Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

Allan Kardec

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I - As idéias preconcebidas

Nós vos temos dito muitas vezes que examineis as comunicações que vos são dadas, submetendo-as à análise da razão, e que não tomeis sem exame as inspirações que vêm agitar o vosso espírito, sob a influência de causas por vezes muito difíceis de constatar pelos encarnados, submetidos a distrações sem número.

As ideias puras que, por assim dizer, flutuam no espaço (segundo a ideia platônica), levadas pelos Espíritos, nem sempre podem alojar-se sós e isoladas no cérebro dos vossos médiuns. Muitas vezes elas encontram o lugar ocupado por ideias preconcebidas que se escoam com o jacto de inspiração, que o perturbam e o transformam de maneira inconsciente, é certo, mas algumas vezes de maneira bastante profunda para que a ideia espiritual seja, assim, inteiramente desnaturada.

A inspiração encerra dois elementos: o pensamento e o calor fluídico destinado a aquecer o espírito do médium, dando-lhe o que chamais a verve da composição. Se a inspiração encontrar o lugar ocupado por uma ideia preconcebida, da qual o médium não pode ou não quer desligar-se, nosso pensamento fica sem intérprete, e o calor fluídico se gasta em aquecer um pensamento que não é o nosso. Quantas vezes, em vosso mundo egoísta e apaixonado, vimos trazer o calor e a ideia! Desdenhais a ideia, que vossa consciência deveria fazer-vos reconhecer, e vos apoderais do calor em proveito de vossas paixões terrestres, assim por vezes dilapidando o bem de Deus em proveito do mal. Assim, quantas contas terão que prestar um dia todos os advogados das causas perdidas!

Sem dúvida seria desejável que as boas inspirações pudessem dominar sempre as ideias preconcebidas, mas, então, nós entravaríamos o livre-arbítrio da vontade do homem, e este último escaparia, assim, à responsabilidade que lhe pertence. Mas se somos apenas os conselheiros auxiliares da Humanidade, quantas vezes nos temos que felicitar, quando nossa ideia, batendo à porta de uma consciência reta, triunfa da ideia preconcebida e modifica a convicção do inspirado! Contudo, não se deveria crer que nosso auxílio mal-empregado não traia um pouco o mau uso que dele podem fazer. A convicção sincera encontra acentos que, partidos do coração, chegam ao coração; a convicção simulada pode satisfazer a convicções apaixonadas, vibrando em uníssono com a primeira, mas carrega um frio particular, que deixa a consciência insatisfeita e denota uma origem duvidosa.

Quereis saber de onde vêm os dois elementos da inspiração medianímica? A resposta é fácil: a ideia vem do mundo extraterreno, é a inspiração própria do Espírito. Quanto ao calor fluídico da inspiração, nós o encontramos e o tomamos de vós mesmos; é a parte quintessenciada do fluido vital em emanação. Algumas vezes tomamo-la do próprio inspirado, quando este é dotado de um certo poder fluídico (ou medianímico, como dizeis); o mais das vezes nós o tomamos em seu ambiente, na emanação de benevolência de que ele está mais ou menos rodeado. É por isto que se pode dizer com razão que a simpatia torna eloquente.

Se refletirdes atentamente nestas causas, encontrareis a explicação de muitos fatos que a princípio causam admiração, mas dos quais cada um possui uma certa intuição. Só a ideia não bastaria ao homem, se não lhe dessem a força para exprimila. O calor é para a ideia o que o perispírito é para o Espírito, o que o vosso corpo é para a alma. Sem o corpo a alma seria impotente para agitar a matéria; sem o calor, ideia seria impotente para comover os corações.

A conclusão desta comunicação é que jamais deveis abdicar de vossa razão, no exame das inspirações que vos são submetidas. Quanto mais ideias adquiridas tem o médium, mais é ele susceptível de ideias preconcebidas; também mais deve fazer tábula rasa de seus próprios pensamentos, depositar as influências que o agitam e dar à sua consciência a abnegação necessária a uma boa comunicação.

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