Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1869

Allan Kardec

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Dissertações espíritas

Lamartine



(Sociedade espírita de Paris, 14 de março de 1869 - Médium: Sr. Leymarie)



Um amigo, um grande poeta, escrevia-me em dolorosa circunstância: “Ela é sempre vossa companheira, invisível, mas presente; perdestes a mulher, mas não a alma! Caro amigo, vivamos nos mortos!” Pensamento consolador, salutar, que reconforta na luta e faz pensar incessantemente nesta sucessão ascendente da matéria, nesta unidade na concepção de tudo o que é, neste maravilhoso e incomparável obreiro que, para a continuidade do progresso, liga o Espírito a esta matéria, por sua vez espiritualizada pela presença do elemento superior.

Não, minha bem-amada, não perdi tua alma, que vivia gloriosa, cintilante de todas as claridades do mundo invisível. Minha vida é um protesto vivo contra o flagelo ameaçador do ceticismo em suas múltiplas formas.

Ninguém, mais que eu, afirmou energicamente a personalidade divina e acreditou na personalidade humana, defendendo a liberdade. Se o sentimento do infinito estava desenvolvido em mim; se a presença divina palpita em páginas entusiásticas, é que eu devia desbravar a minha senda; é que eu vivia da presença de Deus, e essa fonte, jorrando incessantemente, sempre me fez crer no bem, no belo, na retidão, no devotamento, na honra do indivíduo e, mais ainda, na honra da nação, essa individualidade condensada. É que minha companheira era uma natureza de escol, forte e terna. Junto dela, compreendi a natureza da alma e suas íntimas relações com a estátua de carne, essa maravilha! Assim, meus estudos eram espiritualizados, por consequência fecundos e rápidos, voltando-se incessantemente para as formas do belo e a paixão das letras. Casei a ciência com o pensamento, para que, em mim, a Filosofia pudesse servir-se desses dois preciosos instrumentos poéticos.

Por vezes minha forma era abstrata e não estava ao alcance de todos; mas os pensadores sérios a adotaram; todos os grandes espíritos de meu tempo me abriram suas fileiras. A ortodoxia católica me olhava como uma ovelha fugindo do rebanho do pastor romano, sobretudo quando, levado pelos acontecimentos, partilhei a responsabilidade de uma revolução gloriosa.

Arrastado um momento pelas aspirações populares, por esse poderoso sopro de ideias comprimidas, eu não era mais o homem das grandes situações; eu tinha terminado a minha jornada e, para mim, no relógio do tempo, soavam as horas de lassidão e desencorajamento. Vi o meu calvário, e enquanto Lamartine o subia penosamente, os filhos desta França tão amada lhe cuspiam no rosto, sem respeito aos seus cabelos brancos, o ultraje, o desafio, a injúria.

Prova solene, senhores, na qual a alma se retempera e se retifica, porque o esquecimento é a morte, e a morte na Terra é o comércio com Deus, esse distribuidor judicioso de todas as forças!

Morri como cristão; tinha nascido na Igreja e parto diante dela! Há um ano, eu tinha uma profunda intuição. Falava pouco, mas viajava sem cessar pelas planícies etéreas, onde tudo se refunde sob o olhar do Senhor dos mundos; o problema da vida se desenrolava majestosamente, gloriosamente. Compreendi o pensamento de Swedenborg e da escola dos teósofos, de Fourier, de Jean Reynaud, de Henri Martin, de Victor Hugo, e o Espiritismo, que me era familiar, embora em contradição com os meus preconceitos e o meu nascimento, preparava-me para o desligamento, para a partida. A transição não foi penosa; como o pólen de uma flor, meu Espírito, levado por um turbilhão, encontrou a planta irmã. Como vós, eu a chamo de erraticidade, e para me fazer amar essa irmã desejada, minha mãe, minha esposa bem-amada, uma multidão de amigos e de invisíveis me cercavam como uma auréola luminosa. Mergulhado nesse fluido benéfico, meu Espírito se asserenava, como o corpo desse viajor do deserto que, após uma longa viagem sob um céu de chumbo e fogo, encontraria um banho generoso para seu corpo, uma fonte límpida e fresca para a sua sede ardente.

Alegrias inefáveis do céu sem limites, concertos de todas as harmonias, moléculas que repercutis os acordes da ciência divina, calor vivificante de suas impressões sem nome que a língua humana não poderia decifrar, bem-estar novo, renascimento, completa elasticidade, elétrica profundeza das certezas, similitudes das leis, calma cheia de grandeza, esferas que encerrais as Humanidades, oh! sede bem-vindas, emoções previstas, aumentadas indefinidamente de radiações do infinito!

Permutai vossas ideias, espíritas que acreditais em nós. Estudai nas fontes sempre novas do nosso ensino; firmai-vos, e que cada membro da família seja um apóstolo que fale, marche e se conduza com vontade, com a certeza de que não dais nada ao desconhecido. Sabei muito para que vossa inteligência se eleve. A ciência humana, reunida à ciência dos vossos auxiliares invisíveis, mas luminosos, vos fará senhores do futuro. Expulsareis a sombra para vir a nós, isto é, à luz, a Deus.

ALPHONSE DE LAMARTINE.


Charles Fourier



Um discípulo de Charles Fourier, que ao mesmo tempo é espírita, ultimamente nos dirigiu uma evocação com o pedido de solicitar uma resposta, se fosse possível, a fim de se esclarecer sobre certas questões. Tendo-nos parecido ambas instrutivas, transcrevemo-las a seguir.

(Paris, Grupo Desliens, 9 de março de 1869) “Irmão Fourier,

“Do alto da esfera ultramundana, se teu Espírito me pode ver e ouvir, eu te peço comunicar-te comigo, a fim de me fortalecer na convicção que tua admirável teoria dos quatro movimentos fez nascer em mim sobre a lei da harmonia universal, ou de me desenganar se tiveste a infelicidade, tu mesmo, de te enganares. ─ A ti, cujo gênio incomparável parece ter levantado a cortina que ocultava a Natureza, e cujo Espírito deve ser mais lúcido ainda do que era no mundo material, eu te peço que me digas se reconheces, no mundo dos Espíritos, como na Terra, que haja desmoronamento da ordem natural estabelecida por Deus, em nossa organização social; se as atrações passionais são realmente a alavanca de que Deus se serve para conduzir o homem ao seu verdadeiro destino; se a analogia é um meio seguro para descobrir a verdade.

“Peço-te que me digas, também, o que pensas das sociedades cooperativas que germinam de todos os lados na superfície do nosso globo. Se teu Espírito pode ler no pensamento do homem sincero, tu deves saber que a dúvida o torna infeliz; eis por que te suplico, de tua morada de além-túmulo, a bondade de fazer tudo quanto dependa de ti para me convencer.

“Recebe, nosso irmão, a certeza do respeito que devo à tua memória, e de minha maior veneração.”

J. G.

Resposta. ─ “É uma pergunta muito séria, caro irmão em crença, indagar de um homem se ele se enganou, quando um certo número de anos se passaram desde que ele expôs o sistema que melhor satisfazia às suas aspirações para o desconhecido! Enganei-me?... Quem não se enganou quando quis, apenas com as suas forças, levantar o véu que lhe ocultava o fogo sagrado?! Prometeu fez homens com esse fogo, mas a lei do progresso condenou esses homens às lutas físicas e morais. Eu fiz um sistema, destinado, como todos os sistemas, a viver um tempo, depois a transformar-se, a associar-se a novos elementos mais verdadeiros. Como vedes, há ideias como homens. Desde que elas nasceram, elas não morrem: elas se transformam. Grosseiras de início, envoltas na ganga da linguagem, encontram sucessivamente artesãos que as talham e as vão polindo cada vez mais, até que esse eixo informe se tenha tornado o diamante de brilho vivo, a pedra preciosa por excelência.

“Busquei conscienciosamente e achei muito. Apoiando-me nos princípios adquiridos, fiz avançar alguns passos o pensamento inteligente e regenerador. O que descobri era verdadeiro em princípio; falseei-o, ao querer aplicá-lo. Quis criar a série, estabelecer harmonias, mas essas séries, essas harmonias não necessitavam de criador; elas existiam desde o começo; eu não podia senão perturbá-las, querendo estabelecê-las sobre as pequenas bases de minha concepção, quando Deus lhes havia dado o Universo por laboratório gigantesco.

“Meu mais sério título, aquele que ignoram e talvez mais desdenhem, é ter partilhado com Jean Reynaud, Ballanche, Joseph de Maîstre e muitos outros, o pressentimento da verdade; é ter sonhado com essa regeneração humana pela provação, essa sucessão de existências reparadoras, essa comunicação do mundo livre e do mundo encadeado à matéria, que tendes a felicidade de tocar com o dedo. Nós tínhamos previsto e vós realizais o nosso sonho. Eis os nossos maiores títulos de glória, os únicos que, de minha parte, estimo e dos quais me lembro.

“Duvidais, dizeis vós, meu amigo! Tanto melhor, porque aquele que duvida verdadeiramente, procura, e aquele que procura, encontra. Procurai, pois, e se não depende senão de mim pôr a convicção em vossas mãos, contai com o meu concurso devotado. Mas escutai um conselho de amigo, que pus em prática em minha vida e no qual sempre me dei bem: “Se quiserdes uma demonstração séria de uma lei universal, buscai a sua aplicação individual. Quereis a verdade? Buscai-a em vós mesmo, e na observação dos fatos de vossa própria vida. Todos os elementos de prova aí estão. Que aquele que quer saber se examine, e encontrará.

“CH. FOURIER.”

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