Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

Allan Kardec

Voltar ao Menu
A locução na reabertura das sessões da sociedade de Paris, a 6 de outubro de 1865


Senhores e caros colegas,

No momento de retomar o curso de nossos trabalhos, é para todos nós, e para mim em particular, uma grande satisfação encontrarmo-nos novamente reunidos. Sem dúvida vamos reencontrar nossos bons guias espirituais. Façamos votos para que, graças ao seu concurso, este ano seja fecundo em resultados. Ao ensejo, permiti-me dirigir-vos algumas palavras a propósito.

Depois de nossa separação, fez-se um grande alarido a propósito do Espiritismo. A bem dizer, só tive conhecimento no meu retorno, porque apenas alguns ecos chegaram ao meu retiro no meio das montanhas.

A respeito disso não entrarei em detalhes, hoje supérfluos e, quanto à minha apreciação pessoal, vós a conheceis, pelo que eu disse na Revista. Apenas acrescentarei uma palavra. É que tudo vem confirmar minha opinião sobre as consequências do que se passou. Sinto-me feliz por ver que tal apreciação é compartilhada pela grande maioria, senão pela unanimidade dos espíritas, do que tenho provas diárias em minha correspondência.

Um fato evidente ressalta da polêmica travada por ocasião dos irmãos Davenport: É a absoluta ignorância dos críticos em relação ao Espiritismo. A confusão que estabelecerem entre o Espiritismo sério e a charlatanice sem dúvida pode momentaneamente induzir algumas pessoas ao erro, mas é notório que a própria excentricidade de sua linguagem levou muita gente a indagar o que ele tem de justo, e grande foi sua surpresa ao encontrar coisas diversas dos golpes de mágica. Assim, o Espiritismo ganhará, como eu disse, por tornar-se mais conhecido e melhor apreciado. Essa circunstância, que está longe de ser filha do acaso, incontestavelmente apressará o desenvolvimento da doutrina. Pode-se dizer que é um golpe de gravata cujo alcance não tardará a se fazer sentir.

Ademais, em breve o Espiritismo entrará numa nova fase, que forçosamente chamará a atenção dos mais indiferentes, e o que acaba de acontecer aplanará os caminhos. Então realizar-se-á aquela palavra profética do padre D..., cuja comunicação citei na Revista: “Os literatos serão os vossos mais poderosos auxiliares.” Eles já são, involuntariamente, porém, mais tarde sê-lo-ão voluntariamente. Preparam-se circunstâncias que precipitarão esse resultado, e é com segurança que digo que neste últimos tempos os negócios do Espiritismo avançaram mais do que se poderia crer.

Desde nossa separação, eu soube muitas coisas, senhores. Não penseis que durante esta interrupção de nossos trabalhos comuns eu tenha ido gozar o dolce far niente. É verdade que não fui visitar Centros Espíritas, mas nem por isto vi menos e menos observei, e por isto mesmo, trabalhei muito.

Os acontecimentos marcham com rapidez, e como os trabalhos que me restam para terminar são consideráveis, devo apressar-me, a fim de estar pronto em tempo oportuno. Em presença da grandeza e da gravidade dos acontecimentos que tudo faz pressentir, os incidentes secundários são insignificantes; as questões pessoais passam, mas a coisas capitais ficam.

Assim, é preciso ligar às coisas uma importância apenas relativa e, pelo que pessoalmente me concerne, devo afastar de minhas preocupações o que é apenas secundário e que poderia retardar-me ou me desviar do objetivo principal. Este objetivo cada vez se desenha mais nitidamente, e o que aprendi nestes últimos tempos foram sobretudo os meios de atingi-lo mais seguramente e de superar os obstáculos.

Deus me guarde de ter a presunção de me julgar o único capaz, ou mais capaz do que qualquer outro, ou o único encarregado de realizar os desígnios da Providência. Não. Tal pensamento está longe de mim. Neste grande movimento renovador, tenho minha parte de ação. Assim, só falo do que me concerne; mas o que posso afirmar sem vã fanfarronada é que, no papel que me incumbe, não me faltarão coragem nem perseverança. Jamais fraquejei, mas hoje que vejo a rota iluminar-se com uma claridade maravilhosa, sinto as forças crescerem. Jamais duvidei, mas hoje, graças às novas luzes que a Deus aprouve dar-me, tenho certeza, e o digo a todos os nossos irmãos, com mais segurança do que nunca: Coragem e perseverança, porque um deslumbrante sucesso coroará os nossos esforços.

Malgrado o estado próspero do Espiritismo, seria abusar estranhamente crer que de agora em diante ele vai marchar sem obstáculos. Ao contrário, devemos esperar novas dificuldades e novas lutas. Assim, ainda teremos que atravessar momentos penosos, porque nossos adversários não se dão por vencidos e disputarão o terreno palmo a palmo. Mas é nos momentos críticos que se conhecem os corações sólidos, os devotamentos verdadeiros. É então que as convicções profundas se distinguem das crenças superficiais ou simuladas. Na paz não há mérito em ter coragem. Neste momento nossos chefes invisíveis contam os seus soldados e as dificuldades para eles são um meio de pôr em evidência aqueles sobre os quais podem apoiar-se. Também é para nós um meio de saber realmente quem está conosco ou contra nós.

A tática dos nossos adversários ─ não seria demais repeti-lo ─ é neste momento procurar dividir os adeptos, lançando inopinadamente os fachos da discórdia, excitando os desfalecimentos verdadeiros ou simulados; e, é preciso dizer, eles têm como auxiliares certos Espíritos que se veem perturbados pelo aparecimento de uma fé que deve religar os homens num sentimento comum de fraternidade. Assim, estas palavras de um de nossos guias são perfeitamente verdadeiras: O Espiritismo revoluciona o mundo visível e o mundo invisível.

Há algum tempo os nossos adversários têm em mira as sociedades e as reuniões espíritas, onde semeiam em profusão o fermento da discórdia e do ciúme. Homens de vista curta, enceguecidos pela paixão, julgam ter conquistado uma grande vitória, quando conseguiram causar algumas perturbações numa localidade, como se o Espiritismo estivesse enfeudado num lugar qualquer, ou encarnado em alguns indivíduos! Ele está em toda parte, na Terra e no espaço! O movimento não é dado pelos homens, mas pelos Espíritos prepostos por Deus. Ele é irresistível porque é providencial. Não é, pois, uma revolução humana que se possa deter pela força material. Assim, quem se julgará capaz de travá-lo atirando uma pedrinha debaixo da roda? Pigmeu na mão de Deus, ele será arrastado pelo turbilhão.

Que todos os Espíritos sinceros se unam, pois, numa santa comunhão de pensamentos, para enfrentar a tempestade; que todos os que estão penetrados da grandeza do objetivo ponham de lado as pueris questões secundárias; que façam calar as suscetibilidades do amor-próprio, para ver apenas a importância do resultado para o qual a Providência conduz a Humanidade.

Encaradas as coisas deste elevado ponto de vista, em que se torna a questão dos irmãos Davenport? Contudo, esta mesma circunstância, apesar de muito secundária, é um aviso salutar. Ela impõe deveres especiais a todos os espíritas, e a nós em particular. Como se sabe, o que falta aos que confundem o Espiritismo com a charlatanice é saber o que é o Espiritismo. Sem dúvida poderão sabê-lo pelos livros, quando se derem ao trabalho. Mas, que é a teoria ao lado da prática? Não basta dizer que a doutrina é bela; é necessário que os que a professam mostrem a sua aplicação. Cabe, pois, aos adeptos dedicados à causa, provar o que ela é, por sua maneira de agir, quer em particular, quer nas reuniões, evitando, com o máximo cuidado, tudo quanto pudesse dar margem à malevolência e produzir nos incrédulos uma impressão desfavorável. Quem quer que se encerre nos princípios da doutrina poderá ousadamente desafiar a crítica e jamais incorrerá na censura da autoridade, nem na severidade da lei.

Posta em evidência mais que qualquer outra, a Sociedade de Paris, sobretudo, deve dar o exemplo. Sentimo-nos todos felizes ao dizer que ela jamais faltou aos seus deveres e por termos constatado a boa impressão produzida por seu caráter eminentemente sério, pela gravidade e pelo recolhimento que presidem às suas reuniões. É um motivo a mais para ela evitar escrupulosamente até as aparências do que poderia comprometer a reputação que adquiriu. Incumbe a cada um de nós velar por isso, no próprio interesse da causa. É preciso que a qualidade de membro, ou de médium a lhe prestar concurso, seja um título de confiança e de consideração. Conto, pois, com a cooperação de todos os nossos colegas, cada um no limite de suas possibilidades. Não se deve perder de vista que as questões de pessoas devem apagar-se ante a questão do interesse geral. As circunstâncias em que vamos entrar são graves, repito, e cada um de nós terá sua missão, pequena ou grande. Por isso devemos pôr-nos em condições de cumpri-la, pois disso nos pedirão contas. Peço me perdoeis esta linguagem um pouco austera na retomada de nossos trabalhos, mas ela é imposta pelas circunstâncias.

Senhores, em nossa primeira reunião, um dos nossos colegas falta corporalmente à chamada. Durante nosso recesso, o Sr. Nant, pai de nossa boa e excelente espírita, a Sra. Breul, retornou ao mundo dos Espíritos, de onde, esperamos, terá a bondade de vir até nós. Em seus funerais, rendemos-lhe um justo tributo de simpatia, que julgamos dever renovar hoje e ficaremos felizes se dentro em breve ele tiver a bondade de dirigir-nos algumas palavras e, no futuro, juntar-se aos bons Espíritos que nos ajudam com seus conselhos. Peçamo-lhes, senhores, que tenham a bondade de continuarem a dar-nos a sua assistência.

TEXTOS RELACIONADOS

Mostrar itens relacionados

Utilizamos cookies para melhorar sua experiência. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.