Benvenuto Cellini
1. ─ (Evocação).
─ Interrogai. Estou pronto. Podeis demorar-vos como quiserdes, pois tenho tempo para vos dar.
2. ─ Lembrai-vos da existência que passastes na Terra, no século XVI, entre 1500 e 1570?
─ Sim, sim.
3. ─ Atualmente, qual a vossa situação como Espírito?
─ Vivi em vários outros mundos e estou muito satisfeito com a posição que hoje ocupo. Não é um cimo, mas estou progredindo.
4. ─ Tivestes outras existências corporais na Terra, depois daquela que conhecemos?
─ Corporais, sim. Na Terra, não.
5. ─ Quanto tempo ficastes errante?
─ Não posso calcular. Alguns anos.
6. ─ Quais as vossas ocupações nesse estado errante?
─ Trabalhava pelo meu aperfeiçoamento.
7. ─ Voltais eventualmente à Terra?
─ Poucas vezes.
8─ Assististes ao drama em que sois representado? Que pensais dele?
─ Fui vê-lo várias vezes. Fiquei satisfeito como Cellini, mas pouco como Espírito que havia progredido.
9. ─ Antes da existência pela qual vos conhecemos, tivestes outras na Terra?
─ Não, nenhuma.
10. ─ Poderíeis dizer o que éreis em vossa precedente existência?
─ Minhas ocupações eram muito diferentes da que tive na Terra.
11. ─ Que mundo habitais?
─ Não o conheceis e não o vedes.
12. ─ Poderíeis dar-nos a sua descrição do ponto de vista físico e do moral?
─ Sim, facilmente. Do ponto de vista físico, meus caros amigos, satisfez-me a sua beleza plástica. Ali nada choca a vista; todas as linhas se harmonizam perfeitamente; a mímica é meio de expressão permanente; os perfumes nos rodeiam e não temos nada a desejar para o nosso bem-estar físico, porque as necessidades pouco numerosas a que estamos sujeitos logo são satisfeitas.
Do ponto de vista moral, a perfeição é menor, pois ali ainda podem ver-se consciências perturbadas e Espíritos dedicados ao mal. Não é a perfeição, longe disso, mas, como já disse, é o seu caminho, e todos esperamos um dia alcançá-la.
13. ─ Quais as vossas ocupações no mundo que habitais?
─ Trabalhamos as artes. Sou artista.
14. ─ Em vossas memórias contais uma cena de feitiçaria e de endemoninhamento que se teria passado no Coliseu, em Roma, e na qual teríeis tomado parte, recordai-vos?
─ Sem muita clareza.
15. ─ Se a lêssemos, a leitura avivaria a vossa lembrança?
─ Sim. Dar-me-ia a noção.
Fez-se então a leitura do seguinte trecho de suas memórias:
“Em meio a essa vida estranha, eu me liguei a um sacerdote siciliano, de espírito muito fino e profundamente versado nas letras gregas e latinas. Um dia nossa conversa caiu sobre necromancia e eu lhe disse que durante toda a minha vida tinha desejado ardentemente ver e aprender algo dessa arte. Para abordar semelhante empresa é necessário ter una alma firme e intrépida, respondeu o sacerdote.
“Uma noite, entretanto, o padre fez os seus preparativos e me disse que procurasse um ou dois companheiros. Convidou um homem de Pistoia, que também se ocupava de necromancia e dirigimo-nos ao Coliseu. Aí o padre vestiu-se à maneira dos necromantes, depois começou a riscar círculos no chão, acompanhando isto com as mais belas cerimônias que se possam imaginar.
Havia trazido perfumes preciosos, drogas fétidas e fogo. Quando tudo estavaem ordem ele fez uma abertura no círculo e ali nos introduziu, um a um, levando-nos pela mão. Depois distribuiu os papéis. Pôs o talismã nas mãos de seu amigo necromante; encarregou os outros da vigilância do fogo e dos perfumes, depois do que começou as conjurações. Essa cerimônia durou mais de hora e meia. O Coliseu encheu-se de legiões de Espíritos infernais. Quando o padre viu que eram bastante numerosos, voltou-se para mim, que cuidava dos perfumes, e disse:
“─ Benvenuto, pede-lhes alguma coisa.
“Respondi que desejava que eles me reunissem à minha siciliana Angélica.
“Não obstante nenhuma resposta tivéssemos naquela noite, fiquei encantado com o que tinha visto.
“O necromante me disse que era necessário voltar uma segunda vez e que eu obteria tudo quanto quisesse, desde que trouxesse um rapazinho ainda virgem.
“Escolhi um dos meus aprendizes e trouxe mais dois amigos meus.
“Ele pôs-me nas mãos o talismã, mandando que o voltasse para a direção que me fosse indicada. Meu aprendiz ficou colocado debaixo do talismã. O necromante começou suas terríveis evocações. Chamou pelo nome uma porção de chefes de legiões infernais e lhes deu ordens em hebraico, em grego e em latim, em nome do Deus incriado, vivo e eterno. Em breve o Coliseu encheu-se de uma quantidade de demônios cem vezes maior que da primeira vez. A conselho do necromante, pedi novamente para me encontrar com Angélica. Ele voltou-se para mim e me disse:
“Não os ouviste anunciar que em um mês estarias com ela?” E pediu-me que tivesse firmeza, porque havia ainda mil legiões que não tinham sido chamadas, acrescentando que essas eram mais perigosas e que, de vez que haviam respondido ao meu pedido, era necessário tratá-las com brandura e despedi-las tranquilamente.
Por outro lado o menino exclamava com espanto que percebia milhares de homens terríveis que nos ameaçavam, e quatro enormes gigantes, armados dos pés à cabeça, que pareciam querer penetrar em nosso círculo. Entrementes, a tremer de medo, o necromante tentava conjurá-los, ensaiando a mais doce entonação de voz. O menino mergulhava a cabeça entre os joelhos e gritava:
─ “Eu quero morrer assim! Estamos mortos!
“Então eu lhe disse:
“─ Estas criaturas estão todas abaixo de nós. Aquilo que vês não passa de fumaça e sombra. Levanta, pois, os teus olhos.”
“Apenas me havia obedecido, exclamou:
“─ Todo o Coliseu está em chamas e o fogo vem sobre nós.”
“O necromante mandou que fosse queimada assa-fétida. Agnolo, encarregado dos perfumes, estava semimorto de pavor.
“O ruído e o mau cheiro fizeram o menino levantar a cabeça. Ouvindo o meu riso, animou-se um pouco e disse que os demônios começavam a retirada. Ficamos assim até o momento em que soaram as matinas. Disse-nos o menino que apenas avistava alguns demônios a grande distância. Por fim, quando o necromante concluiu o cerimonial e tirou os paramentos, saímos do círculo.
“Enquanto voltávamos para casa, pela Via dei Banchi, ele garantia que dois demônios faziam piruetas à nossa frente, ora correndo sobre os telhados, ora pelo chão.
“O necromante jurava que desde que havia posto o pé num círculo mágico, jamais lhe havia acontecido algo tão extraordinário. Depois tentou convencer-me a me dedicar com ele a um livro que nos deveria proporcionar riquezas incalculáveis e nos dar os meios de obrigar os demônios a indicar-nos os lugares onde estão ocultos os tesouros que a terra guarda em seu seio...
“Depois de diferentes relatos mais ou menos ligados ao que precede, conta Benvenuto como, ao cabo de trinta dias, ou seja, no prazo fixado pelos demônios, ele encontrou sua Angélica.”
16. ─ Poderíeis dizer-nos o que existe de verídico nesta cena?
─ O necromante era um charlatão; eu era um romancista e Angélica era a minha amante.
17. ─ Revistes o vosso protetor Francisco I?
─ Certamente. Ele reviu muitos outros que não foram seus protegidos.
18. ─ Como o julgáveis em vida e como o julgais agora?
─ Direi como o julgava: como um príncipe e, como tal, enceguecido por sua
educação e pelos que o cercavam.
19. ─ E agora, que dizeis dele?
─ Ele progrediu.
20. ─ Ele protegia os artistas por um sincero amor às artes?
─ Sim, mas também por prazer e por vaidade.
21. ─ Onde se acha ele atualmente?
─ Está vivo.
22. ─ Na Terra?
─ Não.
23. ─ Se o evocássemos agora, ele poderia vir e conversar conosco?
─ Sim. Mas não forceis os Espíritos dessa maneira. Vossas evocações devem ser preparadas com muita antecedência, e então, pouco tereis a perguntar ao Espírito.
Desse modo vos arriscareis muito menos a serdes enganados, pois às vezes isso se dá. (São Luís).
24. ─ (A São Luís): Poderíeis fazer com que dois Espíritos viessem conversar
um com o outro?
─ Sim.
─ Nesse caso seria útil ter dois médiuns?
─ Sim, é necessário.
NOTA: O diálogo em questão ocorreu em outra sessão. Publicá-lo-emos no próximo número.
25. (A Cellini): ─ Qual a origem da vossa vocação para a arte? Seria devido a um especial desenvolvimento anterior?
─ Sim. Durante muito tempo fui atraído pela poesia e pela beleza da linguagem. Na Terra prendi-me à beleza como reprodução. Hoje me ocupo da beleza como invenção.
26. ─ Tínheis também habilidade militar, pois o Papa Clemente VII vos confiou a defesa do Castelo de Santo Ângelo. Entretanto, o vosso talento de artista não vos devia dar muita aptidão para a guerra.
─ Tinha talento e sabia aplicá-lo. Em tudo é necessário discernimento, sobretudo na arte militar de então.
27. ─ Poderíeis dar alguns conselhos aos artistas que buscam seguir as vossas pegadas?
─ Sim. Dir-lhes-ei apenas que mais do que fazem e mais do que fiz, busquem a pureza e a verdadeira beleza. Eles me compreenderão.
28. ─ A beleza não é relativa e convencional? O europeu julga-se mais belo que o negro, e o negro mais belo que o branco. Se há uma beleza absoluta, qual o padrão? Podeis dar a vossa opinião a respeito?
─ Com prazer. Não quis aludir a uma beleza convencional. Pelo contrário, a beleza está em toda parte, como um reflexo do Espírito sobre o corpo e não apenas como forma corpórea. Como dissestes, um negro pode ser belo, de uma beleza apreciada apenas por seus semelhantes, é verdade. Do mesmo modo vossa beleza terrena é deformidade para o Céu, assim como para vós, brancos, o belo negro quase que se vos afigura disforme. Para o artista, o belo é a vida, o sentimento que sabe dar à obra. Com isso dará beleza às coisas mais vulgares.
29. ─ Poderíeis guiar um médium na execução de modelagens, assim como Bernard de Palissy em relação aos desenhos?
─ Sim.
30. ─ Poderíeis levar o médium de quem vos servis no momento a produzir alguma coisa?
─ Como os outros, mas preferiria um artista, que conhecesse os truques da arte.
OBSERVAÇÃO: Prova a experiência que a aptidão de um médium para tal ou qual gênero de produção depende da flexibilidade que apresenta ao Espírito, abstração feita do seu talento. O conhecimento do ofício e os meios materiais de execução não constituem o talento, mas é compreensível que, dirigindo o médium, nele encontre o Espírito menos dificuldade mecânica a vencer. Entretanto, veem-se médiuns que fazem coisas admiráveis, embora lhes faltem as primeiras noções, como no caso dos desenhos, da poesia, das gravuras, da música, etc., mas então é que existe neles uma aptidão inata, sem dúvida devida a um desenvolvimento anterior, do qual apenas conservaram a intuição.
31. ─ Poderíeis dirigir a senhora G. S., aqui presente, que é artista, mas que jamais conseguiu produzir algo como médium?
─ Se ela tiver vontade, experimentarei.
32. (A Sra. G. S.): ─ Quando queres começar?
─ Quando quiseres, a partir de amanhã.
33. ─ Como, porém, saberei que a inspiração virá de ti?
─ A convicção vem com as provas. Deixai que venha lentamente.
34. ─ Por que não tive êxito até este momento?
─ Pouca persistência e falta de boa vontade por parte do Espírito a quem solicitas.
35. ─ Agradeço-te pela assistência que me prometes.
─ Adeus. Até a vista, companheira de trabalho.
NOTA: A Sra. G. S. pôs-se à obra, mas ainda ignoramos quais os resultados.