10. Voltemos ao dogma da eternidade das penas. O principal argumento que
se invoca em seu favor é este:
“Admite-se, entre os homens, que a
gravidade da ofensa é proporcional à qualidade do ofendido. A que é
cometida contra um soberano, sendo considerada como mais grave do que
aquela que atinge um simples particular, é punida mais severamente. Ora,
Deus é mais do que um soberano; visto que ele é infinito, a ofensa a
ele é infinita, e deve ter um castigo infinito, ou seja, eterno.”
Refutação. — Toda refutação é um raciocínio que deve ter seu ponto de
partida, uma base sobre a qual ele se apoia: premissas, numa palavra.
Tiramos essas premissas dos próprios atributos de Deus:
Deus é único,
eterno, imutável, imaterial, onipotente, soberanamente justo e bom,
infinito em todas as suas perfeições.
É impossível conceber Deus a
não ser com o infinito das perfeições; sem o quê ele não seria Deus,
pois se poderia conceber um ser que possuísse o que lhe faltasse. Para
que ele esteja acima de todos os seres, é preciso que nenhum possa
sobrepujá-lo nem igualá-lo no que quer que seja. Portanto, é preciso que
ele seja infinito em tudo.
Os atributos de Deus, sendo infinitos, não
são susceptíveis nem de aumento nem de diminuição; sem isso, não seriam
infinitos e Deus não seria perfeito. Se se retirasse a menor parcela de
um único de seus atributos, não se teria mais Deus, visto que poderia
existir um ser mais perfeito.
O infinito de uma qualidade exclui a
possibilidade da existência de uma qualidade contrária que a diminuiria
ou a anularia. Um ser infinitamente bom não pode ter a menor parcela de
maldade, nem o ser infinitamente mau ter a menor parcela de bondade;
assim como um objeto não poderia ser de um preto absoluto com a mais
ligeira nuance de branco, nem de um branco absoluto com a menor mancha
de preto.
Estabelecido este ponto de partida, ao argumento acima opõem-se os argumentos seguintes: