IX
Como podemos explicar esta passagem do Evangelho: "Haverá falsos Cristos e falsos profetas que realizarão grandes prodígios e coisas espantosas, a ponto de seduzir, se fosse possível, os próprios eleitos?" Os detratores do Espiritismo fazem dessa passagem uma arma contra os espíritas e os médiuns.
Se fôssemos recolher nos Evangelhos todas as passagens que se constituem em condenação para os adversários do Espiritismo, delas faríamos um volume. E, pois, no mínimo imprudente quem levanta uma questão que lhe pode cair sobre a cabeça, principalmente quando todas as vantagens estão do lado do Espiritismo.
Antes de mais, nem os espíritas, nem os médiuns se fazem passar por Cristos ou profetas; declaram que não fazem milagres para impressionar os sentidos, e que todos os fenômenos tangíveis produzidos por sua influência são efeitos que entram nas leis da Natureza, o que não é o caráter dos milagres. Portanto, se tivessem querido usurpar os privilégios dos profetas, não se teriam guardado de privar-se do mais poderoso prestígio: o dom dos milagres. Dando a explicação desses fenômenos, que, sem isso, poderiam passar por sobrenaturais aos olhos do povo, eles matam a falsa ambição que, em seu proveito, poderiam explorar.
Suponhamos que um homem se atribua a qualidade de profeta. Ora, não será fazendo o que fazem os médiuns que o provará, e nenhum espírita esclarecido se deixará enganar por isso. A esse título o Sr. Home, se tivesse sido um charlatão e um ambicioso, poderia ter-se dado ares de enviado celestial. Qual é, afinal, o caráter do verdadeiro profeta? O verdadeiro profeta é um enviado de Deus para advertir ou esclarecer a Humanidade. Ora, um enviado de Deus só pode ser um Espírito Superior e, como homem, um homem de bem. Será reconhecido por seus atos, que trarão o cunho de sua superioridade, e pelas grandes coisas que realizará pelo bem e para. o bem, e que revelarão sua missão, sobretudo às gerações futuras, pois que, conduzido muitas vezes e sem o saber por uma força superior, quase sempre se ignora a si mesmo. Não será, pois, ele que se atribuirá essa qualidade: são os homens que o reconhecerão como tal, as mais das vezes após a sua morte.
Se, pois, um homem quisesse fazer-se passar pela encarnação de tal ou qual profeta, deveria prová-lo pela eminência de suas qualidades morais, que em nada deveriam ser inferiores às daquele cujo nome se atribui. Ora, esse papel não é fácil de ser sustentado e nem sempre é agradável, uma vez que pode impor penosas privações e duros sacrifícios, mesmo o da vida. Há, neste momento, espalhados pelo mundo, vários pretensos Elias, Jeremias, Ezequiéis e outros, que dificilmente se adaptariam à vida do deserto, e que acham muito cômodo viver a expensas de suas ingênuas vítimas, graças ao nome que tomaram indevidamente. Há mesmo vários Cristos, como houve vários Luíses XVII, aos quais não falta senão uma coisa: a caridade, a abnegação, a humildade, a eminente superioridade moral; numa palavra, todas as virtudes do Cristo. Se, como ele, não tivessem onde repousar a cabeça, mas apenas uma cruz diante de si, bem depressa abdicariam de uma realeza tão pouco vantajosa neste mundo. Pela obra se reconhece o obreiro; que, pois, os que quiserem colocar-se acima da Humanidade, disso se mostrem dignos, caso não queiram ter a sorte do gaio que se enfeitou com as penas de pavão, ou do asno que vestiu a pele do leão. Uma queda humilhante os espera neste mundo e um dissabor mais terrível no outro, pois é ali que o que se eleva será humilhado.
Suponhamos, agora, que um homem dotado de grande força mediúnica ou magnética queira atribuir-se o título de profeta ou de Cristo. Fará prodígios a ponto de seduzir os próprios eleitos, isto é, alguns homens bons e de boa-fé; daqueles terá a aparência, mas lhes terá as virtudes? Aí está a verdadeira pedra de toque.
O Espiritismo também diz: Desconfiai dos falsos profetas! pois lhes vem arrancar as máscaras. E preciso que se saiba que ele repudia todas as mistificações e não cobre com o seu manto nenhum abuso que se cometa em seu nome.