Instruções práticas sobre as manifestações espíritas

Allan Kardec

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MÉDIUNS DE INFLUÊNCIA FÍSICA - MÉDIUNS NATURAIS
Os médiuns de influência física são os que têm uma aptidão mais especial para a produção dos fenômenos materiais. É nessa classe que se encontram principalmente os médiuns naturais, isto é, os médiuns cuja influência se exerce mau grado seu. Não têm nenhuma consciência de seu poder e freqüentemente aquilo que se passa de anormal em seu redor de modo algum lhes parece extraordinário. Isto faz parte deles mesmos, absolutamente como as pessoas dotadas de segunda vista e que não o suspeitam. Estas criaturas são muito dignas de observação e não se deve negligenciar a colheita e o estudo dos fatos desse gênero, que podem vir ao nosso conhecimento. Eles se manifestam em todas as idades, muitas vezes, até, em crianças de muito tenra idade.

Por si mesma essa faculdade não indica um estado patológico, pois não é incompatível com a saúde perfeita. Se aquele que a possui é doente, o é por uma causa outra. Assim, os meios terapêuticos são impotentes para fazer cessar a mediunidade. Em certos casos ela pode ser consecutiva de uma certa fraqueza orgânica, mas nunca é a sua causa eficiente. Assim, não se poderia razoavelmente conceber qualquer inquietação do ponto de vista higiênico: ela não poderia ter inconvenientes senão quando o sensitivo, transformado em médium facultativo, dela fizesse um emprego abusivo, porque então teria uma emissão demasiado abundante de fluido vital e, consequentemente, um enfraquecimento orgânico.

Sobretudo deve ser evitada qualquer experimentação física, sempre prejudicial às organizações sensitivas, pois aí é que está o perigo: dela poderão resultar graves desordens na economia orgânica. A razão se revolta contra a ideia de torturas morais e corpóreas, a que, por vezes, são submetidos seres fracos e delicados, visando constatar que não há qualquer charlatanice de sua parte. Fazer tais provas é jogar com a vida. O observador de boa fé não precisa empregar tais meios. Aquele que está familiarizado com esses fenômenos sabe, aliás, que os mesmos pertencem mais à ordem moral que à ordem física, e que em vão a solução seria procurada em nossas ciências exatas.

Por isso mesmo que tais fenômenos estão ligados à ordem moral, deve evitar-se escrupulosamente tudo quanto possa excitar a imaginação. Conhecem-se os acidentes que podem ser ocasionados pelo medo e seríamos menos imprudentes se conhecêssemos todos os casos de loucura e de epilepsia que se originam nos contos do Lobo-mau e do Tutu-marambá. Que dizer, então, se nos persuadirmos de que é o diabo! Os que acreditam nessas coisas não sabem a responsabilidade que assumem: podem matar! Ora, o perigo não é apenas para o sensitivo, mas também para os que o cercam e que podem ficar apavorados com a ideia de que sua casa é um antro de demônios. Foi essa crença funesta que causou tantos atos de atrocidades nos tempos da ignorância. Com um pouco mais de discernimento poder-se-ia ter pensado que ao queimar um corpo supostamente possuído pelo diabo não se queimava o próprio diabo. Desde que queriam livrar-se do diabo, este é que devia morrer. Esclarecendo-nos sobre a verdadeira causa de todos esses fenômenos, a doutrina espírita dá-lhe o golpe de misericórdia. Longe, pois, de fazer nascer tal ideia, deve-se combatê-la, caso exista, o que constitui um dever de moralidade e de humanidade.

Quando uma tal faculdade se desenvolve espontaneamente numa pessoa, deve deixar-se que o fenômeno siga o seu curso natural: a natureza é mais sábia que os homens; aliás a Providência tem seus pontos de vista e o mais humilde pode ser instrumento de grandes desígnios. Deve-se, porém, convir que o fenômeno por vezes adquire proporções fatigantes e importunas para todos. Ora, eis aqui, em todo caso, o que se deve fazer[1].

Partindo do princípio que as manifestações físicas espontâneas têm o objetivo de chamar a nossa atenção para qualquer coisa, é preciso procurar conhecer tal objetivo, para o que se deve interrogar o Ser invisível que deseja comunicar-se. A respeito demos uma explicação no capítulo das manifestações. Pode ele querer algo para si mesmo ou para a pessoa a quem se manifesta. Num caso, como no outro, é provável, conforme já dissemos, que se for atendido cessem as visitas. Aliás, eis um outro meio, como o precedente, baseado na observação dos fatos.

Os seres invisíveis, que revelam sua presença por efeitos sensíveis, geralmente são Espíritos de ordem inferior e que podem ser dominados pelo ascendente moral. É esse ascendente que devemos adquirir. Longe, pois, de nos mostrarmos submissos aos seus caprichos, devemos opor-lhes a vontade e obrigá-los a obedecer, o que não impede que condescendamos com todos os pedidos justos e legítimos que nos pudessem fazer. Aliás, tudo depende da natureza do Espírito que se comunica: pode ele ser inferior, mas benevolente, e vir com boas intenções. É disso que nos devemos assegurar e que facilmente reconheceremos pela natureza das comunicações. Mas não lhe perguntemos se é um bom Espírito, pois responderá afirmativamente quem quer que ele seja. Seria o mesmo que perguntar a um ladrão se é um homem de bem.

Para obter esse ascendente é necessário fazer o sensitivo passar do estado de médium natural ao de médium facultativo. Produz-se, então, um efeito semelhante ao que se dá no sonambulismo. Sabe-se que o sonambulismo natural geralmente cessa quando é substituído pelo sonambulismo magnético. Não se pára a faculdade emancipadora da alma: apenas se lhe dá outro curso. O mesmo acontece com a faculdade mediatriz. Para isto, em vez de entravar os fenômenos, o que raramente se consegue e que nem sempre está isento de perigo, é necessário excitar o médium a produzi-los à sua vontade, impondo-se ao Espírito. Por tal meio chega-se a dominá-lo; e de um denominador por vezes tirânico, fazemos um ser subordinado e até muito dócil. Um fato digno de observação, e justificado pela experiência, e que em semelhantes casos uma criança tem tanta e às vezes, mais autoridade que um adulto, prova nova, em apoio deste ponto capital da doutrina, que o Espírito só é criança pelo corpo e tem por si mesmo um desenvolvimento necessariamente anterior à sua encarnação atual, o qual lhe pode dar ascendente sobre os Espíritos que lhe sejam inferiores.



[1] Um dos mais extraordinários fatos dessa natureza, pela variedade e singularidade dos fenômenos, é incontestavelmente o que em 1852 ocorreu no Palatinato, Baviera Rhenana, em Bergzabern, perto de Wissenbourg. É tanto mais notável quanto reúne, mais ou menos, e no mesmo sensitivo, todos os gêneros de manifestações espontâneas: barulho de abalar a casa, derrubamento de móveis, lançamento de objetos à distância por mãos invisíveis, visões e aparições, sonambulismo, êxtase, catalepsia, atração elétrica, gritos e sons aéreos, instrumentos tocados sem contato, comunicações inteligentes, etc. E, o que não é de importância menor, a constatação desses fatos durante quase dois anos, por inúmeras testemunhas oculares, dignas de fé por seu saber e sua posição social. O relato autêntico foi publicado, na época, por vários jornais alemães e notadamente numa brochura hoje esgotada e muito rara. A sua tradução completa é encontrada na REVISTA ESPÍRITA de 1858, com os comentários e a explicação necessários. Tanto quanto saibamos, é a única publicação francesa feita a respeito. Além do palpitante interesse que se liga a esses fenômenos, são eles eminentemente instrutivos, do ponto de vista do estudo prático do Espiritismo.

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