Senhores e caros colegas,
A Sociedade inicia seu sétimo ano, e essa duração não deixa de ter significação, quando se trata de uma ciência nova. Um fato que não é de menor importância é que ela seguiu constantemente uma marcha ascendente. Contudo, senhores, sabeis que é menos no sentido material que no sentido moral que se realizou o seu progresso. Não somente ela não abriu suas portas ao primeiro que apareceu, nem solicitou que dela fizesse parte quem quer que fosse, porém, mais visou circunscrever-se do que expandir-se indefinidamente.
O número dos membros ativos é, com efeito, uma questão secundária para toda sociedade que, como esta, não visa entesourar. Não são mantenedores que ela busca, por isso não se prende à quantidade. Assim o quer a natureza de seus trabalhos, exclusivamente científicos, para os quais são necessários a calma e o recolhimento, e não o movimento da multidão.
O sinal de prosperidade da Sociedade não está, pois, na cifra de seu pessoal, nem no seu encaixe. Está inteiramente na progressão de seus estudos, na consideração que conquistou, no ascendente moral que exerce lá fora, enfim, no número de adeptos que se ligam aos princípios que ela professa, mesmo sem dela fazerem parte.
A esse respeito, senhores, sabeis que o resultado ultrapassou todas as previsões. E, coisa notável, não é somente na França que ela exerce tal ascendente, mas no estrangeiro, porque, para os verdadeiros espíritas, todos os homens são irmãos, seja qual for a nação a que pertençam. A prova material disto tendes no número de sociedades e grupos que, de diversos países, vêm colocar-se sob o seu patrocínio e lhe pedir conselhos. Isto é um fato notório e tanto mais característico quanto essa convergência para ela se faz espontaneamente, porque não é menos notório que ela não o provocou nem o solicitou. É, pois, voluntariamente que se vêm colocar sob a bandeira que ela hasteou. A que se deve tudo isto? As causas são múltiplas. Não é inútil examiná-las, porque isto entra na história do Espiritismo.
Uma dessas causas vem naturalmente do fato de que, sendo a primeira regularmente constituída, ela também foi a primeira a alargar o círculo de seus estudos e abraçou todas as partes da ciência espírita. Quando o Espiritismo mal saía do período da curiosidade e das mesas girantes, ela entrou resolutamente no período filosófico, que, de certo modo, inaugurou. Por isso mesmo, logo de princípio, atraiu a atenção de pessoas sérias.
Mas isto para nada teria servido, se ela tivesse ficado alheia aos princípios ensinados pela generalidade dos Espíritos. Se ela tivesse professado apenas suas próprias ideias, jamais teria imposto essas ideias à imensa maioria dos adeptos de todos os países. A Sociedade representa os princípios formulados no Livro dos Espíritos, e sendo esses princípios ensinados por toda parte, muito naturalmente todos se ligaram ao centro de onde aqueles partiam, ao passo que aqueles que se colocaram fora desse centro ficaram isolados, por não encontrarem eco entre os Espíritos.
Repetirei aqui o que disse alhures, porque nunca seria demasiado repetir:
A força do Espiritismo não reside na opinião de um homem ou de um Espírito. Ela está na universalidade do ensino dado por estes últimos. O controle universal, como o sufrágio universal, resolverá no futuro todas as questões litigiosas. Ele estabelecerá a unidade da doutrina muito melhor que um concílio de homens. Ficai certos, senhores, que esse princípio abrirá seu caminho, como o Fora da caridade não há salvação, porque ele está embasado na mais rigorosa lógica e na abdicação da personalidade. Ele não poderá contrariar senão os adversários do Espiritismo, bem como aqueles que só têm fé em suas luzes pessoais.
A Sociedade de Paris conquistou a posição que ocupa porque jamais se afastou dessa via traçada pela razão sadia. As pessoas nela confiam porque sabem que ela não avança levianamente; que ela não impõe suas próprias ideias e que, por sua posição, mais do que ninguém, ela pode constatar o sentido em que se pronuncia aquilo que se pode justamente chamar o sufrágio universal dos Espíritos. Se algum dia ela se colocasse à margem da maioria, forçosamente deixaria de ser o ponto de ligação. O Espiritismo não cairia, porque ele tem seu ponto de apoio em toda parte, mas, não mais tendo o seu por toda a parte, a Sociedade cairia.
Com efeito, por sua natureza totalmente excepcional, o Espiritismo não repousa mais numa sociedade do que num indivíduo. A de Paris jamais disse: Fora de mim não há Espiritismo, pois assim ela deixaria de existir, ao passo que o Espiritismo não deixaria de seguir o seu curso, porque ele tem as suas raízes na inumerável multidão de intérpretes dos Espíritos no mundo inteiro, e não numa reunião qualquer, cuja existência é sempre eventual.
Os testemunhos que a Sociedade recebe provam que ela é estimada e considerada, e certamente é o de que mais se felicita. Se a primeira causa disso está na natureza de seus trabalhos, é justo acrescentar que ela o deve também ao bom conceito que levaram de suas sessões os numerosos estrangeiros que vieram visitála. A ordem, a dignidade, a seriedade, os sentimentos de fraternidade que eles viram aí reinar, melhor do que todas as palavras convenceram-nos de seu caráter eminentemente sério.
É essa, senhores, a posição que, como fundador da Sociedade, eu tratei de lhe assegurar. É também essa a razão pela qual jamais cedi a qualquer incitamento que tendesse a desviá-la do caminho da prudência. Deixei que falassem e agissem os impacientes de boa ou de má-fé. Sabeis o que eles se tornaram, ao passo que a Sociedade ainda está de pé.
A missão da Sociedade não é fazer adeptos por si mesma, por isso jamais convoca o público. O objetivo de seus trabalhos, como indica o seu nome, é o progresso da ciência espírita. Para isto ela aproveita não só as suas observações, mas também as que são feitas alhures. Ela recolhe documentos que lhe chegam de todos os lados, estuda-os, investiga-os, compara-os para lhes deduzir os princípios e tirar os ensinamentos que ela difunde, mas que não o faz levianamente. É assim que os seus trabalhos a todos beneficiam, e se eles adquiriram uma certa autoridade, é porque todos sabem que eles são feitos conscientemente, sem prevenção sistemática contra as pessoas ou as coisas.
Compreende-se, pois, que, para atingir tal objetivo, um número de membros mais ou menos considerável é indiferente. O resultado seria alcançado com uma dúzia de pessoas, tão bem ou ainda melhor do que com algumas centenas. Não tendo em vista nenhum interesse material, eis a razão pela qual ela não visa o número. Sendo o seu objetivo grave e sério, nada faz visando a curiosidade. Enfim, como os elementos da ciência nada lhe ensinariam de novo, ela não perde tempo repetindo o que já sabe. Como dissemos, seu papel é trabalhar pelo progresso da ciência, pelo estudo. Não é junto dela que aqueles que nada sabem vêm convencer-se, mas que os adeptos já iniciados vêm colher novas instruções. É este o seu verdadeiro caráter. O que lhe é preciso, o que lhe é indispensável, são relações amplas que lhe permitam ver do alto o movimento geral, para julgar o conjunto, a ele conformar-se e o dar a conhecer. Ora, ela possui tais relações, que vieram por si mesmas e que aumentam diariamente, como tendes provas pela correspondência.
O número de grupos que se formam sob os seus auspícios e solicitam o seu patrocínio pelos motivos dados acima, é o fato mais característico do ano social que acaba de passar. Este fato não só é muito honroso para a Sociedade, é, além disso, de uma importância capital, pois testemunha, ao mesmo tempo, a extensão da doutrina e o sentido no qual tende a estabelecer-se a unidade.
Os que nos conhecem sabem a natureza das relações existentes entre a Sociedade de Paris e as demais sociedades, mas é essencial que todo mundo o saiba, para evitar os equívocos a que as alegações da malevolência poderiam dar lugar. Portanto, não é supérfluo repetir que os espíritas não formam entre si nem uma congregação, nem uma associação; que entre as diversas sociedades não há nem solidariedade material nem filiação oculta ou ostensiva; que elas não obedecem a nenhuma palavra de ordem secreta; que aqueles que delas fazem parte são sempre livres para deixá-las, se isso lhes convém; que se elas não abrem as portas ao público, não é porque aí se passe nada de misterioso ou de oculto, mas porque elas não querem ser perturbadas pelos curiosos e importunos. Longe de agir na sombra, elas estão, ao contrário, sempre prontas a submeter-se às investigações da autoridade legal e às prescrições que lhes forem impostas. A de Paris tem sobre as outras apenas autoridade moral, devida à sua posição e aos seus estudos, e porque lha conferem. Ela dá os conselhos que reivindicam de sua experiência, mas não se impõe a nenhuma. A única palavra de ordem que ela dá, como senha entre os verdadeiros espíritas, e esta: Caridade para com todos, mesmo para com os inimigos. Assim, ela declinaria de toda solidariedade moral com aquelas que se afastassem desse princípio; que tivessem por móvel o interesse material; que em vez de manter a união e a boa harmonia, tendessem a semear a divisão entre os adeptos, porque, por isso mesmo, colocar-se-iam fora da doutrina.
A Sociedade de Paris não pode assumir a responsabilidade pelos abusos que, por ignorância ou por outras causas, possam fazer do Espiritismo. Ela não pretende, de forma alguma, cobrir com o seu manto aqueles que os cometem, nem pode nem deve tomar-lhes a defesa perante a autoridade, em caso de perseguição, porque isto seria aprovar o que a doutrina desaprova. Quando a crítica se dirige a tais abusos, não temos que refutá-la, mas apenas responder: Se vos désseis ao trabalho de estudar o Espiritismo, veríeis o que ele diz e não o acusaríeis daquilo que ele condena. Assim, cabe aos espíritas sinceros evitar cuidadosamente tudo quanto pudesse dar lugar a uma crítica fundada. Eles seguramente conseguirão isto mantendo-se nos preceitos da doutrina.
Não é por que uma reunião se intitula grupo, círculo ou sociedade espírita que necessariamente deve ter as nossas simpatias. A etiqueta jamais foi garantia absoluta da qualidade da mercadoria, mas, segundo a máxima “Conhece-se a árvore pelo seu fruto” nós a apreciamos em razão dos sentimentos que a animam, do móvel que a dirige e a julgamos por suas obras. A Sociedade de Paris se felicita quando pode inscrever na lista de seus aderentes, reuniões que oferecem todas as garantias desejáveis de ordem, de boas atitudes, de sinceridade, de devotamento e de abnegação pessoal, e que pode oferecê-las como modelos aos seus irmãos em crença.
A posição da Sociedade de Paris é, pois, exclusivamente moral, e ela jamais ambicionou outra. Aqueles dentre nossos antagonistas que pretendem que todos os espíritas são seus tributários; que ela enriquece às suas custas, arrancando-lhes dinheiro em seu proveito; que avaliam o seu lucro pelo número de adeptos, dão provas de notável má-fé ou da mais absoluta ignorância daquilo de que falam. Sem dúvida ela tem por si a sua consciência, mas têm, a mais, para confundir a impostura, os seus arquivos, que testemunharão sempre a verdade, no presente como no futuro.
Sem desígnio premeditado, e pela força das coisas, a Sociedade tornou-se um centro para onde convergem os ensinamentos de toda sorte concernentes ao Espiritismo. Ela se encontra, neste aspecto, numa situação que se pode dizer excepcional, pelos elementos que possui para assentar a sua opinião. Melhor do que ninguém, ela pode, pois, conhecer o estado real do progresso da doutrina em cada país, e apreciar as causas locais que podem favorecê-lo ou retardar-lhe o desenvolvimento. Essa estatística não será um dos elementos menos preciosos para a história do Espiritismo, ao mesmo tempo que permite estudar as manobras dos adversários e calcular a extensão dos golpes que vibram para derrubá-lo. Bastaria essa observação para permitir prever o resultado definitivo e inevitável da luta, como se julga o desfecho de uma batalha pelo movimento dos dois exércitos.
Pode-se dizer com inteira verdade que nesse particular estamos na primeira linha para observar, não só a tática dos homens, mas também a dos Espíritos. Vemos, com efeito, da parte destes, uma unidade de vistas e de plano sábia e providencialmente combinada, ante a qual forçosamente devem quebrar-se todos os esforços humanos, porque os Espíritos podem atingir os homens e feri-los, ao passo que escapam destes últimos. Como se vê, a partida é desigual.
A história do Espiritismo moderno será uma coisa realmente curiosa, porque será a da luta entre o mundo visível e o invisível. Os Antigos teriam dito: A guerra dos homens contra os deuses. Será também a dos fatos, mas, sobretudo e forçosamente, a dos homens que neles tiverem representado um papel ativo, num como noutro sentido, isto é, como verdadeiros sustentáculos ou como adversários da causa. É preciso que as gerações futuras saibam a quem deverão um justo tributo de reconhecimento. É preciso que consagrem a memória dos verdadeiros pioneiros da obra regeneradora, e que não haja glórias usurpadas.
O que dará a essa história um caráter particular é que, em vez de ser feita, como muitas outras, muitos anos ou séculos depois dos acontecimentos, com base nas tradições e nas lendas, ela se faz enquanto os fatos acontecem, e baseada em dados autênticos, dos quais nós possuímos, por uma correspondência incessante, vinda de todos os países onde se implanta a doutrina, o mais vasto e mais completo arquivo existente no mundo.
Sem dúvida o Espiritismo, em si mesmo, não pode ser atingido pelas mentirosas alegações de seus adversários, com cujo auxílio procuram fantasiá-lo. Elas poderiam, entretanto, dar uma falsa ideia de seus primórdios e de seus meios de ação, desnaturando os atos e o caráter dos homens que nele tiverem cooperado, se não se lhes desse a contrapartida oficial. Esses arquivos serão, para o futuro, a luz que espancará todas as dúvidas, uma mina onde os comentadores futuros poderão colher com certeza. Vedes, senhores, de que importância se reveste este trabalho, no interesse da verdade histórica. A nossa própria Sociedade nele está interessada, em razão da parte que toma no movimento.
Diz um provérbio: “Nobreza obriga.” A posição da Sociedade lhe impõe também as obrigações de conservar seu crédito e seu ascendente moral. A primeira é a de não se afastar, quanto à teoria, da linha seguida até hoje, pois que recolhe os seus frutos; a segunda está no bom exemplo que deve dar, justificando, pela prática, a excelência da doutrina que professa. Sabe-se que esse exemplo, provando a influência moralizadora do Espiritismo, é um poderoso elemento de propaganda, e, ao mesmo tempo, o melhor meio de fechar a boca dos detratores. Um incrédulo, que não conhecia senão a filosofia da doutrina, dizia que com tais princípios o espírita necessariamente deveria ser um homem de bem. Estas palavras são profundamente verdadeiras, mas, para serem completas, é preciso acrescentar que um verdadeiro espírita deve ser, necessariamente, bom e benevolente para com os seus semelhantes, isto é, praticar a caridade evangélica na sua mais larga acepção.
É a graça que todos devemos pedir que Deus nos conceda, tornando-nos dóceis aos conselhos dos bons Espíritos que nos assistem. Peçamos igualmente a eles que continuem nos protegendo durante o ano que se inicia, e que nos deem a força de nos tornarmos dignos deles. É o mais seguro meio de justificar e conservar a posição que a Sociedade conquistou.
A. K.