Poitevin, o aeronauta
1. ─ (Evocação).
─ Eis-me aqui. Falai.
2. ─ Tendes saudades da vida terrena?
─ Não.
3. ─ Sois mais feliz agora do que quando vivo?
─ Muito.
4. ─ Qual o motivo que vos levou a experiências aeronáuticas?
─ A necessidade.
5. ─ Tínheis ideia de servir à Ciência?
─ De modo algum.
6. ─ Vedes agora a ciência aeronáutica de um ponto de vista diverso do que tínheis quando vivo?
─ Não. Eu a via como a vejo agora, pois a via bem. Via muitos aperfeiçoamentos a introduzir, mas não podia fazê-los por falta de conhecimento. Mas esperai. Virão homens que hão de dar-lhe a importância que ela merece e que merecerá um dia.
7. ─ Credes que a aeronáutica venha a tornar-se um dia de utilidade pública?
─ Sim, certamente.
8. ─ A grande preocupação dos que se dedicam a essa ciência é a busca da dirigibilidade dos balões. Pensais que o conseguirão?
─ Sim, com certeza.
9. ─ Na vossa opinião, qual a maior dificuldade para a dirigibilidade dos balões?
─ O vento e as tempestades.
10. ─ Então não é a dificuldade de encontrar um ponto de apoio?
─ Se dirigíssemos os ventos, dirigiríamos os balões.
11. ─ Poderíeis assinalar o ponto para o qual deveriam ser dirigidas as pesquisas a esse respeito?
─ Deixemos como está.
12. ─ Estudastes em vida os vários sistemas propostos?
─ Não.
13. ─ Poderíeis dar conselhos aos que se ocupam de tais pesquisas?
─ Pensais que os vossos conselhos seriam seguidos?
14. ─ Não seriam os nossos, mas os vossos.
─ Quereis um tratado? Eu mandarei fazê-lo.
15. ─ Por quem?
─ Pelos amigos que me guiaram.
16. ─ Aqui estão dois inventores distintos em matéria de aerostação, os senhores Sanson e Ducroz, que tiveram menções científicas muito honrosas. Tendes ideia de seus sistemas?
─ Não. Muito há que dizer. Eu não os conheço.
17. ─ Admitindo estar resolvido o problema da dirigibilidade, credes na possibilidade de uma navegação aérea em grande escala como sobre o mar?
─ Não, nunca como pelo telégrafo.
18. ─ Não falo da rapidez das comunicações, que jamais podem ser comparadas à do telégrafo, mas do transporte de um grande número de pessoas e de objetos materiais. Que resultado podemos esperar neste sentido?
─ Pouca presteza.
19. ─ Quando em perigo iminente, pensastes no que seríeis depois da morte?
─ Não. Estava inteiramente absorvido nas manobras.
20. ─ Que impressão vos causava o perigo que corríeis?
─ O hábito tinha diminuído o medo.
21. ─ Que sensação tínheis quando estáveis perdido no espaço?
─ Perturbação, mas felicidade. Parece que meu Espírito fugia do vosso mundo. Entretanto, a necessidade de manobrar trazia-me à realidade e fazia-me cair na fria e perigosa posição em que me achava.
22. ─ Vedes com prazer a vossa esposa seguir a mesma carreira aventurosa?
─ Não.
23. ─ Qual a vossa situação como Espírito?
─ Vivo como vós, isto é, posso prover à minha vida espiritual como vós à vossa material.
OBSERVAÇÃO: As curiosas experiências do Sr. Poitevin, sua intrepidez, sua notável habilidade na manobra dos balões, faziam-nos esperar dele maior elevação e grandeza de ideias. O resultado não correspondeu à nossa expectativa. Como vimos, a aerostação não era para ele senão uma indústria, um modo de viver, um gênero especial de espetáculo. Todas as suas faculdades estavam concentradas nos meios de satisfazer à curiosidade pública. Assim é que, nestas conversas de além-túmulo as previsões são muitas vezes incertas: ora são ultrapassadas, ora ficam aquém do que se esperava, o que é prova evidente da independência das comunicações.
Numa sessão particular, através do mesmo médium, Poitevin ditou os conselhos que se seguem, para cumprir a promessa que acabara de fazer. Cada um poderá medir-lhes o valor, pois os damos como objeto de estudo sobre a natureza dos Espíritos e não por seu mérito científico, mais que contestável.
“Para dirigir um balão cheio de gás, encontrareis sempre as maiores dificuldades: a imensa superfície que ele oferece exposta aos ventos; a insignificância do peso que o gás pode transportar; a fragilidade do envoltório, exigida por esse ar sutil. Todas estas causas jamais permitirão dar ao sistema aerostático a grande extensão que desejaríeis vê-lo tomar. Para que o aeróstato tenha uma utilidade real, é preciso que seja um sistema de comunicação poderoso e dotado de uma certa presteza, sobretudo poderoso. Dissemos que representaria um meio termo entre a eletricidade e o vapor. Sim, sob dois pontos de vista:
1.º ─ Deve transportar passageiros com mais rapidez que as ferrovias e mensagens com menos rapidez que o telégrafos;
2.º ─ Não se coloca como meio termo entre os dois sistemas, porque participa, ao mesmo tempo, do ar e da terra, ambos lhe servindo de caminho. Está entre o céu e o mundo.
“Não me perguntastes se por este meio chegaríeis a visitar outros planetas. Entretanto, tal pensamento inquietou muitas cabeças e a sua solução encheria o vosso mundo de espanto. Não. Não o conseguireis. Pensai que para atravessar os espaços inimagináveis, de milhões e milhões de léguas, a luz leva anos. Vede, pois, quanto tempo seria necessário para atingi-los, mesmo levados pelo vapor e pelo vento.
“Para voltar ao tema principal, eu vos dizia, de começo, que se não deveria esperar muito do vosso sistema atual, mas que obteríeis muito mais agindo sobre o ar por compressão forte e extensa. O ponto de apoio que buscais está à vossa frente e vos cerca por todos os lados. Com ele vos chocais em cada um dos vossos movimentos; diariamente ele entrava a vossa rota e influi sobre tudo quanto tocais. Pensai muito nisto e tirai desta revelação tudo quanto for possível. Suas consequências são enormes. Não podemos tomar-vos a mão e levar-vos a forjar os utensílios necessários a esse trabalho. Não vos podemos dar uma indução, palavra por palavra. É preciso que o vosso espírito trabalhe e amadureça os seus projetos, sem o que não compreenderíeis aquilo que fizésseis e não saberíeis manejar os instrumentos. Seríamos nós obrigados a torcer e abrir os vossos êmbolos; então as circunstâncias imprevistas que, um dia ou outro, viessem atrapalhar os vossos esforços, lançar-vos-iam em vossa primitiva ignorância.
“Trabalhai, pois, e encontrareis aquilo que tiverdes procurado. Conduzi o vosso Espírito na direção que vos indicamos e aprendei, pela experiência, que não vos induzimos em erro.”
OBSERVAÇÃO: Embora encerrando verdades incontestes, nem por isto estes conselhos deixam de revelar um Espírito pouco esclarecido, sob certos pontos de vista, pois parece ignorar a verdadeira causa da impossibilidade de atingir outros planetas. É uma prova a mais da diversidade de aptidões e de luzes encontradas, como na Terra, no mundo dos Espíritos. É pela multiplicidade das observações que chegaremos a conhecê-lo, compreendê-lo e julgá-lo. Eis por que damos modelos de comunicações de todo gênero, tomando, porém, o cuidado de ressaltar o forte e o fraco. Esta de Poitevin termina por uma consideração muito justa, que nos parece ter sido suscitada por um Espírito mais filosófico que o seu. Aliás, ele havia dito que tais conselhos seriam redigidos por seus amigos que, definitivamente, nada ensinam.
Nisto encontramos ainda nova prova de que os homens que na Terra tiveram uma especialidade nem sempre são os mais adequados ao nosso esclarecimento como Espíritos, principalmente se não forem bastante elevados e desprendidos da vida terrena.
É lamentável que, para o progresso da aeronáutica, a maioria desses homens intrépidos não possam colocar a sua experiência a serviço da Ciência, enquanto os teóricos são alheios à prática, como marinheiros que jamais tivessem visto o mar. Incontestavelmente, um dia haverá engenheiros aeronautas, como há engenheiros navais, mas só quando eles tiverem, eles próprios, visto e sondado as profundezas do oceano aéreo. Quantas ideias não lhes seriam dadas pelo contato real dos elementos, ideias que escapam à gente do ofício, porque, seja qual for o seu saber, não podem eles, do fundo de seu gabinete, perceber todos os escolhos. Entretanto, se um dia essa ciência deve tornar-se realidade, só o será por intermédio deles. Aos olhos de muita gente isto ainda é uma quimera, por isso os inventores, que em geral não são capitalistas, não encontram nem o apoio nem o encorajamento necessários. Quando a aerostação produzir dividendos, mesmo que em esperança, e puder ser avaliada financeiramente, não lhe faltará o capital. Até lá é necessário contar com a dedicação daqueles que colocam o progresso acima da especulação. Enquanto houver carência de recursos para execução, haverá derrotas, pela impossibilidade de fazer experiências em escala suficientemente vasta ou em condições convenientes. Se somos obrigados a fazer acanhadamente, fazemos mal feito, nisto como em todas as coisas. Não haverá sucesso senão ao preço de sacrifícios suficientes para entrar decisivamente na vida prática. Quem diz sacrifício quer dizer exclusão de qualquer ideia de lucro. Esperemos que a ideia de dotar o mundo com a solução de um grande problema, quando mais não seja do ponto de vista da Ciência, inspire um generoso desinteresse. Mas a primeira coisa a fazer seria dotar os teóricos dos meios necessários à aquisição de experiência no ar, mesmo que fosse através dos meios imperfeitos que possuímos. Se Poitevin tivesse sido um homem de saber e tivesse inventado um sistema de locomoção aérea, sem dúvida teria inspirado mais confiança àqueles que jamais deixaram a terra e provavelmente teria encontrado os recursos que aos outros são recusados.