Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858

Allan Kardec

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Segundo o Courrier des États-Unis, vários jornais relataram o fato que se segue e que nos pareceu fornecer matéria para um estudo interessante. Diz o Courrier des États-Unis:

“Uma família alemã de Baltimore acaba de ficar vivamente emocionada por um caso singular de morte aparente. Doente desde muito tempo, a Sra. Schwabenhaus parecia ter exalado o último suspiro na noite de segunda para terça-feira. As pessoas que dela cuidavam observaram todos os sintomas da morte: o corpo ficou gelado, os membros se enrijeceram. Depois de ter prestado ao cadáver os últimos cuidados e quando tudo na câmara mortuária estava preparado para o enterro, os assistentes foram repousar. Em breve os seguiu o Sr. Schwabenhaus, esgotado pela fadiga. Ele estava mergulhado num sono agitado quando, cerca de seis horas da manhã, feriulhe o ouvido a voz da esposa. A princípio julgou-se vítima de um sonho, mas o seu nome, repetido várias vezes, em breve não lhe deixou mais dúvida. Precipitou-se para o quarto da esposa, e aquela que havia sido deixada como morta estava sentada no leito, aparentemente gozando de todas as faculdades e mais forte do que jamais havia estado desde o começo da doença.

“A Sra. Schwabenhaus pediu água e depois quis tomar chá e vinho. Então, pediu ao marido que fosse acalentar a criança que chorava no quarto vizinho, mas ele, que estava muito emocionado para isso, correu a chamar todas as pessoas da casa. A doente acolheu sorridente os amigos e empregados que se aproximaram trêmulos do seu leito. Ela não parecia surpresa com o aparato funerário que lhe feria os olhos: ‘Eu sei que vocês pensavam que eu estivesse morta, disse ela; entretanto, eu estava apenas adormecida. Durante esse tempo minha alma foi transportada às regiões celestes. Um anjo veio buscar-me e em poucos instantes transpusemos o espaço. O anjo que me conduzia era a filhinha que perdemos no ano passado... Oh! em breve irei unir-me a ela... Agora que gozei as alegrias do céu, gostaria de não viver mais aqui. Pedi ao anjo para vir mais uma vez beijar meu marido e meus filhos, mas em breve ele virá buscar-me.’

“Às oito horas, depois de se haver ternamente despedido do marido, dos filhos e de uma porção de pessoas que a rodeavam, a Sra. Schwabenhaus expirou realmente, conforme foi constatado pelos médicos, de maneira a não deixar mais dúvida.”

“Esse fato comoveu vivamente a população de Baltimore”.

Evocado numa sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas no dia 27 de abril último, o Espírito da senhora Schwabenhaus manteve a seguinte conversa.

1. ─ Com o fito de nos instruirmos, queremos fazer algumas perguntas, relativamente à vossa morte.
─ Como não vos atender, agora que começo a perceber as verdades eternas e que sei das necessidades que tendes?

2. ─ Lembrais da circunstância particular que precedeu a vossa morte? ─ Sim. Foi aquele o mais feliz momento de minha existência terrena.

3. ─ Durante a vossa morte aparente ouvíeis o que se passava em torno e víeis o aparato dos funerais?
─ Minha alma estava muito preocupada com a sua felicidade próxima.

OBSERVAÇÃO: Sabe-se que em geral os letárgicos veem e ouvem o que se passa em volta de si e ao despertar conservam a lembrança. O fato que retratamos oferece a particularidade de ser o sono letárgico acompanhado de êxtase, o que explica o desvio da atenção da paciente.


4. ─ Tínheis consciência de não estar morta?
─ Sim, mas isto me era penoso.

5. ─ Podeis dizer-nos qual a diferença entre o sono natural e o sono letárgico?
─ O sono natural é o repouso do corpo; o letárgico é a exaltação da alma.

6. ─ Sofríeis durante a letargia? ─ Não.

7. ─ Como se operou vosso retorno à vida? ─ Deus permitiu que eu voltasse para consolar os corações aflitos que me rodeavam.

8. ─ Desejaríamos uma explicação mais material. ─ Aquilo a que chamais perispírito ainda animava o meu envoltório terrestre.

9. ─ Como é que não ficastes surpreendida, quando despertastes, com os preparativos que estavam sendo feitos para o vosso enterro? ─ Eu sabia que ia morrer. Aquilo tudo pouco me importava, pois eu havia entrevisto a felicidade dos eleitos.

10. ─ Voltando à consciência, ficastes satisfeita com a volta à vida? ─ Sim, para consolar.

11. ─ Onde estivestes durante o sono letárgico? ─ Não posso descrever a felicidade que experimentava. A linguagem humana não exprime essas coisas.

12. ─ Vós vos sentíeis ainda na Terra ou no espaço? ─ Nos espaços.

13. ─ Voltando a vós, dissestes que a filha que havíeis perdido no ano anterior vos tinha vindo buscar. É verdade? ─ Sim. Ela é um Espírito puro.

OBSERVAÇÃO: Nas respostas dessa mãe, tudo indica que ela era um Espírito elevado. Nada, pois, há que admirar que um Espírito ainda mais elevado se tivesse unido ao seu por simpatia. Contudo, não devemos tomar ao pé da letra a expressão Espírito Puro, que os Espíritos por vezes se dão mutuamente. Sabe-se que isto significa uma ordem mais elevada, pois os que se acham completamente desmaterializados e depurados não mais estão sujeitos à reencarnação: são anjos que desfrutam a vida eterna. Ora, os que não atingiram ainda um grau suficiente não compreendem esse estado supremo. Podem, pois, empregar a expressão Espírito Puro para designar uma superioridade relativa, não no sentido absoluto. Temos disto numerosos exemplos. A Sra. Schwabenhaus parece estar neste caso. Também os Espíritos zombadores, por vezes, se atribuem a qualidade de Espíritos Puros, a fim de inspirar mais confiança àqueles a quem desejam enganar e que não têm suficiente perspicácia para lhes julgar a linguagem, onde sempre traem a sua inferioridade.

14. ─ Que idade tinha essa criança quando morreu? ─ Sete anos.

15. ─ Como a reconhecestes? ─ Os Espíritos superiores se conhecem mais rapidamente.

16. ─ Vós a reconhecestes sob uma forma qualquer? ─ Só a vi como Espírito.

17. ─ O que ela vos dizia? ─ “Vem; segue-me para o Eterno”.

18. ─ Vistes outros Espíritos além do de vossa filha? ─ Vi uma porção de outros, mas a voz da minha filha e a felicidade que entrevia eram minhas únicas preocupações.

19. ─ Quando de vosso retorno à vida dissestes que em breve iríeis reencontrar vossa filha. Tínheis então consciência de vossa morte próxima? ─ Era-me uma esperança feliz.

20. ─ Como sabíeis? ─ Quem não sabe que tem de morrer? A doença bem mo dizia.

21. ─ Qual a causa de vossa doença? ─ Os desgostos.

22. ─ Que idade tínheis? ─ Quarenta e oito anos.

23. ─ Deixando a vida definitivamente, tivestes imediatamente consciência clara e lúcida de vossa nova condição? ─ Tive-a no momento da letargia.

24. ─ Experimentastes a perturbação que geralmente acompanha a volta à vida espírita? ─ Não. Eu estava deslumbrada, mas não perturbada.

OBSERVAÇÃO: Sabe-se que a perturbação que se segue à morte é tanto menor e menos duradoura quanto mais depurado em vida é o Espírito. O êxtase que precedeu a morte dessa senhora era, aliás, o primeiro desprendimento que a alma tinha dos laços terrenos.

25. ─ Depois da morte revistes a vossa filha? ─ Frequentemente estou com ela.

26. ─ Estais reunida a ela para toda a eternidade? ─ Não. Entretanto, sei que após minhas últimas encarnações estarei na morada onde habitam os Espíritos Puros.

27. ─ Então vossas provas não estão terminadas? ─ Não, mas agora elas serão felizes. Só me resta esperar, e a esperança é quase a felicidade.

28. ─ Vossa filha tinha habitado outros corpos antes daquele com o qual foi vossa filha? ─ Sim, em muitos outros.

29. ─ Sob que forma estais entre nós? ─ Sob minha última forma feminina.

30. ─ Vós nos vedes tão distintamente quanto se estivésseis viva? ─ Sim.

31. ─ Desde que aqui vos encontrais com a forma que tínheis na Terra, é pelos olhos que nos vedes? ─ Não, o Espírito não tem olhos. Só me encontro sob minha última forma para satisfazer às leis que regem os Espíritos quando evocados e obrigados a retomar aquilo a que chamais perispírito.

32. ─ Podeis ler os nossos pensamentos? ─ Sim, posso. Eu os lerei se vossos pensamentos forem bons.

33. ─ Agradecemos as explicações que tivestes a bondade de nos dar. Reconhecemos pela sabedoria de vossas respostas que sois um Espírito elevado e esperamos que venhais a gozar da felicidade que mereceis. ─ Sinto-me feliz por contribuir com a vossa obra. Morrer é uma alegria quando se pode colaborar com o progresso, como eu acabo de fazer.

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