Poesia pela Sra. Raquel de Navery
(Lida na Sociedade Espírita de Paris, à 27 de março de 1863)
OBSERVAÇÃO: Posto não tenhamos o hábito de publicar poesias que não sejam constatadas como mediúnicas, por certo os leitores serão gratos pela exceção, inspiração espontânea de uma pessoa que, até há pouco considerava as crenças espíritas como utopia.
Quando a mão da Morte, multiplicando seus golpes,
Em redor de nós o luto e o vácuo semeava,
A única expressão a ferir-nos o ouvido
Era: “Se na cova repousa um ser amado,“
A alma, libertada do cárcere do corpo,
“Rompeu os laços de pesado envoltório;“
E agora, voltando à fonte originária“
Desfruta a força e a luz de Deus.
“Um dia a encontrareis e então confundireis
“Com o amor terreno um amor imortal.”
Hoje já não é mais a remota esperança
Que lança sobre os males um incerto clarão;
Não é mais o futuro que nos traz nossos mortos:
Eles aí estão, junto a nós, ajudando os esforços,
Atentos aos nossos votos, sofrendo as nossas dores,
Mensageiros trazendo as santas esperanças,
Respondendo do alto a secretos pensares.
Suas mãos apertam as nossas; sua boca tem beijos
Mais consoladores e suaves, no seio de outra esferaJuntam ao amor a grandeza do mistério.
E quando os evocamos, enxames invisíveis,Insuflam clareza e tepidez em nosso peito.
Vêm! e para nós tudo muda e se colore;
De mundos desconhecidos a aurora pressentimos;
Um reflexo sideral ilumina-nos a fronte
E, curvados, de joelhos, mudos, nós adoramos
A majestade de Deus, por eles revelada.
Responde! Nós te ofendemos, ó eterna Sabedoria!
Quando santamente impelidos, rompem as nossas mãos
O céu que limitava o olhar das criaturas?
Vamos, seguidores de um espírito indócil,
Lacerar as páginas divinas do Evangelho? Não!
Homens convictos e de coração valente,
Fazemos, como ele, o que fez o Senhor:
Nós cremos. ─ Podemos operar milagres,
Fazer de nossos lares outros tantos cenáculos,
Chamar aquele Espírito, cujas línguas de fogo
Mudavam pescadores em apóstolos de Deus.
Dos quatro cantos do Céu, soprai, ventos celestes!
E afastai do nosso meio essas trevas funestas;
Espalhai claridade, ó candelabros de ouro;
E da arca sagrada clareai o tesouro!
Raios do Sinai! Arbusto de Horeb em fogo!
Poderosos Espíritos dos fortes, profetas e mulheres,
Espírito, sopro furtivo que Job sentiu passar
Nos pêlos de sua carne até os eriçar;
Vós todos que, consumindo as almas exaltadas,
Da turba amotinada fizestes tantos mártires,
Quando a Idade Média, com o atormentador,
Gerou o sanguinário monge inquisidor;
Vinde! Temos sede de ensinos estranhos;
Repelimos para sempre as roupas infantis;
Queremos outra linguagem para novas verdades
E não velhos sermões, discursos repetidos.
Marchamos à frente da multidão indolente.
E se a Verdade, com seus fachos ardentes
Nos devora e em mártires nos transforma
Morremos sorridentes e não a desmentimos.
Precedamos nosso tempo; busquemos como os Magos
O Deus oculto para as nossas homenagens.
Bem o sabemos, embora de nós digam:
“Poetas sonhadores, transformados em loucos!”
Seja! Porque o nome de que nos orgulhamos,
Foi dado a Jesus quando os seus servidores
Respiraram sobre o seu rosto e sobre as suas vestes
Lançaram o sublime emblema da branca túnica,
Disse Paulo: “Então a loucura é sabedoria!”
Procuremos com coragem, investiguemos sem cessar;
Perguntemos ao morto os segredos poderosos;
Despojemos nosso espírito da trave dos sentidos,
Do mundo cujas regras Deus a nós revela
E que nos muda ao renovar as águias!
Firmados no Direito, fortificados em seu poder,
A todos abriremos as portas do saber.
Um dia virá ─ e sua aurora se avizinha
─ Em que, farta de chorar, a Humanidade inteira,
Sabendo que temos para a sede em nossos corações,
A onda que sacia e não o fogo do pranto,
Virá nos repetir, num lamento profundo:
“Dai-nos a luz e a santa esperança;
“E com as vossas mãos, a unção da virtude,
“Que eleva a fronte para a Terra abatida.
“Aos olhos apagados pela poeira imunda,
“Fazei, súbito, luzir a claridade fecunda.
“Pronunciai o Epheta misterioso do Cristo!
“Transfigurai a carne submissa ao Espírito.
“Colocai-nos os vivos em meio às coortes
“Das aparições e das figuras mortas!
“Ah! Os sepulcros não são túmulos,
“Mas, sim, corações maus, mal pintados a cal.
“Os mortos ensinarão como devemos viver
“Para que possamos em Deus acompanhá-los”.
E nós, que do Senhor recebemos o favor
De na Terra viver em centro mais perfeito,
Os braços abriremos ao adepto submisso,
Em nome do Espiritismo!
Em nome do Evangelho!
RAOUL DE NAVERY