanidade é suscetível e que mais a aproxima da
Divindade. Em que consiste essa perfeição? Jesus o diz: “Em amarmos os
nossos inimigos, em fazermos o bem aos que nos odeiam, em orarmos pelos
que nos perseguem.” Mostra ele desse modo que a essência da perfeição é a
caridade na sua mais ampla acepção, porque implica a prática de todas
as outras virtudes.
Com efeito, se se observam os resultados de
todos os vícios e, mesmo, dos simples defeitos, reconhecer-se-á nenhum
haver que não altere mais ou menos o sentimento da caridade, porque
todos têm seu princípio no egoísmo e no orgulho, que lhes são a negação;
e isso porque tudo o que sobre-excita o sentimento da personalidade
destrói, ou, pelo menos, enfraquece os elementos da verdadeira caridade,
que são: a benevolência, a indulgência, a abnegação e o devotamento.
Não podendo o amor do próximo, levado até ao amor dos inimigos, aliar-se
a nenhum defeito contrário à caridade, aquele amor é sempre, portanto,
indício de maior ou menor superioridade moral, donde decorre que o grau
da perfeição está na razão direta da sua extensão. Foi por isso que
Jesus, depois de haver dado a seus discípulos as regras da caridade, no
que tem de mais sublime, lhes disse: “Sede perfeitos, como perfeito é
vosso Pai celestial.”