Palestras familiares de além-túmulo
Sra. Ida Pfeiffer Célebre viajante
O relato seguinte foi extraído da Segunda Viagem ao Redor do Mundo, da Sra.
Ida Pfeiffer, pág. 345:
“Já
que vou falar de coisas muito estranhas, é preciso mencionar um
acontecimento enigmático, passado em Java, há alguns anos, e que causou
tal sensação que chegou a chamar a atenção do governo.
“Na residência
de Chéribon havia uma casinha, na qual, segundo dizia o povo, apareciam
Espíritos. Ao cair da noite, chovia pedras no quarto, vindas de todas
as direções e por todos os lados cuspiam siri*. Tanto as pedras quanto
as cusparadas caiam junto às pessoas que estavam no aposento, mas nem as
atingiam, nem as feriam. Parece que tudo isso era dirigido
particularmente contra uma criança. Tanto se falou desse caso
inexplicável que o governador holandês encarregou um oficial superior de
sua confiança de examiná-lo.
* Preparação que os javaneses mascam continuamente e que dá à boca e à saliva a cor do sangue. O nome de siris, do hindustani siris e do sânscrito sirisa, é dado a várias plantas do gênero Albizzia, especialmente à A. Iebbek e à A. Julibrissin. (Nota original, complementada pelo Tradutor).
O oficial determinou que se postassem
em torno da casa homens sérios e fiéis, com ordem de vedar a entrada e a
saída de quem quer que fosse. Examinou tudo, escrupulosamente e,
tomando em seu colo a criança designada, sentou-se na sala fatal. Ao
anoitecer começou, como de costume, a chuva de pedras e de siri. Tudo
caía perto do oficial e do menino, sem atingi-los. Novamente examinaram
cada recanto, cada buraco. Nada, porém, foi descoberto. O oficial não
podia compreender.
Mandou juntar as pedras, marcá-las e escondê-las
num recanto bem afastado. Foi tudo em vão. As mesmas pedras caíram
novamente na sala, à mesma hora.
“Por fim, e para pôr termo a essa história inconcebível, o governador mandou demolir a casa”.
A
pessoa que colheu este fato em 1853 era uma senhora realmente superior,
menos por sua instrução e por seu talento do que pela incrível energia
de seu caráter.
Além dessa ardente curiosidade e dessa coragem
indômita, que a tornaram a mais admirável viajante que jamais existiu, a
Sra. Pfeiffer nada tinha de excêntrico. Era uma senhora de uma piedade
suave e esclarecida e que provou muitas vezes estar longe de ser
supersticiosa. Tinha como lei só contar aquilo que ela mesma tivesse
visto, ou captado em fonte insupeita. (Veja-se a Revue de Paris, de 1º
de setembro de 1856 e o Dictionnaire des Contemporains, de Vapereau).
1. ─ Evocação da Sra. Pfeiffer.
─ Aqui estou.
2. ─ Estais surpresa pelo nosso chamado e por vos encontrardes entre nós?
─ Estou surpresa com a rapidez da minha viagem.
3. ─ Como fostes prevenida de que desejávamos falar-vos?
─ Fui trazida aqui sem o perceber.
4. ─ Entretanto deveríeis ter recebido um aviso qualquer.
─ Um arrastamento irresistível.
5. ─ Onde estáveis quando do nosso chamado?
─ Junto a um Espírito que tenho a missão de guiar.
6. ─ Tivestes consciência dos lugares que atravessáveis para vir até aqui, ou aqui vos encontrastes subitamente, sem transição?
─ Subitamente.
7. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Sim. Não se pode ser mais feliz.
8. ─ De onde vinha o vosso pronunciado gosto pelas viagens?
─
Eu havia sido marinheiro numa vida precedente. O gosto adquirido pelas
viagens naquela existência refletiu-se nesta, a despeito do sexo que eu
havia escolhido para me subtrair a isso.
9. ─ As viagens contribuíram para o vossa progresso como Espírito?
─
Sim, porque eu as fiz com espírito de observação, que me faltou na
existência anterior, em que não me ocupei senão do comércio e das coisas
materiais. Eis porque supunha que pudesse progredir mais numa vida
sedentária. Mas Deus, tão bom e tão sábio em seus
desígnios para nós impenetráveis, permitiu que eu utilizasse as minhas
inclinações em favor do progresso que eu solicitava.
10. ─ Das nações
que visitastes, qual a que vos pareceu mais adiantada e qual preferis?
Não dissestes em vida que colocáveis certas tribos da Oceania acima das
mais civilizadas nações?
─ Era uma ideia errada. Hoje prefiro a França, porque compreendo sua missão e prevejo o seu destino.
11. ─ Que destino prevedes para a França?
─ Não vos posso dizer o seu destino, mas sua missão é de semear o progresso e as luzes e, portanto, o Verdadeiro Espiritismo.
12. ─ Em que vos pareciam os selvagens da Oceania mais adiantados que os americanos?
─ Eu via neles, abstraídos os vícios do estado selvagem, qualidades sérias e sólidas que não encontrava em outros lugares.
13. ─ Confirmais o fato passado em Java e relatado numa de vossas obras?
─
Confirmo-o em parte. O caso das pedras marcadas e novamente atiradas
merece uma explicação. Eram pedras semelhantes, mas não as mesmas.
14. ─ A que atribuís esse fenômeno?
─
Não sabia a que atribuí-lo. Eu me perguntava se o diabo existiria de
fato, e respondia para mim mesma que não. Não passei disso.
15. ─
Agora que percebeis a causa, poderíeis dizer-nos de onde vinham essas
pedras? Eram transportadas ou fabricadas especialmente pelos Espíritos?
─ Eram transportadas. Para eles era mais fácil trazê-las do que aglomerá-las51.
16. ─ E de onde vinha aquele siri? Era feito por eles?
─ Sim. Era mais fácil e mesmo inevitável, pois que impossível lhes era encontrá-lo já preparado.
17. ─ Qual era o objetivo dessas manifestações?
─ Como agora, atrair a atenção e fazer constatar um fato do qual se tinha de falar e procurar a explicação.
OBSERVAÇÃO:
Alguém observa que tal constatação não poderia conduzir a nenhum
resultado sério entre aquela gente. Pode-se responder que há um
resultado real, pois que, pelo relato e testemunho da Sra. Pfeiffer, o
mesmo chegou ao conhecimento de povos civilizados, que o comentam e lhe
tiram as conclusões. Aliás, os holandeses é que foram chamados a
constatá-los.
18. ─ Haveria nesse caso um motivo especial, sobretudo quanto à criança atormentada por esses Espíritos?
─ A criança possui uma influência favorável, eis tudo, pois pessoalmente não sofreu sequer um arranhão.
19. ─ Desde que esses fenômenos eram produzidos por Espíritos, por que cessaram quando a casa foi demolida?
─ Cessaram porque foi julgado inútil continuar, mas não iríeis decerto perguntar se eles teriam podido continuar.
20. ─ Agradecemos a vossa vinda e a bondade de responder às nossas perguntas.
─ Estou inteiramente às vossas ordens.
PRIVAT D’ANGLEMONT
(PRIMEIRA PALESTRA, 2 DE SETEMBRO DE 1859).
Na edição de 15 ou 16 de agosto de 1859 de Le Pays, lê-se o seguinte necrológio de Privat d’Anglemont, homem de letras, falecido no Hospital Dubois:
“Suas fantasias jamais fizeram mal a ninguém: só a última foi má e voltou-se contra ele próprio. Entrando na casa de saúde onde acaba de extinguir-se, mas onde se extinguiu feliz de uma felicidade nova, Privat d’Anglemont imaginou dizer que era anabatista e da doutrina de Swedenborg. Em vida teria dito muitas outras! Desta vez, porém, a morte pegou-lhe a palavra e não lhe deixou tempo de se desdizer. A suprema consolação da cruz foi afastada de sua cabeceira; seu cortejo encontrou uma igreja e passou ao largo; a cruz não veio recebê-lo à porta do cemitério, Quando o féretro desceu ao túmulo, Édouard Fournier pronunciou tocantes palavras sobre esse corpo, mas não ousou desejar-lhe senão o sono; e todos os seus amigos se afastaram, admirados de que não o tivessem saudado, um por um, com aquela água que se parece com as lágrimas e que purifica. Fazei pois uma subscrição e tentai, depois de tudo isso, edificar alguma coisa sobre uma sepultura sem esperança! Pobre Privat! Eu não o confio menos àquele que conhece todas as misérias de nossa alma e que pôs o perdão como lei na efusão de um coração afetuoso”.
Faremos uma observação sobre esta notícia. Não haverá algo de atroz no pensamento de uma sepultura sem esperança e que nem merece a honra de um monumento? E possível que a vida de Privat tivesse podido ser mais meritória. É fora de dúvida que ele teve os seus erros. Mas ninguém dirá que foi um mau, que, como tantos outros, fazia o mal por gosto e sob o manto da hipocrisia. Devemos crer, pelo fato de, nos seus últimos momentos sobre a Terra ter sido privado das preces que se fazem pelos crentes, preces que também os seus amigos pouco caridosos não lhe deram, que Deus o condene para sempre e não lhe deixe como suprema esperança senão o sono da eternidade? Por outras palavras, que, aos olhos de Deus, não passe de um animal, ele que foi um homem de inteligência, é certo que despreocupado dos bens e dos favores do mundo, vivendo ao-deus-dará, despreocupado com o amanhã, mas, em definitivo, um homem de pensamento, senão um gênio transcendente? Se assim for deve ser tremendo o número dos que mergulham no nada! Convenhamos que os Espíritos nos dão de Deus uma idéia muito mais sublime, no-lo apresentando sempre pronto a estender a mão em socorro daquele que reconhece os seus erros, ao qual sempre deixa uma âncora de salvação.
1.— (Evocação).
—Eis-me aqui. Meus amigos, que desejais de mim?
2.— Tendes consciência clara de vossa situação atual?
—Não; não completamente. Mas espero tê-la sem tardança, porque, felizmente para mim, Deus não me parece querer afastar dele, apesar da vida quase inútil que levei na Terra, e mais tarde terei uma posição bastante feliz no mundo dos Espíritos.
3.— Tivestes o conhecimento imediato de vossa situação, no momento da morte?
—Fiquei perturbado, como se compreende, mas não tanto quanto se poderia supor. É que eu sempre gostei do que era etéreo, poético, sonhador.
4.— Podeis descrever o que então se passou convosco?
—Nada se passou de extraordinário e diferente daquilo que já sabeis. Inútil, pois, falar ainda disto.
5.— Vedes as coisas claramente como quando vivo?
—Não; ainda não; mas eu as verei.
6.— Que impressão vos causa a visão atual dos homens e das coisas?
—Meu Deus! Aquilo mesmo que sempre pensei.
7.— Em que vos ocupais?
—Eu nada faço; sou errante. Procuro, não uma posição social, mas uma posição espírita: outro mundo, outra ocupação. E a lei natural das coisas.
8. — Podeis transportar-vos para qualquer parte, à vontade?
- Não; serei muito feliz, meu marido é restrito.
9.— Necessitais de um tempo apreciável para vos transportar de um a outro lugar?
—Bastante apreciável.
10.— Quando vivo, vossa individualidade era comprovada por meio do corpo. Agora que não tendes corpo, como a comprovais?
—E esta! E estranho! Eis uma coisa em que ainda não tinha pensado. E bem certo dizer que se aprende alguma coisa todos os dias. Obrigado, caro confrade.
11.— Então! Já que chamamos a vossa atenção para este ponto, refleti e respondei-nos.
—Eu vos disse que estou limitado quanto ao espaço. Mas ah! eu que sempre tive uma imaginação viva, também estou limitado quanto ao pensamento. Responderei mais tarde.
12.— Quando vivo, qual a vossa opinião sobre o estado da alma depois da morte?
—Eu a supunha imortal, isto é evidente. Entretanto, para minha vergonha, confesso que não acreditava ou, pelo menos, não tinha uma opinião segura sobre a reencarnação.
13.— Qual era a causa do caráter original que vos distinguia?
—Não havia uma causa direta; uns são profundos, sérios, filósofos, eu era alegre, vivo, original, E uma variedade de caráter. Eis tudo.
14.— Não teríeis podido, pelo vosso talento, libertar-vos dessa vida boêmia, que vos deixava preso às necessidades materiais, pois creio que muitas vezes vos faltava o necessário?
—Muito freqüentemente. Mas, que quereis? Eu vivia como ordenava o meu caráter. Depois, jamais me soube dobrar às tolas convenções do mundo. Eu não sabia o que era ir mendigar proteção. “Arte pela arte”, eis o meu principio.
15.— Qual a vossa esperança para o futuro?
—Ainda não sei.
16.— Lembrai-vos da existência anterior a esta?
—Foi boa.
OBSERVAÇÃO: Alguém lembra que estas últimas palavras poderiam ser tomadas como uma exclamação irônica, o que estaria muito conforme o caráter de Privat. Ele respondeu espontaneamente:
—Peço-vos mil desculpas; mas não estava gracejando. É verdade que para vós sou um Espírito pouco instrutivo. Mas, enfim, não quero brincar com as coisas sérias. Terminemos. Não desejo falar mais. Até à vista.
(SEGUNDA PALESTRA — 9 DE SETEMBRO DE 1859)
1.— Evocação.
—Vamos, amigos! Quando acabareis de fazer-me perguntas, muito sensatas, é certo, mas que não posso responder?
2. — E sem dúvida por modéstia que assim dizeis. Pois a inteligência que mostrastes em vida e a maneira por que respondestes provam que o vosso Espírito paira acima do vulgo.
—Lisonjeiro!
3. — Não. Não lisonjeamos: dizemos aquilo que pensamos. Aliás, sabemos que a lisonja não teria cabimento para com os Espíritos. Por ocasião de vossa última palestra deixastes-nos bruscamente. Podeis explicar o motivo?
—A razão, em toda a sua simplicidade, é a seguinte: Fazeis perguntas tão fora de minhas idéias que eu me sentia embaraçado para responder. Compreendeis, pois, o natural movimento de orgulho que eu devia experimentar, ao ficar calado.
4.— Tendes outros Espíritos ao vosso lado?
—Vejo-os em quantidade: aqui, ali, por todos, todos os lados!
5.— Refletistes sobre a pergunta que vos fizemos e que prometestes responder de outra feita? Eu a repito: Quando vivo, vossa individualidade era comprovada por meio do corpo. Agora, que não tendes corpo, como a comprovais? Numa palavra: como vos distinguis dos outros seres espirituais, que vedes em vosso redor?
—Se posso exprimir aquilo que me toca, dir-vos-ei que ainda conservo uma espécie de essência, dada por minha individualidade, e que nenhuma dúvida me deixa de que eu sou eu mesmo, embora morto para a Terra. Ainda estou num mundo novo, muito novo para mim... (Depois de alguma hesitação:) Enfim, constato a minha individualidade por meti perispírito, que é a forma que eu tinha neste mundo.
OBSERVAÇÃO: Pensamos que esta última resposta lhe foi soprada por outro Espírito, porque sua precisão contrasta com o embaraço que parecia demonstrar no começo.
6.— Assististes aos vossos funerais?
—Sim. Assisti; mas nem mesmo sei por quê.
7.— Que sensação ele vos causou?
—Vi com prazer, com muita satisfação, que deixando a Terra, nela deixava muitos desgostos.
8.— De onde vos veio a idéia de vos dizerdes anabatista e swedenborguiano? Tínheis estudado a doutrina de Swedenborg?
—Entre outras, é uma das minhas excentricidades.
9.— Que pensais do pequeno necrológio que vos dedicou Le Pays?
—Vós me confundis, acreditai. Se publicais essas comunicações na Revista e isso causa prazer a quem as escreveu, que direi eu, para quem elas foram feitas? Que são frases bonitas, nada mais que frases bonitas.
10.— Ides algumas vezes rever os lugares que freqüentáveis em vida, e os amigos que deixastes?
—Sim. Ouso dizer que ainda encontro alguma satisfação. Quanto aos amigos, tinha poucos sinceros; muitos me apertavam a mão sem ousar dizer que eu era. excêntrico, e por detrás me censuravam e me tratavam de louco.
11.— Onde pretendeis ir ao deixar-nos? Isto não é uma pergunta indiscreta, mas para a nossa instrução.
—Onde irei?... Vejamos!... Ah! uma excelente idéia!... Vou ter uma pequena alegria... uma vez só não cria hábito. Vou dar um passeio, visitar um quartinho que me deixou em vida lembranças muito agradáveis... Sim: é uma boa idéia. Passarei a noite à cabeceira de um pobre diabo, um escultor que não jantou hoje... e que pediu ao sono o alivio para a fome... Quem dorme janta ... Pobre rapaz! Fica tranqüilo: irei levar-te sonhos magníficos.
12.— Não se poderia saber a morada desse escultor e ir em seu auxílio?
—E uma pergunta que poderia ser indiscreta, se eu não conhecesse o louvável sentimento que a dita... Não posso responder à pergunta.
13.— Teríeis a bondade de fazer um ditado sobre um assunto de vossa escolha? Vosso talento de literato deve tornar fácil a tarefa.
—Ainda não. Entretanto, pareceis tão afáveis, tão compassivos, que prometo escrever alguma coisa. Talvez agora eu fosse um pouco eloqüente; mas temo que minhas comunicações sejam ainda muito terrenas; deixai que minha alma se depure um pouco; esperai que ela deixe esse invólucro grosseiro que ainda a prende, qara então vos prometer uma comunicação. Só uma coisa vos peço: rogai a Deus, nosso soberano senhor, que me conceda perdão e o esquecimento de minha inutilidade na Terra: pois cada homem tem a sua missão aqui em baixo. Infeliz daquele que não a desempenha com fé e religião! Orai! orai! Até outra vez.
(TERCEIRA PALESTRA)
—Há muito tempo estou aqui. Prometi dizer alguma coisa e direi.
Sabeis, amigos, que nada é mais embaraçoso do que falar assim, sem preâmbulo e atacar um assunto sério. Um cientista não prepara suas obras senão após longa reflexão, depois de haver amadurecido longamente aquilo que vai dizer, aquilo que deve empreender. Quanto a mim — eu o lamento —ainda não encontrei um assunto digno de vós, Não vos poderia dizer senão puerilidades. Por isso prefiro pedir-vos um adiamento de oito dias, como se perante um tribunal. Talvez, então, eu tenha encontrado algo que possa interessar-vos e instruir-vos.
Tendo o médium insistido mentalmente para que ele dissesse alguma coisa, acrescentou:
—Mas, meu caro, eu te acho admirável! Não: eu prefiro ficar como ouvinte. Não sabeis, então, que há para mim tanta instrução quanto para vós, em ouvir o que aqui se discute? Não; repito: fico apenas como ouvinte: é para mim um papel muito mais instrutivo. A despeito de tua insistência, não quero responder. Crês que para mim seria muito mais agradável que se dissesse: Ah! esta noite foi evocado Privat d’Anglemont? — E verdade? Que disse ele? — Nada, absolutamente nada! — Obrigado! Prefiro que conservem de mim uma boa impressão. A cada um as suas idéias.
COMUNICAÇÃO ESPONTÂNEA DE PRIVAT D’ANGLEMONT
(QUARTA PALESTRA, 30 DE SETEMBRO DE 1859)
Eis que enfim o Espiritismo faz um grande barulho por toda parte; e eis que os jornais dele se ocupam, de maneira indireta, é verdade, citando fatos extraordinários de aparições, de batidas, etc. Meus ex-confrades citam os fatos sem comentários, dando assim prova de inteligência, porque jamais a doutrina espírita deverá ser mal discutida ou tomada como coisa má. Eles ainda não admitiram, entretanto, a veracidade do papel do médium. Duvidam. Mas eu lhes refuto as objeções dizendo simplesmente que eles mesmos são médiuns. Todos os escritores, grandes e pequenos, o são mais ou menos. E o são no sentido de que os Espíritos que estão em seu redor atuam sobre o seu sistema mental e muitas vezes lhes inspiram pensamentos. Certamente jamais aceitariam que eu, Privat d’Anglemont, Espírito leviano por excelência, tivesse resolvido esta questão. Entretanto, digo apenas a verdade e, como prova, dou uma coisa muito simples: como é que depois de haverem escrito durante algum tempo, eles se acham superexcitados e num estado febril pouco comum? E o esforço da atenção, direis. Mas quando estais muito atentos numa coisa, como, por exemplo, na contemplação de uma quadro, também sentis febre? Não, isso não. E, pois, necessário que haja outra causa. Pois bem, eu repito: a causa está no excesso de comunicação existente entre o cérebro do escritor e os Espíritos que o rodeiam. Agora, meus caros confrades, chicoteai o Espiritismo, se vos parece bem; ridicularizai-o, ride, mas seguramente zombais de vós mesmos, estais dando para mais tarde vergastadas em vós mesmos... Compreendeis?
PRIVAT D’ANGLEMONT
O médium que servira de intérprete a Privat d’Aglemont na Sociedade teve a idéia de evocá-lo particularmente. Obteve então a palestra que segue. Parece que o Espírito sentiu por ele uma certa afeição, seja porque o achasse um instrumento fácil, seja porque há simpatia entre ambos. O médium é um estreante na carreira literária, e os seus promissores ensaios anunciam disposições que,. certamente, Privat terá prazer de encorajar.
1.— Evocação.
—Eis-me aqui. Já estou contigo há algum tempo. Eu esperava que me evocasses. Fui eu que, faz pouco tempo, te inspirei alguns bons pensamentos. Meu caro amigo, isto era para te consolar um pouco e fazer-te suportar com mais coragem as penas deste mundo. Pensais então que eu também não tenha sofrido, mais do que imaginais, vós todos que sorríeis de minhas excentricidades? E, debaixo dessa couraça de indiferença, que eu sempre afetava, quantos pesares e quantas dores não ocultei! Mas eu tinha uma qualidade muito preciosa para um homem de letras e para um artista: sempre, não importa em que ocasião, temperei meus sofrimentos com a alegria. Quando sofria muito, fazia pilhérias, trocadilhos, e pregava peças. Quantas vezes a fome, a sede e o frio não me bateram à porta! E quantas vezes não lhes respondi com uma longa e alegre gargalhada! Gargalhada fingida, dirás tu. Oh! Não, meu amigo, confesso-te que eu era sincero. Que queres? Eu sempre tive o mais despreocupado caráter que se possa ter. Jamais me preocupei com o futuro, com o passado e com o presente. Vivi sempre como um verdadeiro boêmio, ao léu da vida: gastando cinco francos quando os tinha, e mesmo que não os tivesse; e não era mais rico quatro dias depois de ter recebido o ordenado, do que o era na véspera.
Certamente não desejo a ninguém que leve esta vida inútil, -incoerente e irracional. As excentricidades não são mais de nosso tempo. As idéias novas, por isso mesmo, fizeram rápidos progressos. É uma vida de que absolutamente não me vanglorio, e da qual por vezes me envergonho. A juventude deve ser estudiosa: deve pelo trabalho fortalecer a inteligência, a fim de melhor conhecer e apreciar os homens e as coisas.
Desiludi-vos, moços, se pensais que ao sair do colégio sois homens feitos ou sois sábios. Tendes a chave para tudo saber. Cabe-vos agora trabalhar e estudar; deveis entrar mais resolutamente no vasto campo que se vos oferece, e cujos caminhos foram aplainados por vossos estudos no colégio. Sei que a juventude necessita de distrações: o contrário seria anti-natural; não obstante, não as deve ter em demasia. Porque aqueleque na primavera da vida só pensou no prazer, prepara para mais tarde terríveis remorsos. É então que a experiência e as necessidades do inundo lhe ensinam que os momentos perdidos jamais se recuperam. Os moços precisam de leituras sérias. Muitas vezes os autores antigos são os melhores, porque seus bons pensamentos sugerem outros. Eles devem sobretudo evitar os romances, que apenas excitam a imaginação e deixam o coração vazio. Os romances não deveriam ser tolerados se não como distração, uma vez ou outra, e para algumas destas senhoras que não têm mais o que fazer. Instrui-vos, instruí-vos! Aperfeiçoai a inteligência que Deus vos deu. Só a este preço somos dignos de viver.
P.— Tua linguagem me espanta, meu caro Privat. Tu te apresentaste com aparências muito espirituais, não há dúvida: mas não como um Espírito profundo e, agora...
R.— Basta, moço: paremos. Eu apareci, ou antes, a todos vós me comuniquei como um Espírito pouco profundo, é bem verdade, Mas é que eu ainda não estava completamente desprendido do meu envoltório terreno, e a condição de Espírito ainda não se havia revelado em toda a sua realidade. Agora, amigo, sou um Espírito e nada mais que um Espírito. Vejo, sinto e experimento tudo como os outros, e minha vida na Terra apenas se me afigura um sonho. E que sonho! Já estou em parte habituado a este mundo novo, que por algum tempo será a minha morada.
P.— Quanto tempo pensas ficar como Espírito e o que fazes na tua nova existência? Quais são as tuas ocupações?
R.— Ainda está nas mãos de Deus o tempo que devo ficar como Espírito; durará — suponho tanto quanto posso conceber
— até que Deus julgue minha alma bastante depurada para encarnar numa região superior. Quanto às minhas ocupações, são quase nulas. Ainda estou errante e isto é uma conseqüência da vida que levei na Terra. Assim é que aquilo que me parecia um prazer no vosso mundo é agora uma pena para mim. Sim, é verdade, eu desejaria ter uma ocupação séria, interessar-me por alguém que merecesse a minha simpatia, inspirar-lhe bons pensamentos. Mas, meu caro amigo, já palestramos bastante, e se me dás licença, vou retirar-me. Até logo. Se tiveres necessidade de mim, não receies chamar-me: virei com prazer. Coragem! Se feliz!
Dirkse Lammers
Presente à sessão, o Sr. Van B..., de
Haya, relata o seguinte fato pessoal: Numa reunião espírita a que
assistia em Haya, um Espírito manifesta-se espontaneamente, dizendo
chamar-se Dirkse Lammers. Interrogado sobre as particularidades que lhe
dizem respeito, e sobre o motivo de sua visita a pessoas que o não
conhecem e que não o chamaram, assim conta ele a sua história:
“Eu
vivia em 1592 e enforquei-me no lugar onde estais agora, num estábulo
existente no mesmo lugar onde agora fica esta casa. As circunstâncias
foram estas: Eu tinha um cão e minha vizinha tinha galinhas. Meu
cachorro estrangulou as galinhas e para vingar-se a vizinha envenenou
meu cachorro. Na minha cólera, espanquei e feri aquela mulher. Ela
levou-me à justiça e eu fui condenado a três meses de prisão e a uma
multa de vinte e cinco florins. Embora a condenação fosse leve, nem por
isso fiquei com menos ódio do advogado X..., que a havia provocado, e
por isso resolvi vingar-me dele. Em consequência, esperei-o num caminho
pouco frequentado, que ele fazia todas as tardes para ir a Loosduinen,
perto de Haya.
Estrangulei-o e o pendurei numa árvore. Para fazer com
que se acreditasse num suicídio, pus em seu bolso um papel previamente
preparado como se por ele escrito, no qual dizia que ninguém deveria ser
acusado de sua morte, visto que ele próprio se suicidara. Desde então o
remorso me perseguiu e três meses depois enforquei-me, como já disse,
no lugar onde estais. Impulsionado por uma força a que não posso
resistir, venho fazer a confissão de meu crime, na esperança de que isto
possa trazer algum alívio à pena que suporto desde então”.
Esta
descrição, feita com tão detalhadas minúcias, causou admiração à
assembleia. Foram tomadas informações, e pelas pesquisas feitas no Fórum
verificou-se, com efeito, que em 1592 um advogado chamado X... se havia
enforcado no caminho de Loosduinen.
Evocado na sessão da Sociedade a
11 de novembro de 1859, manifestou-se o Espírito de Dirkse Lammers, de
maneira violenta, quebrando os lápis. Sua letra era grande, nervosa,
quase ilegível, e o médium experimentou extrema dificuldade em traçar os
caracteres.
1. (Evocação).
─ Eis-me aqui. Para quê?
2. ─ Reconheceis aqui uma pessoa com a qual vos comunicastes ultimamente?
─ Dei suficientes provas de minha lucidez e de minha boa vontade. Isto devia bastar.
3. ─ Com que fim vos comunicastes espontaneamente em casa do senhor Van
B...?
─ Não sei. Fui enviado para lá. Por mim mesmo não tinha muita vontade de contar aquilo que fui forçado a dizer.
4. ─ Quem vos obrigou a fazê-lo?
─
A força que nos conduz. Nada mais sei a respeito. Fui arrastado,
malgrado meu, e forçado a obedecer aos Espíritos que tinham o direito de
se fazerem obedecidos.
5. ─ Estais contrariado de atender ao nosso apelo?
─ Bastante. Aqui não é meu lugar.
6. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Bela pergunta!
7. ─ Que podemos fazer para vos sermos agradáveis?
─ Será que podeis fazer alguma coisa que me seja agradável?
8.
─ Certamente. Manda a caridade que nos tornemos úteis sempre que
pudermos, tanto aos Espíritos como aos homens. Desde que sois infeliz,
pediremos para vós a misericórdia de Deus. Iremos orar por vós.
─
Afinal, depois de séculos, são estas as primeiras palavras dessa
natureza que me são dirigidas. Obrigado! Obrigado! Por Deus, que esta
não seja uma promessa vã, eu vos peço.
Michel François
O ferrador Michel François, que vivia
no fim do século XVII, dirigiu-se ao intendente de Provence e lhe
anunciou que um espectro lhe aparecera e ordenara que fosse revelar ao
Rei Luís XIV certas coisas consideradas as mais importantes e as mais secretas.
Mandaram-no para a corte no mês de abril de 1697. Dizem uns que ele falou ao rei; outros, que o rei se recusou a vê-lo.
O
que é certo, acrescenta-se, é que em lugar de o mandarem para a prisão,
deram-lhe dinheiro para a viagem, isenção de talha53 e de outros
impostos reais.
1. (Evocação).
─ Aqui estou.
2. ─ Como soube que lhe desejamos falar?
─ Como fazeis esta pergunta? Não sabeis que estais rodeados de Espíritos, que avisam àqueles com quem desejais falar?
3. ─ Onde estava quando nós o chamamos?
─ No espaço, pois ainda estou errante.
4. ─ Está surpreendido de encontrar-se entre pessoas vivas?
─ Absolutamente. Encontro-me muitas vezes entre pessoas vivas.
5. ─ Lembra-se da sua existência em 1697, ao tempo de Luís XIV, quando era ferrador?
─ Muito confusamente...
6. ─ Lembra-se da revelação que queria fazer ao rei?
─ Lembro-me que tinha uma revelação a fazer-lhe.
7. ─ E fez essa revelação?
─ Sim.
8. ─ Disse-lhe que um espectro lhe havia aparecido e ordenado que fosse revelar certas coisas ao rei. Quem era o espectro?
─ Era o seu irmão.
9. ─ Quer dizer o nome?
─ Não. Vós me compreendeis.
10. ─ Era ele o homem designado pelo apelido de Máscara de Ferro?
─ Sim.
11. ─ Agora que já estamos muito distanciados daqueles tempos, poderia dizernos qual era o objetivo daquela revelação?
─ Era exatamente de informá-lo da sua morte.
12. ─ Da morte de quem? Do irmão dele?
─ É claro.
13. ─ Que impressão causou ao rei a sua revelação?
─ Um misto de tristeza e de satisfação. Aliás, isto ficou provado pela maneira como que ele me tratou.
14. ─ Como o tratou ele?
─ Com bondade e afabilidade.
15. ─ Dizem que uma coisa semelhante aconteceu a Luís XVIII. Sabe se isto é verdade?
─ Creio que houve qualquer coisa parecida, mas não estou bem informado.
16.
─ Por que aquele Espírito o escolheu para tal missão, sendo você um
homem obscuro, em vez de escolher um personagem da corte, que poderia
acercarse do rei mais facilmente?
─ Eu fui encontrado em seu caminho,
dotado da faculdade que ele queria encontrar e que era necessária, e
ainda porque um personagem da corte não seria capaz de fazer com que
aceitassem a revelação. Teriam pensado que tivesse sido
informado por outros meios.
17.
─ Qual era o fim dessa revelação desde que o rei estaria
necessariamente informado da morte de seu irmão, antes de sabê-la por
seu intermédio?
─ Era para fazê-lo refletir sobre a vida futura e
sobre a sorte a que se expunha e realmente se expôs. Seu fim foi
manchado por ações com as quais supunha garantir um futuro que aquela
revelação poderia tornar melhor.
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* Preparação que os javaneses mascam continuamente, e que dá à boca
e à saliva a cor do sangue.