Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

Voltar ao Menu
Variedades

Belo exemplo de caridade evangélica



Um ato de caridade realizado pelo Dr. Ginet, cantoneiro de Saint-Julie-sousMontmelas, é contado pelo Echo de Fourvière:

No dia 1º de janeiro, ao cair da noite, achava-se agachada na praça de SaintJulien uma mendiga de profissão, coberta de chagas infectas, vestida de velhos trapos cheios de bichos, e, além disto, tão má que todos a temiam; ela não retribuía o bem que faziam senão por socos e injúrias. Tomada de um enfraquecimento súbito, teria sucumbido na calçada, não fosse a caridade do nosso cantoneiro que, superando a repugnância, tomou-a nos braços e a levou para sua casa.

Esse pobre homem tem apenas um alojamento muito apertado para si, para a mulher doente e para seus três filhos pequenos. Ele não tem outro recurso senão o seu módico salário. Ele pôs a velha mendiga sobre um pouco de palha dada por um vizinho e dela cuidou toda a noite, procurando aquecê-la.

Ao romper do dia, essa mulher, que enfraquecia cada vez mais, lhe disse: “Tenho dinheiro comigo; eu vo-lo dou pelos vossos cuidados.” E acrescentou: “O senhor cura...” e expirou. Sem se preocupar com o dinheiro, o cantoneiro foi procurar o cura, mas era tarde demais. A seguir apressou-se em avisar os parentes, que moram numa paróquia vizinha e que estão em situação folgada. Eles chegam e a primeira pergunta é esta: “Minha irmã tinha dinheiro consigo. Onde está?” O cantoneiro responde: “Ela me disse, mas eu não me inquietei.” Eles procuram e encontram, realmente, mais de 400 francos num dos bolsos.

Acabando a sua obra, o caridoso operário, com o auxílio de uma vizinha, enterrou a pobre morta. Algumas pessoas eram de opinião que na noite seguinte ele deveria colocar o caixão num telheiro vizinho que estava fechado. “Não, disse ele, esta mulher não é um cão, mas uma cristã.” E a velou toda a noite em sua casa, com sua lâmpada acesa.

Às pessoas que lhe exprimiam admiração e aconselhavam a pedir uma recompensa, respondia: “Oh! Não foi o interesse que me levou a agir. Dar-me-ão o que quiserem, mas eu nada pedirei. Na posição em que estou, posso encontrar-me na mesma situação, e ficaria muito feliz se tivessem piedade de mim.”

─ Que relação tem isto com o Espiritismo? perguntaria um incrédulo.

─ É que a caridade evangélica, tal qual a recomendou o Cristo, sendo uma lei do Espiritismo, todo ato realmente caridoso é um ato espírita, e a atitude desse homem é a aplicação da lei de caridade, no que ela tem de mais puro e mais sublime, porque ele fez o bem, não só sem esperança de retribuição, sem pensar em seus encargos pessoais, mas quase com a certeza de ser pago com a ingratidão, contentando-se em dizer que, em semelhante caso, quereria que tivessem feito o mesmo por ele.

─ Esse homem era espírita?

─ Ignoramo-lo; mas não é provável. Em todo caso, se não o era pela letra, era-o pelo espírito.

─ Se não era espírita, então não foi o Espiritismo que o levou a esta ação?

─ Seguramente.

─ Então por que o Espiritismo sente mérito nisto?

─ O Espiritismo não reivindica em seu proveito a ação desse homem, mas se ufana de professar os princípios que o levaram a praticá-la, sem jamais ter tido a pretensão de possuir o privilégio de inspirar os bons sentimentos. Ele reverencia o bem em qualquer parte onde se encontre. E quando seus próprios adversários o praticam, ele os oferece como exemplo aos seus adeptos.

É desagradável que os jornais tenham menos solicitude em reproduzir as boas ações, em geral, do que os crimes e os escândalos. Se há um fato que testemunha a perversidade humana, pode-se estar certo de que será repetido linha por linha, como atrativo à curiosidade dos leitores. O exemplo é contagioso. Por que não pôr aos olhos das massas o exemplo do bem de preferência ao do mal? Há nisso uma grande questão de moralidade pública, de que trataremos mais tarde, com todos os desenvolvimentos que ela comporta.


Um castelo mal assombrado



O relato do seguinte fato nos foi mandado por um dos nossos correspondentes em São Petersburgo.

Um velho general húngaro, muito conhecido por sua bravura, recebeu uma grande sua herança, pediu demissão e escreveu ao seu intendente que lhe comprasse uma certa propriedade, que estava à venda e que lhe designou.

O intendente respondeu imediatamente, aconselhando ao general que não comprasse a tal propriedade, pois era mal-assombrada pelos Espíritos.

O velho valente insistiu, dizendo ser uma razão a mais para fazer a compra, e determinou-lhe que concluísse o negócio imediatamente.

A propriedade foi então comprada, e o novo dono põe-se a caminho para ali instalar-se. Chegou às onze da noite à casa de seu intendente, não longe do castelo, para onde queria ir imediatamente.

─ Por favor, disse-lhe o velho servidor, esperai até pela manhã e dai-me a honra de passar a noite em minha casa.

─ Não, disse-lhe o amo, quero passá-la em meu castelo.

Então o intendente foi obrigado a acompanhá-lo com vários camponeses levando tochas, mas eles não quiseram entrar e se retiraram, deixando só o novo senhor.

Este tinha consigo um velho soldado que jamais o havia deixado, e um enorme cão que teria estrangulado um homem de um só golpe.

O velho general instalou-se na biblioteca do castelo, mandou acender velas, pôs um par de pistolas sobre a mesa, tomou um livro e estendeu-se num canapé, esperando os visitantes, pois estava certo de que se houvesse alguns no castelo não seriam mortos, mas bem vivos. Era também por isto que havia carregado as pistolas e feito o seu cão deitar-se debaixo do canapé. Quanto ao velho soldado, já roncava num quarto vizinho à biblioteca.

Pouco tempo se passou; o general julgou ouvir um ruído no salão, escutou atentamente e o ruído redobrou. Seguro de si, tomou uma vela numa das mãos e a pistola na outra e entrou no salão, onde não viu ninguém; buscou por toda parte, até levantando as cortinas; não havia nada, absolutamente nada. Voltou à biblioteca, retomou o livro e, apenas lidas algumas linhas, o ruído se fez ouvir com muito mais força que da primeira vez. Retomou a vela e uma pistola, entrou de novo no salão e viu que haviam aberto a gaveta de uma cômoda. Desta vez, convencido de que se tratava de ladrões, e não vendo ninguém, chamou o seu cachorro e lhe disse: procure! O cachorro pôs-se a tremer em todos os membros e voltou a se esconder debaixo do canapé. O próprio general começou a tremer, voltou para a biblioteca, deitou-se no canapé mas não pôde fechar os olhos a noite toda. Contando-nos o fato, disse-nos o general: “Eu não tive medo senão duas vezes: há dezoito anos, quando, no campo de batalha, uma bomba estourou aos meus pés, e a segunda vez quando vi o medo apoderar-se de meu cão.”

Abster-nos-emos de qualquer comentário sobre o fato muito autêntico acima referido, e contentar-nos-emos em perguntar aos adversários do Espiritismo como o sistema nervoso do cachorro foi abalado.

Perguntaremos, além disto, como a superexcitação nervosa de um médium, por mais forte que seja, pode produzir a escrita direta, isto é, pode forçar um lápis a escrever por si mesmo.

Outra pergunta: Cremos que o fluido nervoso retido e concentrado num recipiente poderia igualar e mesmo ultrapassar a força do vapor. Mas, estando livre o dito fluido, poderia levantar e deslocar móveis pesados, como tantas vezes acontece?

CH. PÉREYRA.

TEXTOS RELACIONADOS

Mostrar itens relacionados

Utilizamos cookies para melhorar sua experiência. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.