Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858

Allan Kardec

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Utilidades de certas evocações particulares.

As comunicações que se obtêm de Espíritos muito elevados ou dos que animaram grandes personagens da antiguidade são preciosas, pelo alto ensino que contêm. Esses Espíritos adquiriram um grau de perfeição que lhes permite abarcar uma esfera de ideias mais extensa; penetrar mistérios que ultrapassam o alcance vulgar da humanidade e, por conseguinte, melhor que outros, iniciar-nos em certas coisas. Não se segue daí que as comunicações de Espíritos de ordens menos elevadas sejam sem utilidade. Longe disto: o observador colhe nelas diversos ensinos. Para conhecer os costumes de um povo é preciso estudá-lo em todos os graus da escala. Quem só o tivesse visto por uma face, conhecê-lo-ia mal. A história de um povo não é a história de seus reis e das sumidades sociais. Para julgá-lo é preciso vê-lo em sua vida íntima, nos seus hábitos particulares. Ora, os Espíritos superiores são as sumidades do mundo espírita. Sua própria elevação os coloca de tal modo acima de nós que ficamos espantados pela distância que nos separa.

Espíritos mais burgueses — permitam-nos a expressão — tornam para nós mais palpáveis as condições de sua nova existência. Neles, a ligação entre a vida corporal e a vida espírita é mais íntima; nós a compreendemos melhor, pois nos toca mais de perto. Aprendendo através deles mesmos em que se tornaram, o que pensam, o que experimentam as pessoas de todas as condições e de todos os caracteres, tanto os homens de bem como os viciosos, tanto os grandes quanto os pequenos, os felizes como os infelizes do século, numa palavra, os homens que viveram entre nós, que vimos e conhecemos, cuja vida real nos é conhecida, como suas virtudes e seus caprichos, compreendemos suas alegrias e seus sofrimentos; a eles nos associamos e colhemos um ensino moral tanto mais proveitoso quanto mais íntimas as relações entre eles e nós. Pomo-nos mais facilmente no lugar daquele que foi igual a nós, do que no daqueles que vemos apenas através da miragem de uma glória celeste. Os Espíritos vulgares mostram-nos a aplicação prática das grandes e sublimes verdades, cuja teoria nos ensinam os Espíritos superiores. Ademais, no estudo de uma ciência nada há de inútil: Newton encontrou a lei das forças do universo num fenômeno simplíssimo.

Tais comunicações têm outra vantagem: a de constatar a identidade dos Espíritos de modo mais preciso. Quando um Espírito nos diz que foi Sócrates ou Platão, somos obrigados a crer sob palavra porque ele não traz carteira de identidade. Podemos ver em suas palavras se desmente ou não a origem que ele se atribui: julgamo-lo Espírito elevado, eis tudo. Se realmente foi Sócrates ou Platão, pouco importa. Mas quando o Espírito de nossos parentes, de nossos amigos ou daqueles que conhecemos se nos manifesta, ocorrem mil e uma circunstâncias de detalhes íntimos, nos quais a identidade não poderia ser posta em dúvida. Dessa forma obtemos, de certo modo, a prova material. Pensamos, pois, que nos agradecerão se fizermos, de vez em quando, algumas dessas evocações íntimas: é o romance dos costumes da vida espírita — sem a ficção.

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