Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

Allan Kardec

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O Patriarca José e o vidente de Zimmerwald

Um dos nossos assinantes de Paris escreve o que segue:

“Lendo o número da Revista Espírita de outubro, reportei-me a uma passagem da Bíblia que assinala um fato análogo à mediunidade do vidente da floresta de Zimmerwald. Ei-lo:

“Quando os irmãos de José saíram da cidade, como ainda tinham andado um pequeno trecho do caminho, José chamou o intendente de sua casa e lhe disse: Correi atrás daquelas pessoas; parai-as e dizei-lhes: Por que fizestes o mal pelo bem? ─ A taça que roubastes é aquela em que meu Senhor bebe, e da qual ele se serve para adivinhar. Fizestes uma ação muito má.

“Quando os irmãos de José foram trazidos à sua presença, ele lhes disse:

“Por que agistes assim comigo? Ignorais que ninguém me iguala na ciência de adivinhar as coisas ocultas?” (Gênesis, 44: 4, 5 e 15).

“O gênero de mediunidade que assinalais existia, pois, entre os Egípcios e os Judeus.”

C...

Advogado.


Com efeito, nada mais positivo. José possuía a arte de adivinhar, isto é, de ver as coisas ocultas, e se servia de uma taça de beber, como o vidente de Zimmerwald se serve de seu copo. Se a mediunidade é uma faculdade demoníaca, eis um dos personagens mais venerados da Antiguidade sagrada convicto de agir pelo demônio. Se agisse por Deus, e os nossos médiuns pelo demônio, então o demônio faz o mesmo que Deus, e, consequentemente, o iguala em poder. Admiram-se de ver homens graves sustentarem semelhante tese, que arruína sua própria doutrina.

Assim, o Espiritismo não descobriu nem inventou os médiuns, mas descobriu as leis da mediunidade, e a explica. Assim, é a verdadeira chave para a compreensão do Antigo e do Novo Testamento, onde abundam fatos desse gênero. Por falta dessa chave é que foram feitos tantos comentários contraditórios sobre as Escrituras, e que nada explicaram. A incredulidade ia crescendo incessantemente na direção desses fatos e invadia a própria Igreja. De agora em diante serão admitidos como fenômenos naturais, pois eles se repetem em nossos dias, por leis agora conhecidas. Então temos razão de dizer que o Espiritismo é uma ciência positiva, que destrói os últimos vestígios do maravilhoso.

Suponhamos que se tivessem perdido os livros dos Antigos, que nos explicam a teogonia pagã ou mitologia. Compreenderíamos hoje o sentido das inumeráveis inscrições que se descobrem diariamente, e que se referem mais ou menos diretamente a essas crenças? Compreenderíamos a finalidade, os motivos de estrutura da maior parte dos monumentos cujos restos contemplamos? Saberíamos o que representam a maioria das estátuas e baixos-relevos? Certamente não. Sem o conhecimento da Mitologia, todas as coisas para nós seriam letra morta, como a escritura cuneiforme e os hieróglifos egípcios. A Mitologia é, pois, a chave com o auxílio da qual reconstruímos a história do passado, por meio de um fragmento de pedra, como Cuvier, com um osso, reconstruía um animal antediluviano. Porque não mais acreditamos em fábulas das divindades pagãs, há que negligenciar ou desprezar a mitologia? Quem emitisse tal pensamento seria tratado de bárbaro.

Pois bem! O Espiritismo, como crença na existência e na manifestação das almas, como meio de com elas comunicar-se; o magnetismo, como meio de cura; o sonambulismo, como dupla vista, sendo muito espalhados na Antiguidade, se misturaram a todas as teogonias, mesmo à teogonia judaica, e mais tarde à cristã; aí se faz alusão a uma porção de monumentos e inscrições que nos restam. O Espiritismo, que abarca, ao mesmo tempo, o magnetismo e o sonambulismo, é um facho para a Arqueologia e para o estudo da Antiguidade. Estamos mesmo convencidos que é uma fonte fecunda para a compreensão dos hieróglifos, porque essas crenças eram muito espalhadas no Egito, e seu estudo fazia parte dos mistérios ocultos ao vulgo. Eis alguns fatos em apoio a esta asserção:

Um de nossos amigos, sábio arqueólogo que reside na África, e que é, ao mesmo tempo, um espírita esclarecido, encontrou, há alguns anos, nos arredores de Sétif, uma inscrição tumular cujo sentido era absolutamente ininteligível sem o conhecimento do Espiritismo.

Lembramo-nos de ter visto no Louvre, há bastante tempo, uma pintura egípcia que representava um indivíduo deitado e adormecido, e um outro de pé, com os braços e os dedos dirigidos para o primeiro, sobre o qual fixava o olhar, na exata atitude de um homem aplicando passes magnéticos. Dir-se-ia um desenho calcado na pequena vinheta que o Sr. Barão Dupotet punha outrora no frontispício do seu Journal du Magnetisme. Para qualquer magnetizador, não era possível engano quanto ao motivo desse quadro. Para quem quer que não tivesse conhecido o magnetismo, ele não tinha sentido. Só esse fato provaria, se não houvesse uma porção de outros, que os antigos Egípcios sabiam magnetizar, e que a isto se dedicavam mais ou menos como nós. Então isto fazia parte de seus costumes, porquanto se achava consagrado num monumento público. Sem o magnetismo moderno, que nos deu a chave de certas alegorias, não o saberíamos.

Uma outra pintura egípcia, igualmente no Louvre, representava uma múmia de pé, cercada de pequenas faixas; um corpo da mesma forma e tamanho, mas sem faixas, destacava-se a meio, como se saísse da múmia, e um outro indivíduo, posto à frente, parecia atraí-lo a si. Então não conhecíamos o Espiritismo e nos perguntávamos o que aquilo podia significar.

Hoje é claro que essa pintura alegórica representa a alma separando-se do corpo, mas conservando a aparência humana, e cujo desprendimento é facilitado pela ação de outra pessoa encarnada ou desencarnada, como nos ensina o Espiritismo.

Não creiais no Espiritismo, se não quiserdes. Admiti que seja uma quimera. Ninguém vo-lo impõe. Estudai-o como estudaríeis mitologia, a título se simples ensinamento, e rindo da credulidade humana, e vereis que horizontes ele vos abrirá, por pouco circunspectos que sejais.

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