Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858

Allan Kardec

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MEHEMET-ALI

SEGUNDA COMUNICAÇÃO[1]

1. ─ Em nome de Deus Todo-Poderoso, peço ao Espírito de Mehemet-Ali que venha comunicar-se conosco.

─ Sim; sei a razão.

2. ─ Prometestes vir até nós, a fim de instruir-nos. Teríeis a bondade de ouvir-nos e de nos responder?

─ Não prometo, pois não assumi esse compromisso.

3. ─ Substituamos o prometestes por fizeste-nos esperar.

─ Quereis dizer: para satisfazer à vossa curiosidade. Não importa! Prestar-me-ei um pouco.

4. ─ Considerando-se que vivestes ao tempo dos faraós, poderíeis dizer-nos com que fim foram construídas as pirâmides?

─ São sepulcros; sepulcros e templos. Ali se davam grandes manifestações.

5. ─ Tinham elas também um objetivo científico?

─ Não. O interesse religioso absorvia tudo.

6. ─ Era necessário que os egípcios fossem muito adiantados nas artes mecânicas a fim de realizarem trabalhos que exigiam forças tão consideráveis. Poderíeis dar-nos uma ideia dos meios empregados?

─ Massas de homens gemeram sob o peso dessas pedras que atravessaram os séculos. A máquina era o homem.

7. ─ Que classe de homens eram ocupados nesses grandes trabalhos?

─ Aqueles a quem chamais de povo.

8. ─ Estava o povo em estado de escravidão ou recebia um salário?

─ A força.

9. ─ De onde tiravam os egípcios o gosto pelas coisas colossais, em vez das coisas graciosas que distinguiam os gregos, embora tivessem a mesma origem?

─ O egípcio era tocado pela grandeza de Deus. Procurava igualá-lo, superando suas próprias forças. Sempre o homem!

10. ─ Desde que naquela época éreis sacerdote, tende a bondade de nos dizer algo a respeito da religião dos egípcios. Qual era a crença do povo relativamente à Divindade?

─ Corrompidos, eles acreditavam em seus sacerdotes. Seus deuses eram aqueles que os mantinham sob o jugo.

11. ─ Que pensavam da alma após a morte?

─ Acreditavam no que diziam os sacerdotes.

12. ─ Sob o duplo ponto de vista de Deus e da alma, tinham os sacerdotes ideias mais sãs que o povo?

─ Sim. Eles tinham a luz em suas mãos e conquanto a escondessem dos outros, ainda a viam.

13. ─ Os grandes do Estado partilhavam das crenças do povo ou da dos sacerdotes?

─ Estavam entre as duas.

14. ─ Qual a origem do culto prestado aos animais?

─ Eles queriam desviar o homem de Deus e rebaixá-lo sob si próprio, dando-lhe como deuses seres inferiores.

15. ─ Até certo ponto compreende-se o culto dos animais úteis; mas não se compreende o de animais imundos e prejudiciais, como as serpentes, os crocodilos etc.!

─ O homem adora aquilo que teme. Era um jugo para o povo. Os sacerdotes não podiam crer em deuses feitos por suas mãos!

16. ─ Não é estranho que ao mesmo tempo que adoravam o crocodilo e os répteis, adorassem o ichneumon[2] e o íbis, que os destruíam?

─ Aberração do espírito. O homem procura deuses em toda parte para esconder o que é.

17. ─ Por que Osíris era representado com a cabeça de um gavião e Anúbis com a cabeça de um cão?

─ O egípcio gostava de personificar sob a forma de emblemas claros: Anúbis era bom; o gavião que estraçalha representava o cruel Osíris.

18. ─ Como conciliar o respeito dos egípcios pelos mortos com o seu desprezo e o horror que tinham por aqueles que os enterravam e mumificavam?

─ O cadáver era um instrumento de manifestações. Segundo pensavam, o Espírito voltava ao corpo que havia animado. Como um dos instrumentos do culto, o cadáver era sagrado e o desprezo perseguia aquele que ousava violar a santidade da morte.

19. ─ A conservação do corpo permitia maior quantidade de manifestações?

─ Mais longas, isto é, o Espírito voltava por mais tempo, desde que o instrumento fosse dócil.

20. ─ Não seria também a conservação dos corpos uma causa de salubridade, à vista da inundação do Nilo?

─ Sim, para os do povo.

21. ─ No Egito a iniciação aos mistérios era feita através de práticas tão rigorosas quanto na Grécia?

─ Ainda mais rigorosas.

22. ─ Com que fim eram impostas aos iniciados condições tão difíceis de preencher?

─ Para não haver senão almas superiores. Estas sabiam compreender e calar.

23. ─ O ensino dado nos mistérios tinha por fim único a revelação das coisas extra-humanas ou também eram ensinados os preceitos da moral e do amor ao próximo?

─ Tudo isto estava muito corrompido. O propósito dos sacerdotes era dominar e não instruir.




[1] Vide Revista Espírita do mês de abril. (N. do T.).


[2] Voz grega que significa rastejar. É aplicada em entomologia para algumas variedades de insetos. Neste caso, porém, a referência é a uma espécie de fuinha, um mamífero carnívoro, do gênero Herpestes, o Herpestes Ichneumon do Egito, que, dizia-se, devorava os ovos dos crocodilos. (N. do T.).



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