O que é o Espiritismo?

Allan Kardec

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Origem das ideias espíritas modernas

V. — Uma coisa que eu desejava saber, meu amigo, é o ponto de partida das ideias espíritas modernas; serão elas filhas de uma revelação espontânea dos Espíritos, ou o resultado de uma crença prévia na existência deles?

Compreendei a importância de minha pergunta; porque, neste último caso, é admissível que a imaginação possa nisso ter desempenhado seu papel.

A. K. — Como dissestes, essa questão tem importância, no ponto de vista em que vos achais, ainda que seja difícil acreditar-se, supondo essas ideias nascidas de uma crença antecipada, que a imaginação pudesse produzir todos os resultados materiais observados.

De fato, se o Espiritismo fosse fundado no pensamento preconcebido da existência dos Espíritos, poder-se-ia, com alguma aparência de razão, duvidar da sua veracidade; porque, se o princípio fosse uma quimera, as consequências dele emanadas também o seriam; mas as coisas não se passaram assim. Notai, em primeiro lugar, que essa marcha seria totalmente ilógica; os Espíritos são a causa e não o efeito; quando se vê um efeito, pode-se procurar-lhe a causa, mas não é natural imaginar-se uma causa antes de lhe ter visto os efeitos. Não era, pois, possível conceber o pensamento da existência dos Espíritos, se efeitos não se tivessem mostrado, que achassem explicação provável na existência de seres invisíveis.

Pois bem! Não foi mesmo deste modo que nasceu tal pensamento; isto é, não foi ele uma hipótese imaginada com o fim de explicar certos fenômenos; a primeira suposição feita, foi a de uma causa material.

Assim, longe de que os Espíritos fossem uma ideia preconcebida, partiu-se, para chegar a eles, do ponto de vista materialista. Não se podendo, porém, por este meio explicar tudo, somente a observação conduziu à causa espiritual.

Falo das ideias espíritas modernas; pois sabemos que essa crença é tão velha quanto o mundo.

Eis a marcha das coisas: fenômenos espontâneos se produziram, tais como ruídos estranhos, pancadas, movimentos de objetos, etc., sem causa ostensiva conhecida, realizando-se sob a influência de certas pessoas. Nada, até aí, autorizava a buscar-se-lhes a causa fora da ação de um fluido magnético ou outro qualquer, de propriedade ainda desconhecida. Não se tardou, porém, a reconhecer nesses ruídos e movimentos um caráter intencional e inteligente, do que se concluiu, como já o disse, que: Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. Esta inteligência não podia estar no objeto, porque a matéria não é inteligente. Seria o reflexo da pessoa ou das pessoas presentes?

Assim se julgou no começo, como já igualmente vo-lo disse; só a experiência podia pronunciar-se, e ela demonstrou por provas irrecusáveis, em muitas circunstâncias, a completa independência da inteligência que se manifesta. Ela não pertencia, pois, nem ao objeto nem à pessoa. Quem era então? Ela própria respondeu, declarando pertencer aos seres incorpóreos chamados Espíritos.

A ideia dos Espíritos não preexistia, nem mesmo lhe foi consecutiva; em uma palavra, não nasceu do cérebro de ninguém, mas nos foi dada pelos Espíritos mesmos, e tudo o que soubemos depois, a seu respeito, foi-nos por eles ensinado.

Uma vez revelada a existência dos Espíritos e estabelecidos os meios de nos comunicarmos com eles, pôde-se entreter conversações seguidas e obter informações sobre a natureza desses seres, condições de sua existência e seu papel no mundo visível.

Se assim pudéssemos interrogar os seres do mundo dos infinitamente pequenos, quantas coisas curiosas não ficaríamos sabendo sobre eles!

Suponhamos que, antes da descoberta da América, um fio elétrico estivesse estabelecido através do Atlântico, e que na sua extremidade europeia se houvessem produzido alguns sinais inteligentes, e ter-se-ia logo concluído que na outra extremidade se achavam seres inteligentes, que desejavam comunicar-se; teríamos interrogado e eles teriam respondido. Ficaríamos assim com a certeza da sua existência, e podia-se adquirir o conhecimento dos seus costumes, usos e modos de ser, apesar de nunca os havermos visto.

Foi o que se deu nas relações com o mundo invisível: as manifestações materiais foram sinais e meios de aviso que nos conduziram a comunicações mais regulares e mais seguidas.

E — coisa notável — à medida que meios de mais fácil comunicação se acham ao nosso dispor, os Espíritos abandonam os primitivos, insuficientes e incômodos, qual o mudo que, recuperando a palavra, renuncia à linguagem dos sinais.

Quem eram os habitantes desse mundo? Eram seres à parte, estranhos à humanidade? Eram bons ou maus?

Foi ainda a experiência quem se encarregou da solução de tais problemas; mas, até que observações numerosas tivessem derramado luz sobre o assunto, o campo das conjeturas e dos sistemas esteve aberto, e Deus sabe quantos surgiram! Uns creram ser os Espíritos superiores em tudo, outros, neles só viram demônios; era só por suas palavras e atos que podiam julgá-los.

Suponhamos que dentre os desconhecidos habitantes transatlânticos, de que acabamos de falar, uns tenham dito muito boas coisas, ao passo que outros se faziam notar pelo cinismo da linguagem; ter-se-ia logo concluído que entre eles havia bons e maus.

Foi o que aconteceu com os Espíritos; foi assim que se reconheceu entre eles todos os graus de bondade e malvadez, de saber e ignorância.

Uma vez bem informados acerca dos defeitos e das boas qualidades que entre eles se encontram, cabe à nossa prudência distinguir o que é bom do que é mau, o verdadeiro do falso em suas relações conosco, absolutamente como procedemos a respeito dos homens.

A observação não nos esclareceu somente sobre as qualidades morais dos Espíritos, mas, também, sobre a sua natureza e sobre o que poderíamos chamar estado fisiológico. Ficou-se sabendo, por eles mesmos, que uns são muito felizes e outros muito desgraçados; que não são seres à parte, de natureza excepcional e, sim, as almas daqueles que já viveram na Terra, onde deixaram seu invólucro corpóreo, e que hoje povoam os espaços, nos cercam, nos acotovelam sem cessar, e, dentre eles, cada qual pode, por sinais incontestáveis, reconhecer seus parentes e amigos e os que conhecera na Terra; pode-se acompanhá-los em todas as fases de sua existência de além-túmulo, desde o instante em que abandonam o corpo, e observar sua situação segundo o gênero de morte e modo pelo qual viveram na Terra.

Enfim, soube-se que eles não são entes abstratos, imateriais, no sentido absoluto da palavra; possuem um invólucro, a que chamamos perispírito, espécie de corpo fluídico, vaporoso, diáfano, invisível no estado normal, mas que, em certos casos e por uma espécie de condensação ou de disposição molecular, pode tornar-se momentaneamente visível e mesmo tangível, e, desde então, ficou explicado o fenômeno das aparições e do contato.

Enquanto dura o corpo, esse invólucro é um laço que o prende ao Espírito; quando, porém, o corpo morre, a alma ou o Espírito, que é a mesma coisa, abandona-o, sem, contudo, deixar o primeiro envoltório, do mesmo modo como despimos as peças exteriores da nossa roupa, para só conservarmos as interiores; assim como o fruto despojado do invólucro cortical conserva ainda o perisperma.

É esse invólucro semimaterial do Espírito que lhe serve de meio para a produção de diferentes fenômenos, pelos quais ele se nos manifesta.

Tal é, em poucas palavras, cavalheiro, a história do Espiritismo; bem vedes, e reconhecereis ainda melhor quando o tiverdes estudado a fundo, que tudo nele é o resultado da observação e não de um sistema preconcebido.

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