Dissertações espíritas
As artes e o Espiritismo
(Paris, grupo Desliens, 25 de novembro de 1868 - Médium: Sr. Desliens)
Porventura já contou alguma época maior número de poetas, pintores, escultores, literatos, artistas de todos os gêneros? Houve jamais uma época em que a poesia, a pintura, a escultura, fosse que arte fosse, tenha sido acolhida com mais desdém? Tudo está no marasmo, e nada, a não ser o que se liga diretamente à fúria positivista do século, tem chance de ser apreciado favoravelmente.
Sem dúvida ainda há alguns amigos do belo, do grande, do verdadeiro, mas, ao lado, quantos profanadores, quer entre os executantes, quer entre os amadores! Não há mais pintores; só há fazedores! Não é a glória que se persegue; ela vem a passos muito lentos para a nossa geração de pessoas apressadas. Ver o renome e a auréola do talento a coroar uma existência em seu declínio, que é isto? Uma quimera, boa ao menos para os artistas do passado! Então eles tinham tempo para viver; hoje temos apenas o de gozar! Agora é preciso chegar, e prontamente, à fortuna. É preciso fazer um nome por uma feitura original, pela intriga, por todos os meios mais ou menos confessáveis com que a civilização cumula os povos que atingem um progresso imenso para o futuro ou uma decadência sem remissão.
Que importa se a celebridade conquistada desaparece com tanta rapidez quanto a existência do efêmero! Que importa a brevidade do brilho!... É uma eternidade se esse tempo bastou para adquirir fortuna, a chave dos prazeres e do dolce far niente!
É a luta corajosa com a provação que faz o talento; a luta com a fortuna o enerva e o mata!
Tudo cai, periclita, porque não há mais crença!
Pensais que o pintor crê em si mesmo? Sim, por vezes chega a isso, mas em geral não crê senão cegamente, senão no entusiasmo do público, e o aproveita até que um novo capricho venha transportar alhures a torrente de favores que nele penetrava!
Como fazer quadros religiosos ou mitológicos que sensibilizem e comovam, quando desapareceram as ideias que eles representam?
Tem-se talento, esculpe-se o mármore, dá-se-lhe a forma humana. Mas é sempre uma pedra fria e insensível; não há vida! Belas formas, mas não a centelha que cria a imortalidade.
Os mestres da Antiguidade fizeram deuses, porque acreditavam nesses deuses. Os escultores atuais, que neles não creem, fazem apenas homens. Mas venha a fé, mesmo que ilógica e sem um objetivo sério; ela gerará obras-primas, e se a razão os guiar, não haverá limites que ela não possa atingir! Campos imensos, completamente inexplorados, abrem-se à juventude atual, diante de todos aqueles que poderoso sentimento de convicção impele numa direção, seja ela qual for. Literatura, Arquitetura, Pintura, História, tudo receberá do aguilhão espírita o novo batismo de fogo necessário para dar energia e vitalidade à sociedade expirante, porque ela terá insculpido no coração daqueles que a aceitarem, um ardente amor pela Humanidade e uma fé inquebrantável em seu destino.
Um artista, DUCORNET.
A música espírita(Paris, grupo Desliens, 9 de dezembro de 1868 – Médium: Sr. Desliens.)
Recentemente, na sede da Sociedade Espírita de Paris, o presidente deu-me a honra de perguntar minha opinião sobre o estado atual da música e sobre as modificações que a ela poderia trazer a influência das crenças espíritas. Se não atendi imediatamente a esse benévolo e simpático apelo, crede, senhores, que só uma causa maior motivou a minha abstenção.
Os músicos, ah! são homens como os outros, talvez mais homens, e, a esse título, eles são falíveis e pecadores. Não fui isento de fraquezas, e se Deus me deu vida longa, a fim de me dar tempo de me arrepender, a embriaguez do sucesso, a complacência dos amigos, a adulação dos cortesãos muitas vezes me tiraram os meios. Um maestro é uma potência, neste mundo onde o prazer representa tão grande papel. Aquele cuja arte consiste em seduzir o ouvido, em enternecer o coração, vê muitas ciladas criadas sob seus passos e nelas cai, o infeliz! Ele embriaga-se com a embriaguez dos outros; os aplausos lhe tapam os ouvidos e ele vai direito ao abismo, sem procurar um ponto de apoio para resistir ao arrastamento.
Contudo, a despeito de meus erros, eu tinha fé em Deus. Eu cria na alma que vibrava em mim, e, desprendida de sua caixa sonora, ela prontamente se reconheceu em meio às harmonias da criação e confundiu sua prece com aquelas que se elevavam da Natureza ao infinito, da criatura ao ser incriado!...
Estou feliz pelo sentimento que provocou minha vinda entre os espíritas, porque foi a simpatia que a ditou, e se a princípio a curiosidade me atraiu, é ao meu reconhecimento que deveis minha apreciação da pergunta que foi feita. Eu lá estava, pronto para falar, crendo tudo saber, quando meu orgulho, caindo, desvelou minha ignorância. Fiquei mudo e escutei. Voltei, instruí-me e, quando às palavras acerca da verdade emitidas por vossos instrutores se juntaram a reflexão e a meditação, eu disse para mim mesmo: O grande maestro Rossini, o criador de tantas obras-primas, segundo os homens, ah! não fez senão debulhar algumas das pérolas menos perfeitas do escrínio musical criado pelo mestre dos maestros. Rossini juntou notas, compôs melodias, provou a taça que contém todas as harmonias; ele roubou algumas centelhas do fogo sagrado, mas esse fogo sagrado, nem ele criou, nem os outros! ─ Nós nada inventamos; nós copiamos do grande livro da Natureza e a multidão aplaude quando não deformamos muito a partitura.
Uma dissertação sobre a música celeste!... Quem poderia encarregar-se disso? Que Espírito sobre-humano poderia fazer vibrar a matéria em uníssono com essa arte encantadora? Que cérebro humano, que Espírito encarnado poderia captar as suas nuanças variadas ao infinito?... Quem possui a esse ponto o sentimento da harmonia?... Não, o homem não foi feito para tais condições!... Mais tarde!... Muito mais tarde!...
Enquanto se espera, talvez eu venha em breve satisfazer o vosso desejo e vos dar minha apreciação sobre o estado atual da música e vos dizer das transformações, dos progressos que o Espiritismo poderá aí introduzir.
Hoje ainda é muito cedo. O assunto é vasto, já o estudei, mas ele ainda está fora do meu alcance. Quando dele eu for senhor, se tal for possível, ou melhor, quando tiver entrevisto tanto quanto me permitir o estado do meu espírito, eu vos satisfarei. Ainda um pouco de tempo. Se só um músico pode bem falar da música do futuro, deve fazê-lo como mestre, e Rossini não quer falar como aprendiz.
ROSSINI.
Obsessões simuladas
Esta comunicação nos foi dada a propósito de uma senhora que deveria vir pedir conselhos para uma obsessão, e a respeito da qual tínhamos julgado que deveríamos previamente aconselhar-nos com os Espíritos.
“A piedade pelos que sofrem não deve excluir a prudência, e poderia ser uma imprudência estabelecer relações com todos os que se apresentam a vós, sob o império de uma obsessão real ou fingida. É ainda uma prova pela qual deverá passar o Espiritismo, e que lhe servirá para se desembaraçar de todos aqueles que, por sua natureza, embaraçariam o seu caminho. Troçaram, ridicularizaram os espíritas; quiseram amedrontar aqueles a quem a curiosidade atrai para vós, colocando-vos sob o patrocínio satânico. Nada disto teve êxito. Antes de se render, querem assestar uma última bateria que, como todas as outras, resultará em vosso proveito. Não mais podendo acusar-vos de contribuir para o aumento da alienação mental, enviar-vos-ão verdadeiros obsedados, diante dos quais esperam que fracasseis, e obsedados simulados, que vos será impossível curar de um mal imaginário. Tudo isto não retardará nenhum pouco o vosso progresso, mas com a condição de agir com prudência e de aconselhar aqueles que se ocupam dos tratamentos obsessionais a consultarem os seus guias, não só sobre a natureza do mal, mas sobre a realidade das obsessões que eles poderão ter que combater. Isto é importante, e aproveito a ideia que vos foi sugerida, de antes pedir um conselho, para vos recomendar a agir sempre assim no futuro.
“Quanto a essa senhora, ela é sincera e realmente sofredora, mas atualmente nada há que fazer por ela, senão aconselhá-la a pedir, pela prece, a calma e a resignação para suportar corajosamente a sua prova. Não são instruções dos Espíritos que lhe são necessárias; seria mesmo prudente afastá-la de toda ideia de correspondência com eles, e aconselhá-la a entregar-se totalmente aos cuidados da medicina oficial.”
Doutor DEMEURE.
OBSERVAÇÃO: Não é só contra as obsessões simuladas que é prudente se pôr em guarda, mas contra os pedidos de comunicações de todas as naturezas, evocações, conselhos de saúde etc., que poderiam ser armadilhas feitas à boa-fé, de que a malevolência poderia servir-se. Convém, pois, não aceder aos pedidos dessa natureza, senão com conhecimento de causa, e em relação a pessoas conhecidas ou devidamente recomendadas. Os adversários do Espiritismo veem com pesar o desenvolvimento que ele adquire, contrariamente às suas previsões. Eles aguardam e provocam ocasiões de pilhá-lo em falta, quer para acusá-lo, quer para expô-lo ao ridículo. Em semelhante caso, é melhor pecar por excesso de circunspecção do que por imprevidência.
ALLAN KARDEC.