O Sr. Ch. Renard, nosso assinante, de Rambouillet, dirigiu-nos a seguinte carta:
“Senhor e digno confrade no Espiritismo. Leio, ou melhor, devoro com
indizível satisfação os números de vossa Revista, à medida que os
recebo. Isto não é de admirar de minha parte, de vez que meus familiares
eram adivinhos, de geração em geração. Uma de minhas tetravós tinha até
sido condenada à fogueira, como contumaz no crime de Vauldrie e
frequentadora do
sabbat. Ela só evitou a
fogueira refugiando-se em casa de uma das irmãs, abadessa de religiosas
enclausuradas. Por isto herdei algumas migalhas de ciências ocultas, o
que não me impediu de passar pela crença no materialismo, se crença aí
existe, e pelo cepticismo. Enfim, fatigado, doente de negativismo, as
obras do célebre extático Swedenborg trouxeram-me à verdade e ao bem.
Tornando-me também extático, convenci-me
ad vivum das verdades que os Espíritos materializados do nosso globo não podem compreender.
Tive comunicações de toda sorte: fenômenos de visibilidade, de tangibilidade, de transporte de objetos perdidos, etc.
Teria o bom irmão a gentileza de publicar a nota que segue num dos
seus próximos números? Não é uma questão de amor-próprio, mas de minha
condição de francês.”
“Por vezes as pequenas causas produzem
grandes efeitos. Por volta de 1840 eu tinha travado relações com o Sr.
Cahagnet, torneiro e entalhador, que viera a Rambouillet por motivo de
saúde. Esse operário de alta classe pela inteligência foi por mim
apreciado e iniciado no magnetismo humano. Um dia eu lhe disse: Tenho
quase certeza de que um sonâmbulo lúcido é apto a ver as almas dos
mortos e com elas entrar em conversação. Ele ficou admirado. Induzi-o a
fazer tal experiência quando contasse com um sonâmbulo lúcido. Ele teve
êxito e publicou um primeiro volume de experiências necromânticas,
seguido de outros volumes e brochuras que na América foram traduzidos
com o título de
Telégrafo Celeste. Depois o
extático Davis publicou suas visões ou excursões pelo mundo espírita.
Sobre os desmaterializados, Franklin fez pesquisas que chegaram a
manifestações e a comunicações mais fáceis do que outrora. As primeiras
pessoas que ele mediunizou nos Estados Unidos foram a viúva Fox e suas
duas filhas. Há uma coincidência muito notável entre este nome e o meu,
pois o vocábulo Inglês
fox significa raposa
[1].
“De há muito que os Espíritos me haviam dito que era possível a
comunicação com Espíritos de outros globos, dos quais seriam recebidos
desenhos e descrições. Eu expus o assunto ao Sr. Cahagnet, mas ele não
foi mais longe do que o nosso satélite.
“Sou, etc.
CH. RENARD.”
OBSERVAÇÃO: O problema de prioridade, em matéria de Espiritismo, é
inquestionavelmente secundário. Mas não é menos notável que desde a
importação dos fenômenos americanos, uma porção de fatos autênticos,
ignorados do público, revelaram a produção de fenômenos semelhantes,
tanto na França quanto em outros países da Europa, na mesma época ou em
época anterior.
É de nosso conhecimento que muitas pessoas se
ocupavam de comunicações espíritas muito antes de se cogitar de mesas
girantes, e disso temos provas com data certa. Parece que o Sr. Renard
faz parte desse número e, segundo ele, as suas experiências não teriam
sido diferentes das que foram feitas na América. Registramos a sua
observação como interessante para a história do Espiritismo e para
provar mais uma vez que esta ciência tem raízes no mundo inteiro, o que
tira aos que lhe queiram opor uma barreira, qualquer possibilidade de
êxito. Se o abafam aqui, ele renascerá mais vivo em cem outros lugares,
exatamente no momento em que, já não sendo mais possível a dúvida, ele
há de conquistar um lugar entre as crenças comuns. Então, de bom grado
ou não, seus adversários terão que tomar o seu partido.