Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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Baltazar, o Espírito gastrônomo - 2ª Palestra

Um dos nossos assinantes, ao ler na Revista Espírita de novembro a evocação do Espírito que se deu a conhecer pelo nome de Baltazar, julgou reconhecer nele um homem que tinha conhecido pessoalmente, e cuja vida e caráter coincidiam perfeitamente com todos os detalhes referidos. Não duvidava que fosse o mesmo que se havia manifestado sob um nome de fantasia e nos pediu que nos certificássemos em nova evocação. Segundo ele, Baltazar não era outro senão o Sr. G... de la R..., conhecido por suas excentricidades, sua fortuna e seus gostos gastronômicos.

1. Evocação. ─ Ah! Eis-me aqui. Mas nunca tendes algo a me oferecer. Decididamente sois pouco amáveis.

2. ─ Quereis dizer o que vos poderíamos oferecer para vos ser agradáveis? ─ Oh! Pouca coisa: um chazinho; um jantarzinho muito fino, eu gostaria mais disso, e estas senhoras, sem contar os senhores aqui presentes, não o rejeitariam, haveis de concordar.

3. ─ Conhecestes um certo Sr. G... de la R...? ─ Creio que sois curiosos.

4. ─ Não; não é curiosidade; dizei, por favor, se o conhecestes. ─ Então quereis descobrir o meu incógnito.

5. ─ Assim, sois o Sr. G... de la R...? ─ Ora! Sim, sem almoço.

6. ─ Não fomos nós que descobrimos o incógnito. Foi um dos vossos amigos aqui presente. ─ É um palrador; deveria ter ficado calado.

7. ─ Em que isto vos pode aborrecer? ─ Em nada, mas eu preferia não ter sido reconhecido imediatamente. Dá no mesmo. Não esconderei meus gostos por isto. Se soubesses que jantares eu dava, concordarias que eram bons e tinham um valor que não mais se aprecia.

8. ─ Não, eu não sei. Mas falemos mais seriamente, por favor, e ponhamos de lado os jantares e ceias, que nada nos ensinam. Nosso objetivo é de nos instruirmos, e por isso vos pedimos dizer qual o sentimento que vos levou, no dia de vossa festa de formatura como advogado, a fazer vossos colegas jantarem numa sala decorada como uma câmara mortuária? ─ Não destacais, no meio de todas as minhas excentricidades de caráter, um fundo de tristeza causado pelos erros da Sociedade, sobretudo pelo orgulho daquela que eu frequentava e da qual fazia parte pelo nascimento e pela fortuna? Eu buscava atordoar meu coração por todas as loucuras imagináveis, e me chamavam louco, extravagante. Pouco me importava. Saindo dessas ceias tão gabadas por sua originalidade, eu corria a praticar uma boa ação que ignoravam, mas para mim dava na mesma: meu coração ficava satisfeito e os homens também. Eles riam de mim ao passo que eu me divertia às custas deles. Que direis dessa ceia em que cada convidado tinha seu esquife às costas! Seus rostos transtornados me divertiam muito. Assim, como vedes, era a loucura aparente unida à tristeza do coração.

9. ─ Qual a vossa opinião atual sobre a Divindade? ─ Eu não esperei deixar o corpo para crer em Deus. Acontece apenas que o corpo que tanto amei materializou meu Espírito a tal ponto que lhe será preciso muito tempo para quebrar todos os laços terrenos, todas os laços das paixões que o prendiam à Terra.

OBSERVAÇÃO: Vê-se que de um assunto aparentemente frívolo se podem tirar ensinamentos úteis. Não existe algo de eminentemente instrutivo nesse Espírito que, conservando no além instintos corporais, reconhece que o abuso das paixões de certo modo materializou o seu Espírito?

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