Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858

Allan Kardec

Voltar ao Menu
O Constitutionel e o Patrie transcreveram, há algum tempo, o fato seguinte, retirado de jornais dos Estados Unidos:

“A pequena cidade de Lichtfield, no Kentucky, conta numerosos adeptos da doutrina do espiritualismo magnético. Um fato incrível, que acaba de se passar ali, por certo não dará pequena contribuição para o aumento dos partidários dessa religião nova.
“A família Park, composta de pai, mãe e três filhos já na idade da razão, estava fortemente imbuída das crenças espiritualistas. Em compensação, a Srta. Harris, irmã da Sra. Park, não acreditava absolutamente nos prodígios sobrenaturais de que cogitavam incessantemente. Isto era para toda a família um verdadeiro motivo de mágoa que mais de uma vez abalou a boa harmonia entre as duas irmãs.

“Há alguns dias a Sra. Park foi subitamente atingida por um mal que de início os médicos declararam não poder debelar. A paciente era vítima de alucinações e uma terrível febre a atormentava constantemente. A Srta. Harris passava todas as noites em claro. No quarto dia de sua doença, a Sra. Park sentou-se na cama, pediu água e começou a conversar com a irmã. Circunstância singular é que a febre havia desaparecido de repente; o pulso tornara-se regular e ela falava com a maior facilidade. Toda feliz, a Srta. Harris pensou que a irmã estivesse fora de perigo.

“Depois de haver falado de seu marido e dos filhos, a Sra. Park aproximou-se ainda mais da irmã e lhe disse:

“Pobre irmã, vou deixar-te. Sinto que a morte se aproxima. Mas, pelo menos a minha partida deste mundo servirá para te converter. Morrerei dentro de uma hora e serei enterrada amanhã. Evita com muito cuidado acompanhar meu corpo ao cemitério, porque meu Espírito, revestido de seus despojos mortais, aparecer-te-á antes que o ataúde seja coberto de terra. Então tu acreditarás no espiritualismo.”

“Acabando de pronunciar estas palavras, a doente deitou-se tranquilamente. Mas, uma hora depois, como havia anunciado, a Srta. Harris teve a dor de verificar que o coração de sua irmã havia deixado de pulsar.

“Vivamente emocionada pela espantosa coincidência entre este acontecimento e as palavras proféticas da defunta, resolveu seguir as ordens que lhe haviam sido dadas e no dia seguinte ficou em casa sozinha, enquanto todos se haviam encaminhado para o cemitério.

“Depois de haver fechado os postigos da câmara mortuária, sentou-se numa poltrona, perto da cama de onde acabara de sair o corpo de sua irmã.

“Apenas decorridos cinco minutos ─ contou mais tarde a Srta. Harris ─ vi como que uma nuvem branca destacar-se no fundo do quarto. Pouco a pouco a forma se desenhou melhor: era a de uma mulher, meio velada; aproximou-se lentamente de mim; percebi o ruído de passos leves no soalho; por fim meus olhos admirados se acharam em presença de minha irmã...

“Seu rosto, longe de possuir essa palidez mate que nos mortos impressiona tão penosamente, estava radiante. Suas mãos, cuja pressão bem senti sobre as minhas, tinham conservado todo o calor da vida. Fui como que transportada a uma esfera nova, por essa aparição maravilhosa. Supondo já pertencer ao mundo dos Espíritos, apalpei o meu peito e a minha cabeça, para me certificar de minha existência. Mas nada de penoso havia nesse êxtase.

“Depois de ter permanecido assim em minha frente durante alguns minutos, sorridente mas silenciosa, minha irmã pareceu fazer um violento esforço e me disse com voz suave:

“─ Já é tempo de eu partir. Meu anjo condutor espera-me. Adeus! Cumpri minha promessa. Crê e espera!”

“Acrescenta o Patrie: “O jornal de onde extraímos a notícia maravilhosa não nos diz se a Srta. Harris se converteu à doutrina espiritualista. Entretanto, nós o admitimos, porque muita gente se deixaria convencer por muito menos.” Acrescentamos, por nossa própria conta, que o relato nada tem que deva causar espanto àqueles que estudaram os efeitos e as causas dos fenômenos espíritas. Os fatos autênticos deste gênero são bastante numerosos e têm sua explicação no que dissemos a esse respeito em várias circunstâncias. Teremos oportunidade de narrar outros, vindos de menos longe do que este.

ALLAN KARDEC[1]

SOCIEDADE PARISIENSE DE ESTUDOS ESPÍRITAS NOVO REGULAMENTO
Tendo a Sociedade feito algumas modificações em seu regulamento, nós o remetemos anexo a este número da Revista, na versão atual. Doravante fica cancelado o exemplar que foi anexado ao número de maio, e que aqueles que o receberam deverão considerar nulo.


[1] Paris – Tipografia de Cosson & Cia., Rua do Four-Saint-Germain, 43.

TEXTOS RELACIONADOS

Mostrar itens relacionados

Utilizamos cookies para melhorar sua experiência. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.