PRIMEIRO DIÁLOGO.
O CRÍTICO.
Visitante. — Confesso-vos, caro senhor, que a minha
razão recusa admitir a realidade dos fenômenos estranhos
atribuídos aos Espíritos, persuadido que estou de estes não
terem senão uma existência imaginária. Entretanto, eu me
curvaria diante da evidência, se disso tivesse provas
incontestáveis; por isso desejo merecer-vos a permissão de
assistir somente a uma ou duas experiências, para não ser
indiscreto, a fim de convencer-me, caso seja possível.
Allan Kardec. — Desde que a vossa razão repele o
que nós consideramos irrecusável, vós a credes superior às de
todos quantos não compartilham de vossas opiniões.
Longe de mim o pensamento de duvidar do vosso
talento e a pretensão de supor minha inteligência superior à
vossa; admiti, pois, que eu esteja iludido, é a vossa razão quem
vo-lo diz: e não falemos mais nisso.
V. — Entretanto, se conseguísseis convencer-me,
conhecido que sou como antagonista das vossas ideias, isto
seria um milagre eminentemente favorável à causa que
defendeis.
A. K. — Lamento-o, caro senhor, porém não tenho o
dom de fazer milagres. Julgais que uma ou duas sessões
bastariam para adquirirdes convicção?
Seria, realmente, um verdadeiro prodígio; eu precisei de mais de um ano de trabalho para ficar convencido; o que prova
que não cheguei a esse estado inconsideradamente.
Além disso, não realizo sessões públicas e parece-me
que vos enganastes sobre o fim das nossas reuniões, visto não
fazermos experiências com o fito de satisfazer à curiosidade de
ninguém.
V. — Não procurais, pois, fazer prosélitos?
A. K. — Para que buscarmos fazer-vos prosélito,
quando não o quereis ser?
Não pretendo forçar convicção alguma. Quando
encontro pessoas que sinceramente desejam instruir-se e dão-me a honra de pedir-me esclarecimentos, folgo e cumpro um
dever respondendo-lhes nos limites dos meus conhecimentos;
quanto aos antagonistas, porém, que, como vós, têm
convicções arraigadas, não tento arredar-lhes um passo, atento a que é grande o número dos que se mostram bem
dispostos, para que possamos perder o nosso tempo com
aqueles que o não estão.
Estou certo de que, diante dos fatos, a convicção há
de vir, mais tarde ou mais cedo, e que os incrédulos hão de ser
arrastados pela torrente; por ora, alguns partidários, de mais
ou de menos, nada alteram na pesagem; pelo que nunca me
vereis incomodado para atrair, às nossas ideias, aqueles que,
como vós, sabem as razões que têm para fugir delas.
V. — Há mais interesse em convencer-me do que o
supondes. Permitis que me explique com franqueza e prometeis-me não ver ofensa alguma nas minhas palavras?
Trata-se das minhas ideias sobre a coisa em si e não sobre a pessoa a
quem me dirijo; posso respeitar a pessoa, sem participar de
suas opiniões.
A. K. — O Espiritismo me tem ensinado a desprezar
essas mesquinhas suscetibilidades do amor-próprio, e a me não
ofender com palavras. Se as vossas expressões saírem dos
limites da urbanidade e das conveniências, apenas concluirei
que sois um homem mal-educado, mas não irei além.
Quanto a mim, antes quero que os outros fiquem com
os defeitos, do que compartilhar deles.
Vedes, só por isso, que o Espiritismo já serve para
alguma coisa.
Já vos disse, senhor, não tenho a pretensão de vos
fazer adotar a minha opinião; respeito a vossa, se é sincera,
como desejo que respeiteis a minha.
Acreditando ser o Espiritismo um sonho sem sentido,
dissestes, sem dúvida, vindo à minha casa: Vou ver um louco.
Confessai-o francamente, pois com isso não me escandalizarei.
Todos os espíritas são loucos, é coisa sabida. Pois
bem! se julgais assim, eu tenho escrúpulo de transmitir-vos
a minha enfermidade mental; e causa-me espanto ver-vos,
com tal pensamento, buscar uma convicção que vos vai
colocar no número dos loucos. Se já estais persuadido de
que não conseguiremos convencer-vos, o passo que destes é
inútil, visto que só terá por fim a curiosidade. Abreviemos,
pois, por favor, porque me falta tempo para perder em
conversações sem objeto.
V. — O homem pode enganar-se, deixar-se iludir,
sem que, por isso, seja louco.
A. K. —Dizei logo: acreditais, como muitos, que isto
é moda que durará certo tempo; mas deveis convir que um
passatempo que, em alguns anos, tem conquistado milhões de
partidários, em todos os países, que conta entre seus adeptos sábios de toda ordem, que se propaga de preferência nas
classes mais esclarecidas, é mania singular, que merece
examinada.
V. — Tenho minhas ideias a respeito, é certo, porém
elas não se acham tão absolutamente firmadas, que não
consinta em sacrificá-las à evidência.
Disse-vos que teríeis certo interesse em me convencer.
Confesso-vos que tenciono publicar um livro em que
me proponho demonstrar
ex professo (sic) a minha opinião
sobre o que considero um erro; e como esse livro deve produzir
efeito, dando um golpe no Espiritismo, eu deixaria de publicá-lo, caso ficasse convencido da realidade da vossa doutrina.
A. K. — Eu sentiria que ficásseis privado do que vos
pode proporcionar um livro que deve produzir tanto efeito;
além disso, não tenho interesse algum em impedir a sua
publicação: ao contrário, desejo-lhe grande circulação, porque
assim ele nos servirá de prospecto e anúncio.
A nossa atenção é sempre chamada sobre aquilo que
vemos atacado; há muita gente que quer ver os prós e os
contras, e a crítica faz aparecer a verdade, mesmo aos olhos
daqueles que não a procuravam aí; é assim que muitas vezes,
sem querer, se faz propaganda do que se quer combater.
A questão dos Espíritos é, por outro lado, tão
palpitante de interesse, choca a tal ponto a curiosidade, que
basta assinalá-la à atenção, para que nasça o desejo de
aprofundá-la
¹.
V. — Então, no vosso entender, a crítica para nada
serve, a opinião pública nada vale?
A. K. — Não considero a crítica como expressão da
opinião pública, mas como juízo individual, que bem pode
enganar-se.
Lede a história e vereis quantos trabalhos importantes
foram, ao aparecer, criticados, sem que isso os excluísse do número das grandes obras; quando, porém, uma coisa é má,
não há elogio que a torne boa.
Se o Espiritismo é uma falsidade, ele cairá por si
mesmo; se, porém, é uma verdade, não há diatribe que possa
fazer dele uma mentira.
Ao nosso modo de ver, vosso livro não será mais que
uma apreciação pessoal; a verdadeira opinião pública decidirá
da justeza dos vossos conceitos.
Procurarão examinar. Se mais tarde reconhecerem
que vos enganastes, vosso livro se tornará ridículo, como os
que, não há muito, foram publicados contra as teorias da
circulação do sangue, da vacina, etc., etc.
Esquecia-me, porém, que íeis tratar a questão ex
professo
, o que equivale a dizer que a estudastes sob todas as suas
faces; que vistes tudo o que se pode ver, lestes tudo o que sobre a
matéria se tem escrito, analisastes e comparastes as diversas
opiniões; que vos achastes nas melhores condições de observação
pessoal; que durante anos lhe consagrastes vigílias; em suma: que
nada desprezastes para chegar à verdade. Devo crer que tal se deu,
se sois um homem sério, porque somente aquele que fez tudo isso
pode dizer que fala com conhecimento de causa.
Que juízo formaríeis de um homem que, sem
conhecimento de literatura, sem ter estudado a pintura, se
erigisse em censor de uma obra literária ou de um quadro?
É de lógica elementar que o crítico conheça, não
superficialmente, mas, a fundo, aquilo de que fala, sem o que,
sua opinião não tem valor.
Para combater um cálculo é necessário opor-se-lhe
outro cálculo, o que exige saber calcular. O crítico não se deve
limitar a dizer que tal coisa é boa ou má; é preciso que
justifique a opinião por uma demonstração clara e categórica,
baseada sobre os princípios da arte ou ciência a que pertence o
objeto da crítica. Como poderá fazê-lo, quando não conhecer
esses princípios?
Não tendo ideia da mecânica, podereis apreciar as
qualidades, ou os defeitos de determinada máquina?
Não. Pois bem: o vosso juízo acerca do Espiritismo,
que aliás não conheceis, não pode ter mais valor que o que,
nas condições acima, emitísseis sobre a aludida máquina. A
cada passo sereis apanhado em flagrante delito de ignorância,
porque aqueles que têm estudado a matéria verão logo que a
desconheceis; donde concluirão que não sois um homem sério
ou que agis de má-fé; expondo-vos, portanto, a receber, quer
num, quer noutro caso, desmentido pouco lisonjeiro ao vosso
amor-próprio.
V. — É precisamente para evitar esse perigo que vim
pedir-vos permissão para assistir a algumas experiências.
A. K. — E julgais que isto vos baste para poder, ex
professo
, falar de Espiritismo?
Como podereis compreender essas experiências e,
ainda mais, julgá-las, quando não estudastes os princípios em
que elas se baseiam?
Como apreciaríeis o resultado, satisfatório ou não, de
ensaios metalúrgicos, por exemplo, não conhecendo a fundo a
metalurgia?
Permiti-me dizer-vos, senhor, que vosso projeto é
absolutamente a mesma coisa que, não tendo estudado a
Matemática, nem a Astronomia, vos apresentásseis a um dos
membros do Observatório, dizendo-lhe:
“Senhor, quero escrever um livro sobre Astronomia e
provar que o vosso sistema é falso; mas, como desconheço os
menores rudimentos dessa ciência, deixai que, por uma ou
duas vezes, me sirva de vossa luneta; o que será suficiente para
ficar sabendo tanto quanto vós.”
É somente por extensão que a palavra criticar se
tornou sinônima de
censurar; em sua acepção própria e
segundo a etimologia, ela significa
julgar, apreciar. A crítica
pode, pois, ser aprobativa ou desaprobativa.
Fazer a crítica de um livro não é necessariamente
condená-lo; quem empreende essa tarefa, deve fazê-lo sem ideias preconcebidas; porém, se antes de abrir o livro já o
condena em pensamento, o exame não pode ser imparcial.
Tal o caso da maioria dos que têm falado contra o
Espiritismo. Apenas sobre o nome formaram uma opinião,
fazendo qual juiz que proferisse uma sentença sem antes
examinar as peças do processo.
A consequência foi que seu julgamento feriu em falso,
e que, em vez de persuadir, ocasionaram riso.
A maior parte dos que seriamente têm estudado a
questão mudou de ideia, e mais de um adversário se tem
tornado adepto do Espiritismo, quando reconhece que o seu
objetivo é muito diverso daquele que supunha.
V. — Falais do exame dos livros em geral; acreditais que
seja materialmente possível a um jornalista ler e estudar todos os
que lhe passam pelas mãos, sobretudo quando se ocupam com
teorias novas, que lhe seria preciso aprofundar e verificar?
Seria o mesmo que exigir de um impressor que ele
lesse todas as obras saídas de sua prensa.
A. K. — A tão judicioso raciocínio não tenho outra
resposta a dar senão que, quando nos falta o tempo para
fazer conscienciosamente uma coisa, é melhor não fazê-la;
é preferível produzir um só trabalho bom a fazer dez maus.
V. — Não acrediteis que minha opinião se tenha
formado levianamente. Vi mesas girarem e produzirem sons
como de pancadas; vi pessoas escreverem o que, segundo
diziam, lhes ditavam os Espíritos; estou, porém, convencido de
que nisso há charlatanismo.
A. K. — Quanto vos cobraram para mostrar-vos essas
coisas?
V. — Nada, por certo.
A. K. — Ora, aí tendes charlatães de uma espécie
singular, que vão reabilitar o nome da sua classe. Até ao
presente não se tinha ainda visto charlatães desinteressados.
Suponhamos que um gaiato de mau gosto tenha
querido uma vez divertir-se assim; será crível que as outras
pessoas presentes pactuassem com ele? Demais, com que fim
se fariam elas cúmplices de uma mistificação? Direis que com
o fim de recrear a sociedade...
Concordo em que uma vez se prestassem a tal
brinquedo; porém, quando esse brinquedo dura meses e anos,
julgo que o mistificado é o próprio mistificador. Não é
provável que, só pelo gosto de fazer que creiam em uma coisa
que ele sabe ser falsa, alguém vá passar horas inteiras imóvel,
agarrado a uma mesa. O gosto não equivaleria à pena.
Antes de julgar isso uma fraude, é preciso indagar
que interesse havia em enganar; ora, não deixareis de
convir que há pessoas que se não coadunam com a mais
leve suspeita de embuste; pessoas cujo caráter já é uma
garantia de probidade.
Coisa muito diversa seria se se tratasse de uma
especulação, porque a tentação do ganho é má conselheira;
mas, admitindo mesmo que, neste último caso, ficasse bem
comprovado um manejo fraudulento, isso em nada ofenderia a
realidade do princípio, porque de tudo se pode abusar.
Por vender-se vinho falsificado, não se deve concluir
que não existe vinho puro.
O Espiritismo não é mais responsável pelos atos
daqueles que abusam desse nome e o exploram, do que o é a
ciência médica pelos atos dos charlatães que impingem suas
drogas, ou a religião pelos dos sacerdotes que iludem seu
ministério.
Por sua novidade e mesmo por sua natureza, o
Espiritismo se presta a abusos; ele, porém, fornece os meios
para que os reconheçam, definindo claramente seu verdadeiro
caráter e afastando de si toda a solidariedade com aqueles que
viriam a explorá-lo ou desviá-lo de seu fim exclusivamente
moral para transformá-lo em meio de vida, em instrumento de
adivinhação ou de investigações fúteis.
Desde que o Espiritismo mesmo traça os limites em
que se encerra, define o que pode ou não dizer ou fazer, o que
está ou não em suas atribuições, o que aceita e o que repudia,
toda a falta recai sobre aqueles que, não se dando ao trabalho
de estudá-lo, o julgam pelas aparências e que, por terem
encontrado saltimbancos adornando-se sob o nome de
Espíritas para chamar concorrência, dizem com gravidade: eis
o que é o Espiritismo.
Sobre quem, em definitiva, cairá o ridículo? Será
sobre o saltimbanco que usa do seu ofício? Será sobre o
Espiritismo, cuja doutrina escrita desmente tais asserções? Ou,
antes, sobre os críticos que falam do que não sabem ou de,
cientemente, alterarem a verdade?
Aqueles que atribuem ao Espiritismo o que é
contrário à sua mesma ciência, fazem-no por ignorância ou má
intenção; no primeiro caso há leviandade, no segundo, má-fé.
E, neste último caso, eles se colocam na posição do historiador
que, no interesse de sustentar um partido ou uma opinião,
alterasse os fatos históricos. Quando usa desses meios, o
partido fica desacreditado e não consegue o seu fim.
Notai bem, cavalheiro, que eu não pretendo que a
crítica deva necessariamente aprovar nossas ideias, mesmo
depois de as haver estudado; não nos revoltamos de forma
alguma contra os que não pensam como nós.
O que é evidente, para nós, pode não ser para vós
outros; cada qual julga as coisas debaixo de certo ponto de
vista, e do fato mais positivo nem todos tiram as mesmas
consequências.
Se um pintor, por exemplo, pinta em seu quadro um
cavalo branco, não faltará quem diga que essa cor faz aí mau
efeito, que a cor negra conviria mais, e nisto não se comete
erro; cometer-se-á, porém, se, vendo que o cavalo é branco,
afirmar que é negro; é o que faz a maioria dos nossos
adversários.
Em resumo, senhor, todos têm completa liberdade de
aprovar ou censurar os princípios do Espiritismo, de deduzir deles as consequências boas ou más que lhes aprouver; porém,
a consciência impõe ao crítico a obrigação de não dizer o
contrário do que ele sabe que é; ora, para isso, a primeira
condição é não falar do que não conhece.
V. — Voltemos, por favor, às mesas que se movem e
falam; não será possível que elas sejam preparadas com algum
artifício?
A. K. — É sempre a mesma questão de boa-fé, a que
já respondi.
Quando a fraude for provada, eu vo-la reconhecerei; se
descobrirdes fatos demonstrados embuste, charlatanismo,
especulação ou abuso de confiança, fustigai-os e eu desde já vos
declaro que não irei defendê-los, porque o Espiritismo sério é o
primeiro a repudiá-los; e quem assinalar tais abusos o auxilia no
trabalho de preveni-los e lhe presta importante serviço. Porém,
generalizar essas acusações, lançar sobre elevado número de
pessoas honradas a reprovação que só cabe a alguns indivíduos
isolados, é um abuso de outro gênero, porque é uma calúnia.
Admitindo, como dissestes, que as mesas estivessem
preparadas, era preciso que o mecanismo empregado fosse
bem engenhoso para fazê-las produzir movimentos e sons tão
variados. Ora, como não é ainda conhecido o nome do hábil
artista que os fabrica? Entretanto, ele deveria gozar de grande
celebridade, visto que seus aparelhos estão espalhados pelas
cinco partes do mundo.
Devemos também convir que o seu processo é assaz
delicado e sutil, para poder adaptar-se à primeira mesa que se
apresenta, sem deixar sinal exterior algum que o denuncie.
Como é que, desde Tertuliano, que já tratava das
mesas giratórias e falantes, até o presente ninguém conseguiu
ver e descrever tal mecanismo?
V. — Eis o que vos ilude. Um célebre cirurgião
reconheceu que certas pessoas podem, pela contração de um
músculo da perna, produzir um ruído semelhante ao que
atribuís à mesa; donde concluiu que os médiuns se divertem à
custa da credulidade dos assistentes.
A. K. — Se é um estalido do músculo, não é então a
mesa que está preparada. Uma vez que cada qual explica a seu
modo essa pretendida fraude, fica reconhecido que a
verdadeira causa não lhe é sabida.
Respeito a ciência desse sábio cirurgião, e somente
acho que se apresentam algumas dificuldades na aplicação, às
mesas falantes, da teoria indicada.
A primeira é que é singular que essa faculdade, até o
presente excepcional e olhada como um caso patológico, se
tenha tornado comum; a segunda, que é preciso ter-se
robustíssima vontade de mistificar, para fazer estalar o
músculo durante duas ou três horas consecutivas, quando disso
não resulte a quem assim procede senão fadiga e dor; a
terceira, que eu não compreendo bem como pode esse músculo
responder pelas portas e paredes em que as pancadas se fazem
ouvir; a quarta, finalmente, que é necessário dar-se a esse
músculo estalador uma propriedade bem maravilhosa, para
que ele possa mover uma pesada mesa, levantá-la, abri-la,
fechá-la, conservá-la suspensa sem ponto de apoio, e,
finalmente, fazê-la despedaçar-se ao cair.
Ninguém, por certo, desconfiava que esse músculo
possuísse tanta virtude (
Revue Spirite, junho de 1859, pág.
141:
Le muscle craqueur).
O célebre cirurgião, de que falais, teria estudado o
fenômeno da tiptologia sobre os indivíduos que os produzem?
Não; ele observou um efeito fisiológico anormal em alguns
indivíduos que nunca se ocuparam de mesas batedoras; e,
notando certa analogia entre esse efeito e o que essas mesas
produzem, sem mais amplo exame concluiu, com toda a
autoridade de sua ciência, que todos os que concorrem, para
que as mesas falem, devem ter a propriedade de fazer estalar o
músculo curto-perônio, e não são mais que embusteiros, sejam
eles príncipes ou artífices, recebam ou não um pagamento.
Estudou ele, ao menos, o fenômeno da tiptologia em
todas as suas fases? Verificou, por meio desse estalido
muscular, se podia produzir todos os efeitos tiptológicos? Não;
porque, do contrário, ele ficaria convencido da insuficiência do
seu processo; apesar disso, julgou-se no caso de proclamar a
sua descoberta, em pleno Instituto.
Não será esse juízo assaz comprometedor para um
sábio? Quem pensa hoje nessa opinião?
Confesso-vos que, se me tivesse de sujeitar a uma
operação cirúrgica, hesitaria muito em confiar-me a esse
médico, porque recearia que ele não julgasse o meu mal com
mais perspicácia.
Já que esse juízo é uma das autoridades em que pareceis
querer apoiar-vos para esmagar o Espiritismo, fico completamente
inteirado da força dos outros argumentos que quereis validar, a
menos que os não vades beber em fontes mais autênticas.
V. — Entretanto, bem vedes que já passou a moda das
mesas girantes que durante certo tempo fizeram furor; hoje já
ninguém se ocupa com elas.
Por que se dá isso, quando é uma coisa séria?
A. K. — Porque das mesas girantes saiu uma coisa
ainda mais séria: uma ciência completa, uma perfeita doutrina
filosófica, do máximo interesse para os homens que refletem.
Quando estes nada mais tiveram a aprender no giro das mesas,
não mais com elas se ocuparam.
Para as pessoas fúteis, que nada querem aprofundar,
esse fenômeno era um passatempo, um divertimento que
abandonaram quando dele se aborreceram; são pessoas com as
quais a ciência não conta.
O período de curiosidade teve seu tempo; sucedeu-lhe
o da observação. O Espiritismo entrou, então, no domínio da
gente séria, que não o toma como objeto de divertimento, mas,
sim, como meio de instruir-se.
Porém, essas pessoas que o consideram como coisa
grave, não se prestam a qualquer experiência de curiosidade, e
ainda menos a satisfazer a daqueles que se apresentam com
pensamentos hostis; como não brincam, não se prestam a
servir de brinquedo para os outros; eu pertenço a esse número.
V. — No entanto, somente a experiência pode
convencer, mesmo aquele que, em começo, seja movido pela
curiosidade.
Se só trabalhais na presença de pessoas convictas,
deixai que vos diga, ensinais a quem já sabe.
A. K. — Uma coisa é estar convencido e outra estar
disposto a convencer-se; é aos desta última classe que me
dirijo, e não aos que julgam humilhação vir escutar o que eles
chamam ilusões. Com estes eu não me ocupo, absolutamente.
Quanto aos que manifestam sincero desejo de
esclarecer-se, o melhor modo que têm, para prová-lo, é
mostrar perseverança; são reconhecidos por outros sinais que
não apenas o desejo de ver uma ou duas experiências: esses
querem trabalhar seriamente.
A convicção só se adquire com o tempo, por meio de
uma série de observações feitas com um cuidado todo particular.
Os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos
das ciências exatas: não se produzem à vontade; é preciso
que os colhamos de passagem; é observando muito e por
muito tempo que se descobre uma porção de provas que
escapam à primeira vista, sobretudo, quando não se está
familiarizado com as condições em que se pode encontrá-las, e ainda mais quando se vem com o espírito prevenido.
As provas abundam para o observador assíduo e
refletido: uma palavra, um fato aparentemente
insignificante, é para ele um raio de luz, uma confirmação;
ao passo que tais fatos não têm sentido para quem os
observa superficialmente ou por simples curiosidade; eis
por que não me presto a fazer experiências sem resultado
provável.
V. — Enfim, tudo deve ter começo. O aprendiz, que
nada sabe, que nada viu ainda, mas que deseja esclarecer-se,
como poderá fazê-lo, quando não lhe facultais os meios para
isso?
A. K. — Eu faço grande distinção entre o incrédulo
por ignorância e o incrédulo por sistema; quando descubro
alguém com disposições favoráveis, nada me custa esclarecê-lo; há, porém, pessoas em quem a vontade de instruir-se não é
senão aparente; com estas perde-se o tempo; porque, se elas
não encontram logo o que parecem buscar, e que talvez as
incomodasse, se aparecesse, o pouco que veem não é suficiente
para lhes destruir as prevenções; julgam mal os resultados
obtidos e os transformam em objeto de zombaria, pelo que não
há utilidade em lhos fornecer.
A quem deseja instruir-se, direi: “Não se pode fazer
um curso de Espiritismo experimental como se faz um de
Física ou de Química, atento que nunca se é senhor de
produzir os fenômenos espíritas à vontade, e que as
inteligências desses agentes fazem, muitas vezes, frustrarem-se todas as nossas previsões. Aqueles que acidentalmente
poderíeis ver, não apresentando nexo algum, nem ligação
necessária, seriam pouco inteligíveis para vós.
Instruí-vos primeiramente pela teoria, lede e meditai
as obras que tratam dessa ciência; nelas aprendereis os
princípios, encontrareis a descrição de todos os fenômenos,
compreendereis a possibilidade deles pela explicação que elas
vos darão, e, pela narrativa de grande número de fatos
espontâneos de que pudestes ser testemunha sem os
compreender, mas que vos voltarão à memória, vós vos
fortificareis contra todas as dificuldades que possam surgir e
formareis, desse modo, uma primeira convicção moral.
Então, quando se vos apresentar a ocasião de observar
ou operar pessoalmente, compreendereis, qualquer que seja a
ordem em que os fatos se mostrem, porque nada vereis de
estranho.”
Eis, meu caro senhor, o que aconselho a todos que
dizem querer instruir-se, e, pela resposta que dão, é fácil
ver se neles há alguma coisa mais que curiosidade!