Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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A reencarnação (Pelo Sr. de Grand-Boulogne, médium)

Há na doutrina da reencarnação uma organização moral que não foge à tua compreensão.

Sendo somente a corporeidade compatível com os atos de virtude, e sendo esses atos necessários ao melhoramento do Espírito, raramente encontrará este, numa única existência, as circunstâncias necessárias ao seu progresso acima da Humanidade.

Considerando-se que a justiça de Deus é incompatível com as penas eternas, deve a razão concluir pela necessidade: 1.º ─ de um período de tempo, durante o qual o Espírito examina o seu passado e toma suas resoluções para o futuro; 2.º ─ de uma existência nova, em harmonia com a situação atual desse Espírito. Não falo dos suplícios, por vezes terríveis, a que são condenados certos Espíritos, durante o período da erraticidade; eles correspondem, por um lado, à enormidade da falta e, pelo outro, à justiça de Deus. Isto diz bastante, para prescindir de detalhes que encontrarás, aliás, no estudo das evocações. Voltemos às reencarnações e compreenderás a sua necessidade por uma comparação vulgar, mas plena de verdade.

Após um ano de estudos, o que acontece ao jovem colegial? Se progrediu, passa para a classe superior; se ficou estacionado em sua ignorância, repete o ano.

Vai mais longe. Supõe faltas graves: ele é expulso. Pode vagar de colégio em colégio; pode ser expulso da Universidade, ou ir da casa de educação à casa de correção. Eis a imagem fiel da sorte dos Espíritos, e nada satisfaz mais completamente à razão. Quer-se cavar a doutrina mais profundamente? Ver-se-á, nessas ideias, quanto a justiça de Deus parece mais perfeita e mais conforme às grandes verdades que dominam a nossa inteligência.

No conjunto, como nos detalhes, há nisso algo de tão empolgante que o Espírito que começa a iniciar-se fica como que iluminado. E as censuras feitas à Providência; e as maldições contra a dor; e o escândalo do vício feliz em face da virtude que sofre; e a morte prematura da criança; e, numa mesma família, deslumbrantes qualidades de mãos dadas, por assim dizer, com uma perversidade precoce; e as enfermidades que datam do berço; e a infinita diversidade de destinos, tanto dos indivíduos quanto dos povos, problemas até hoje insolúveis, enigmas que fizeram duvidar da bondade, e quase da existência de Deus, tudo isto se explica ao mesmo tempo. Um puro raio de luz se estende no horizonte da filosofia nova, e no seu regaço imenso agrupam-se harmoniosamente todas as condições da existência humana. As dificuldades se aplainam, os problemas se resolvem, e mistérios até hoje impenetráveis se resumem e se explicam nesta única palavra: reencarnação.

Leio em teu pensamento, caro cristão. Tu dizes: “Eis aí uma verdadeira heresia.

É demais!” Meu filho, não mais que a negação das penas eternas. Nenhum dogma prático é contrário a esta verdade. Que é a vida humana? O tempo durante o qual o Espírito fica unido a um corpo. Os filósofos cristãos, no dia marcado por Deus, não terão nenhuma dificuldade em dizer que a vida é múltipla. Isto não acrescenta nem muda nada nos vossos deveres. A moral cristã fica de pé e a lembrança da Missão de Jesus paira sempre sobre a Humanidade. A religião nada tem a temer de tal ensino, e não está longe o dia em que os seus ministros abrirão os olhos à luz. Reconhecerão por fim, na revelação nova, os socorros que, do fundo de suas basílicas, imploravam aos céus. Eles creem que a Sociedade vai perecer, mas ela será salva.

ZENON

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