Instruções práticas sobre as manifestações espíritas

Allan Kardec

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ESCALA ESPÍRITA

De todos os princípios fundamentais da doutrina espírita, um dos mais importantes é, incontestavelmente, aquele que estabelece as diferentes ordens de Espíritos. No começo das manifestações pensou-se que um ser, por isso mesmo que é Espírito, deveria ter a ciência infusa e a suprema sabedoria e muita gente se julgou de posse de meios infalíveis de adivinhação. Esse erro ocasionou muitos equívocos. Em breve a experiência demonstrou que o mundo invisível está longe de encerrar apenas Espíritos superiores: eles próprios nos informam que não são iguais nem em saber nem em moralidade, e que sua elevação depende do grau de perfeição a que tenham atingido. Traçaram eles os caracteres distintivos desses diversos graus que constituem o que denominamos a Escala Espírita. Desde logo a diversidade e as contradições de sua linguagem foram explicadas e se compreendeu que, entre os Espíritos, como entre os homens, para saber uma coisa não nos devemos dirigir ao primeiro que nos aparecer.

Dê-nos assim essa escala a chave de uma porção de fenômenos e anomalias aparentes, das quais seria difícil, quiçá impossível, darmo-nos conta sem o seu auxilio. Além disso ela nos interessa pessoalmente, porque, por nossa alma, pertencemos ao mundo espírita, no qual entramos ao deixar a vida corpórea e, ainda, porque ela nos mostra o caminho a seguir a fim de chegar à perfeição e ao supremo bem.

Do ponto de vista da ciência prática ela nos dá o meio de julgar os Espíritos que se apresentam nas manifestações e de apreciar o grau de confiança, que sua linguagem nos deve inspirar. Esse estudo requer uma observação atenta e constante: são precisos tempo e experiência para aprender a conhecer os homens; e não são necessários menos para aprender a conhecer os Espíritos.

A escala espírita compreende três ordens principais, indicadas pelos Espíritos e perfeitamente caracterizadas. Como essas ordens apresentam cada uma várias nuanças, nós as dividimos em várias classes designadas pelo caráter dominante dos Espíritos que delas fazem parte. Aliás essa classificação nada tem de absoluto: cada categoria só oferece um caráter marcante no seu conjunto; mas de um a outro grau a nuança se apaga, como nos reinos da natureza, como nas cores dei arco-íris ou, ainda, como nos vários períodos da vida. De vinte a quarenta anos o homem experimenta uma notável mudança. Aos vinte é um homem moço; aos quarenta, um homem feito. Mas entre essas duas fases da vida seria impossível estabelecer uma linha de demarcação e dizer onde termina uma e começa a outra. Dá-se o mesmo nos graus da escala espírita. Além disso observamos que os Espíritos não pertencem sempre e exclusivamente a esta ou àquela classe: seu progresso só se realiza gradualmente e, muitas vezes, mais num sentido do que no outro, com o que podem reunir caracteres de várias categorias, o que é fácil de reconhecer-se por sua linguagem e por suas ações.

Começamos a escala pelas ordens inferiores, por ser o ponto de partida dos Espíritos que se elevam gradativamente dos últimos aos primeiros postos.



TERCEIRA ORDEM – ESPÍRITOS IMPERFEITOS


Caracteres gerais – Predominância da matéria sobre o Espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as más paixões que lhes são consequentes.

Têm a intuição de Deus, mas não o compreendem.

Nem todos são essencialmente maus. Nalguns há mais leviandade, inconsequência e malícia do que verdadeira maldade. Uns nem fazem o bem nem o mal; mas denotam inferioridade pelo simples fato de não fazerem o bem. Outros, ao contrário, se comprazem no mal e ficam satisfeitos quando se lhes apresenta ocasião de o praticar.

A inteligência pode aliar-se à maldade ou à malícia. Todavia, seja qual for o seu desenvolvimento intelectual, suas ideias são pouco elevadas e seus sentimentos mais ou menos abjetos.

Seus conhecimentos sobre as coisas do mundo espírita são limitados e o pouco que sabem se confunde com as ideias e os preconceitos da vida corpórea. Não nos podem dar senão noções falsas e incompletas. Mas o observador atento sempre descobre em suas comunicações, mesmo imperfeitas, a confirmação das grandes verdades ensinadas pelos Espíritos superiores.

Seu caráter se revela pela linguagem. Todo Espírito que, em suas comunicações, trai um mau pensamento, pode ser catalogado na terceira ordem. Conseguintemente, todo mau pensamento que nos é sugerido vem de um Espírito desta ordem.

Eles veem a felicidade dos bons, o que lhes é um tormento incessante, pois experimentam todas as angústias produzidas pela inveja e pelo ciúme.

Conservam a lembrança e a percepção dos sofrimentos da vida corpórea e essa impressão é por vezes mais penosa que a realidade. Sofrem, pois, realmente os males que suportaram e os que causaram aos outros; e como sofrem muito tempo, creem sofrer sempre. Para os punir, quer Deus que pensem que é assim.

Podem ser divididos em quatro grupos principais[1].

Nona classe. ESPÍRITOS IMPUROS. São inclinados ao mal, que convertem em objeto de suas preocupações. Como Espíritos, dão pérfidos conselhos, insuflam a discórdia e a desconfiança e tomam todas as máscaras a fim de enganar melhor. Aferram-se às pessoas de caráter fraco, que cedem às suas sugestões, a fim de as arrastar à perdição, contentes de poderem retardar o seu progresso e de as fazer sucumbir nas provas por que passam.

Nas suas manifestações, reconhecemo-los pela linguagem; a trivialidade e a grosseria das expressões, entre os Espíritos como entre os homens, são sempre um índice de inferioridade moral, se não intelectual. Suas comunicações denotam a baixeza de suas inclinações; e se tentam enganar, falando de um modo sensato, não podem representar o papel por muito tempo: acabam sempre traindo a sua origem.

Certos povos fizeram deles divindades malfazejas; outros os designaram pelos nomes de demônios, gênios maus, Espíritos do mal.

Quando encarnados, animam criaturas inclinadas a todos os vícios gerados pelas paixões vis e degradantes: a sensualidade, a crueldade, a felonia, a hipocrisia, a cupidez e a avareza sórdida. Fazem o mal por prazer e o mais das vezes sem motivo, e por ódio ao bem; quase sempre escolhem suas vitimas entre as pessoas honestas. São flagelos para a humanidade, seja qual for sua posição social: o verniz da civilização não os isenta do opróbrio e da ignomínia.

Oitava classe. ESPÍRITOS LEVIANOS. São ignorantes, malévolos, inconsequentes e zombeteiros. Metem-se em tudo; a tudo respondem sem se preocuparem com a verdade. Comprazem-se em causar pequenas contrariedades e pequenos prazeres, em fazer intrigas e maliciosamente induzir em erro, por mistificações e por espertezas. A esta classe pertencem os Espíritos vulgarmente designados pelos nomes de duendes, diabretes, gnomos e trasgos. Estão sob a dependência de Espíritos superiores, que os empregam muitas vezes, como nós fazemos com os criados.

Em suas comunicações com os homens sua linguagem é, por vezes, espirituosa e faceta, mas quase sempre sem profundeza; apreendem as singularidades e os ridículos, que exprimem em traços mordazes e satíricos. Se tomam nomes supostos, fazem-no mais por malícia que por maldade.

Sétima classe. ESPÍRITOS PSEUDO-SÁBIOS. Seus conhecimentos são muito extensos, mas julgam saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado algum progresso sob vários pontos de vista, sua linguagem tem um caráter sério, que pode enganar quanto à sua capacidade e às suas luzes; o mais das vezes, entretanto, não passa de um reflexo dos preconceitos e das ideias sistemáticas da vida terrena; é uma mistura de verdades e de erros mais absurdos, em meio dos quais brotam a presunção, o orgulho, a inveja e a teimosia, de que se não puderam despojar.

Sexta classe. ESPÍRITOS NEUTROS. Nem são suficientemente bons para fazerem o bem, nem suficientemente maus para fazerem o mal; inclinam-se para um e para outro, não se elevam acima da vulgaridade humana, quer quanto ao moral, quer quanto à inteligência. Apegam-se às coisas deste mundo, de cujos prazeres grosseiros sentem saudades.



SEGUNDA ORDEM – BONS ESPÍRITOS


Caracteres gerais. Predominância do Espírito sobre a matéria; desejo do bem. Suas qualidades e seu poder de fazer o bem são proporcionais ao grau já atingido: uns tem ciência, outros sabedoria e bondade; os mais adiantados reúnem o saber às qualidades morais. Como se não acham ainda completamente desmaterializados, conservam mais ou menos os traços de sua existência corpórea, conforme a sua classe, quer na forma de linguagem, quer nos hábitos, onde se registram até, alguns de seus cacoetes. Se não fora isto seriam Espíritos perfeitos.

Compreendem Deus e o infinito e já desfrutam da felicidade dos bons. Sentem-se felizes pelo bem que fazem e pelo mal que impedem. O amor que os une é-lhes uma fonte inefável de felicidade, que não alteram nem a inveja, nem os remorsos, nem qualquer das paixões inferiores que atormentam os Espíritos imperfeitos. Mas todos têm ainda que passar por provas até atingirem a perfeição absoluta.

Como Espíritos sugerem bons pensamentos, desviam os homens do caminho do mal, protegem na vida àqueles que se tornam dignos e neutralizam a influência dos Espíritos imperfeitos sobre aqueles que se não comprazem em tais influências.

Quando encarnados são bons e benevolentes para com os seus semelhantes; não são movidos pelo orgulho, nem pelo egoísmo ou pela ambição; não experimentam nem ódio, nem rancor, nem inveja ou ciúme e fazem o bem pelo bem.

A esta ordem pertencem os Espíritos designados nas crenças vulgares como bons gênios, gênios protetores, Espírito do bem. Nos tempos de superstição e de ignorância foram transformados em divindades benfazejas.

Podem ser divididos em quatro grupos principais:

Quinta classe. ESPÍRITOS BENÉVOLOS. A bondade é-lhes a qualidade predominante; comprazem-se em prestar serviços aos homens e em os proteger; mas seu saber é limitado, e o progresso que realizam é mais no sentido moral que no intelectual.

Quarta classe. ESPÍRITOS SÁBIOS. O que os distingue é, especialmente, a extensão dos conhecimentos. Preocupam-se menos com as questões morais do que com as científicas, para as quais têm mais aptidão; mas só encaram a ciência do ponto de vista de sua utilidade e não a misturam com qualquer das paixões características dos Espíritos imperfeitos.

Terceira classe. ESPÍRITOS DE SABEDORIA. As qualidades morais de ordem mais elevada constituem seu caráter distintivo. Posto não tenham conhecimentos ilimitados, são dotados de uma capacidade intelectual que lhes permite um julgamento reto sobre os homens e as coisas.

Segunda classe. ESPÍRITOS SUPERIORES. Reúnem ciência, sabedoria e bondade. Sua linguagem só transpira benevolência: é sempre digna, elevada, por vezes sublime. Sua superioridade os torna, mais que os outros, aptos a nos darem as mais justas noções sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites de conhecimento permissíveis ao homem. Comunicam-se de boa vontade com os que de boa fé buscam a verdade e cuja alma seja bastante desprendida dos laços terrenos para a compreender; mas afastam-se dos que, são movidos pela curiosidade ou que, por influência da matéria, se desviam da prática do bem.

Quando, excepcionalmente, encarnam na Terra, vêm cumprir missão de progresso e, então, oferecem-nos o tipo da perfeição a que pode aqui aspirar a humanidade.


PRIMEIRA ORDEM – PUROS ESPÍRITOS


Caracteres gerais. Nula a influência da matéria. Superioridade intelectual e moral, em relação às outras ordens de Espíritos.

Primeira classe, classe única. Percorreram todos os degraus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo atingido a soma de perfeições de que é susceptível a criatura, não têm mais que passar por provas ou expiações. Não mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, vivem a vida eterna, que realizam no seio de Deus.

Gozam de uma felicidade inalterável, porque nem estão sujeitos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material; mas essa felicidade não é absolutamente uma ociosidade monótona, passada em perpétua contemplação. São os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para a manutenção do equilíbrio universal. Comandam a todos os Espíritos que lhes são inferiores, ajudam-nos a se aperfeiçoarem e lhes confiam missões. Para eles é suave ocupação ajudar e assistir aos homens em suas aflições, excitá-los ao bem e à expiação de sues faltas que os afastam da felicidade suprema. São, por vezes, designados como anjos, arcanjos ou serafins.

Os homens podem entrar com eles em comunicação; presunçoso, entretanto, seria aquele que pensasse em os ter constantemente às suas ordens.

Certas pessoas erroneamente os designam pelo nome de Espíritos incriados. Os Espíritos incriados existiriam, como Deus, de toda a eternidade. Ora, se no universo pudessem existir seres sem a vontade de Deus, Deus não seria todo-poderoso. Alguns Espíritos se serviram dessa expressão, mas não nesse sentido. Por ela entendiam os Espíritos que não mais se encanavam e que, sob esse ponto de vista, não mais serão criados como os homens. O termo é impróprio, porque dá lugar a uma falsa interpretação. Aí está o inconveniente de nos atermos à letra, sem perscrutar a ideia[2].





[1] Esta escala é a mesma dada em O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Ed. de "O Pensamento", por nós traduzida da 22ª edição. O leitor notará, entretanto, que entre as nove classes do presente volume e as dez classes do volume citado a única diferença é o aparecimento da classe dos ESPÍRITOS BATEDORES E PERTURBADORES, que ocupou o 6º lugar. Assim, houve uma alteração na numeração das classes, 9ª, 8ª, 7ª e 6ª, desta obra, que passaram, em O LIVRO DOS ESPÍRITOS, para 10ª, 9ª, 8ª e 7ª classes; introduziu-se a 6ª classe e as restantes classes mais elevadas ficaram inalteradas.

O fato se explica: Allan Kardec fez sucessivas ampliações em O LIVRO DOS ESPÍRITOS e só lhe deu caráter definitivo, que não mais se alterou, na 13ª edição. Foi antes disso que lançou a presente obra. Mas depois da edição de O LIVRO DOS ESPÍRITOS não mais reeditou As instruções. N. do T.



[2] Vide no vocabulário o verbete Anjo.

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