I
Há um ponto sobre o qual creio dever chamar toda a vossa atenção. Quero falar das surdas manobras dos adversários do Espiritismo que, depois de tê-lo atacado abertamente e em vão, procuram atingi-lo pelas costas. É uma tática contra a qual é preciso que estejais prevenidos.
Como sabeis, combateram o Espiritismo por todos os meios possíveis; atacaram-no em nome da razão, da Ciência, da religião. Nada deu certo. Tentaram despejar-lhe o ridículo a mancheias, mas o ridículo deslizou sobre ele como a água sobre o mármore. Não foram mais felizes com a ameaça e a perseguição; se encontraram alguns caniços, também se defrontaram com carvalhos que não puderam dobrar, nem conseguiram abalar nenhuma convicção. Acreditais que seus inimigos já se renderam? Não! Restam-lhes ainda dois meios, os últimos que, esperamos, não lhes servirão melhor, graças ao bom senso e à vigilância de todos os verdadeiros espíritas, que saberão preservar-se dos inimigos internos como foram capazes de repelir os de fora.
Não tendo podido lançar o ridículo sobre o Espiritismo, invulnerável sob a égide de sua sublime moral, tentam agora ridicularizar os espíritas, isto é, provocar atos ridículos da parte de certos espíritas ou que como tais se apresentam, responsabilizando a todos pelos atos de alguns. O que desejariam, sobretudo, era poder vincular os nomes de espírita, Espiritismo e médium aos de charlatães, prestidigitadores, necromantes e ledores de sorte, e não lhes será difícil encontrar comparsas complacentes para os ajudar, empregando sinais místicos ou cabalísticos para justificar o que ousaram afirmar em certos jornais: que os espíritas se entregam às práticas da magia e da feitiçaria, e que suas reuniões são cenas repetidas do Sabá. À vista de um cartaz de saltimbanco, anunciando representações de médiuns americanos ou outros, como anuncia o Hércules do Norte, eles se regozijam e gritam dos telhados que o respeitável Espiritismo está reduzido a exibir-se nos teatros de feiras.
Por certo os verdadeiros espíritas jamais lhes darão essa satisfação, e as pessoas razoáveis saberão sempre estabelecer diferenças entre o sério e o burlesco, o que não significa que não devam precaver-se contra toda incitação que pudesse dar lugar à crítica. Em semelhante caso, é preciso evitar-se até mesmo as aparências. Um ponto capital que dá um desmentido formal a essas alegações da maledicência, é o desinteresse. Que dizer de pessoas que fazem tudo por nada e por devotamento? Como tratá-los de charlatães, se nada exigem? Como poderão dizer que vivem do Espiritismo, como outros vivem da sua profissão? que, consequentemente, não têm nenhum interesse na fraude, já que sua crença, ao contrário, é uma oportunidade para sacrifícios e abnegação? que não buscam nem honras, nem lucros? Repito-o: o desinteresse moral e material será sempre a resposta mais peremptória a dar aos detratores da Doutrina. Eis por que eles ficariam muito satisfeitos se pudessem encontrar pretextos para subtrair-lhes esse prestígio, ainda que tivessem de pagar a algumas pessoas para representarem uma comédia. Agir de outra forma será, pois, fornecer-lhes armas. Quereis a prova? Eis o que se lê num artigo do Courrier de l'Est, jornal de Bar-le-Duc, e que tiveram o cuidado de transcrever no Courrier du Lot, jornal de Cahors, e em várias outras folhas que só esperam a ocasião para poder criticar-nos:
"...O Espiritismo tem por partidários três classes bem distintas de indivíduos: os que dele vivem, os que com ele se divertem e os que nele creem. Magistrados, médicos, gente séria, têm assim suas pequenas imperfeições, inocentes para eles, mas muito menos para a classe dos indivíduos que vivem do Espiritismo. Os médiuns formam hoje uma categoria de industriais não registrados e que, no entanto, fazem comércio, um verdadeiro comércio, como passarei a vos explicar...''''
Segue um longo artigo temperado de piadas pouco espirituosas, descrevendo uma sessão a que o autor assistiu e na qual se encontra a passagem seguinte, referente a uma mãe que pedia uma comunicação de sua filha: "E a mesa se dirigiu para a infeliz mãe, que se contorcia em espasmos nervosos. Quando se refez de , sua emoção, lhe deram uma cópia da mensagem; o preço: vinte francos, o que não é excessivo, já que se trata das palavras de uma filha adorada!"
A se dar crédito ao autor do artigo, a sessão não se desenvolveu de maneira a exigir muito respeito e recolhimento, pois ele acrescenta:
"O senhor que interrogava os Espíritos não me pareceu tão digno quanto o comportava a situação dos interlocutores; não dava mais importância às suas funções do que se estivesse desossando um pernil de carneiro na mesa de um albergue de Batignolles."
O mais deplorável é que tenha podido dizer que viu estabelecerem preços para as manifestações; mas não podemos senão lamentá-lo por julgar uma obra por sua paródia. Aliás, é isso que faz a maioria dos críticos; depois dizem: já vi.
Esses abusos, como disse, são exceções, e exceções raras; se falo disto com insistência, é porque são fatos que dão ensejo à maledicência, quando não decorrem de calculada malevolência. Ademais, eles não poderiam propagar-se em meio a uma imensa maioria constituída por pessoas sérias, que compreendem a verdadeira missão do Espiritismo e das obrigações que ele impõe; sua essência comporta a dignidade e a gravidade; é, pois, para eles um dever declinar qualquer solidariedade com os abusos que o pudessem comprometer e deixar claro que não se fariam campeões de tais fatos, nem diante da justiça, nem perante a opinião pública.
Mas este não é o único escolho. Eu disse que os adversários têm uma outra tática para alcançar seus fins: semear a desunião entre os adeptos, atiçando o fogo das pequenas paixões, dos ciúmes e dos rancores; fazendo nascer cismas; suscitando causas de antagonismo e de rivalidade entre os grupos, a fim de fragmentá-los. E não creiais que sejam os inimigos confessos que agirão assim; estes se resguardarão! São os pretensos amigos da Doutrina e, muitas vezes, os aparentemente mais calorosos; muitas vezes mesmo, com habilidade, farão que amigos verdadeiros, mas fracos, tirem castanhas do fogo com as próprias mãos, amigos que eles ludibriaram e que agirão de boa-fé e sem desconfiança. Lembrai-vos de que a luta não acabou e que o inimigo está ainda à vossa porta; permanecei alerta, a fim de que ele não vos pegue em falta. Em caso de incerteza, tendes um farol que não vos pode enganar: a caridade, que nunca é equívoca. Considerai, pois, como sendo de origem suspeita todo conselho, toda insinuação que tendesse a semear entre vós os germes da discórdia, e a vos desviar do reto caminho que vos ensina a caridade em tudo e por todos.