Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1869

Allan Kardec

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Conferências sobre o Espiritismo

Sob o título O Espiritismo ante a Ciência tinha sido anunciada uma conferência pública, pelo Sr. Chevillard, na sala da Avenida dos Capucines para o dia 30 de janeiro último. Em que sentido devia falar o orador? É o que todo mundo ignorava.

O anúncio parecia prometer uma discussão ex-professo de todas as partes da questão. Contudo, o orador fez abstração completa da parte mais essencial, aquela que efetivamente constitui o Espiritismo: a parte filosófica e moral, sem a qual seguramente o Espiritismo não estaria hoje implantado em todas as partes do mundo, e não contaria seus adeptos por milhões. Desde 1855 já se abandonavam as mesas girantes; certamente se a isto se tivesse limitado o Espiritismo, há muito tempo não se falaria mais dele; sua rápida propagação data do momento em que nele se viu algo de sério e de útil, em que se entreviu um objetivo humanitário.

O orador limitou-se, então, ao exame de alguns fenômenos materiais, porque nem mesmo falou dos fenômenos espontâneos tão numerosos que se produzem fora de toda crença espírita. Ora, anunciar que se vai tratar de uma questão tão vasta, tão complexa nas suas aplicações e nas suas consequências e deter-se em alguns pontos de superfície, é absolutamente como se, sob o nome de Curso de Literatura, um professor se limitasse a explicar o alfabeto.

Talvez o Sr. Chevillard tenha dito para si mesmo: “Para que falar da doutrina filosófica? Considerando-se que essa doutrina se apoia na intervenção dos Espíritos, quando eu tiver provado que tal intervenção não existe, todo o resto esboroar-se-á.”

Quantos, antes do Sr. Chevillard, se gabaram de haver desferido o último golpe no Espiritismo, sem falar no inventor do famoso músculo que range, o doutor Jobert (de Lamballe) que mandava sem piedade todos os espíritas para o hospício e que, dois anos mais tarde, ele próprio morria numa casa de alienados! Contudo, malgrado todos esses fanfarrões, ferindo a punhal e espada, que pareciam não ter mais o que falar para reduzi-lo a pó, o Espiritismo viveu, cresceu e vive sempre, mais forte, mais vivaz do que nunca! Eis um fato que tem o seu valor. Quando uma ideia resiste a tantos ataques, é que algo mais existe.

Não se viram outrora cientistas esforçando-se por demonstrar que o movimento da Terra era impossível? E sem ir muito longe, este século não nos mostrou uma ilustre corporação declarar que a aplicação do vapor à navegação era uma quimera? Um livro curioso para ser editado seria a coletânea dos erros oficiais da Ciência. Isto é simplesmente para chegar à conclusão que quando uma coisa é verdadeira, ela avança a despeito de tudo, malgrado a opinião contrária dos sábios. Ora, se o Espiritismo avançou, apesar dos argumentos opostos pela alta e baixa ciência, há uma presunção em seu favor.

O Sr. Jobert (de Lamballe) tratava sem cerimônia todos os espíritas de charlatães e escroques. Há que render justiça ao Sr. Chevillard, que não os condena senão por se enganarem quanto à causa. Ademais, epítetos indecorosos, além de nada provarem, sempre denotam uma falta de cortesia, e teriam ficado muito deslocados num auditório onde necessariamente deveriam encontrar-se muitos espíritas. O púlpito evangélico é menos escrupuloso. Aí disseram muitas vezes: “Fugi dos espíritas como da peste e expulsai-os,” o que prova que o Espiritismo é alguma coisa, pois o temem, e porque não se dão tiros de canhão contra moscas.

O Sr. Chevillard não nega os fatos; ao contrário, ele os admite, pois os constatou. Apenas os explica à sua maneira. Traz ele pelo menos um argumento novo em apoio à sua tese? Pode-se julgar.

“Cada homem, diz ele, possui uma quantidade maior ou menor de eletricidade animal, que constitui o fluido nervoso. Esse fluido se desprende sob o império da vontade, do desejo de fazer mover uma mesa; ele penetra a mesa e a mesa se move; as pancadas na mesa não passam de descargas elétricas, provocadas pela concentração do pensamento.” Escrita mecânica: a mesma explicação.

Mas como explicar as pancadas nas paredes, sem a participação da vontade, na casa de pessoas que não sabem o que é o Espiritismo, ou nele não acreditam? Superabundância de eletricidade, que se desprende espontaneamente e produz descargas.

E as comunicações inteligentes? Reflexo do pensamento do médium.

E quando o médium obtém, pela tiptologia ou pela escrita, coisas que ele ignora? Sempre se sabe alguma coisa, e se não for o pensamento do médium, poderá ser o dos outros.

E quando um médium escreve inconscientemente coisas que lhe são pessoalmente desagradáveis, é o seu próprio pensamento? Deste fato, assim como de muitos outros, ele não cogita. Entretanto, uma teoria não pode ser verdadeira senão com a condição de resolver todas as fases de um problema. Se um só fato escapar à explicação, é que ela é falsa ou incompleta. Ora, de quantos fatos esta é impotente para dar a solução! Desejaríamos muito saber como o Sr. Chevillard explicaria, por exemplo, os fatos relatados acima, concernentes à Senhorita de Chilly, a aparição do jovem Edward Samuel, todos os incidentes do que se passou na Ilha Maurício. Como explicaria ele, pelo desprendimento da eletricidade, a escrita em pessoas que não sabem escrever? Pelo reflexo do pensamento, o caso daquela criada que escreveu, diante de toda uma sociedade: “Eu roubo a minha patroa?”

Em resumo, o Sr. Chevillard reconhece a existência dos fenômenos, o que já é alguma coisa, mas nega a intervenção dos Espíritos. Quanto à sua teoria, ela não oferece absolutamente nada de novo; é a repetição do que tem sido dito nos últimos quinze anos, sob todas as formas, sem que a ideia tenha prevalecido. Seria ele mais feliz que os seus predecessores? É o que o futuro provará.

É realmente curioso ver os expedientes a que recorrem os que querem tudo explicar sem os Espíritos! Em vez de irem direto ao que se apresenta diante deles na mais simples das formas, eles vão procurar causas tão embrulhadas, tão complicadas, que só para eles são inteligíveis. Eles deveriam, no mínimo, para completar sua teoria, dizer em que, na sua opinião, se tornam os Espíritos dos homens após a morte, pois isto interessa a todo mundo, e provar como é que esses Espíritos não podem manifestar-se aos vivos. É o que até agora ninguém fez, ao passo que o Espiritismo prova como eles podem fazê-lo.

Mas tudo isto é necessário. É preciso que todos esses sistemas se esgotem e mostrem sua impotência. Ademais, é fato notório que toda essa repercussão dada ao Espiritismo, todas as circunstâncias que o puseram em evidência, sempre lhe foram proveitosas; e, o que é digno de destaque, é que quanto mais violentos foram os ataques, mais ele progrediu. Não será necessário a todas as grandes ideias o batismo da perseguição, não bastasse o da zombaria? E por que ele não o vitimou? A razão é muito simples: É porque, fazendo-o dizer o contrário do que ele diz, apresentando-o oposto ao que ele é, corcunda quando é ereto, ele só terá a ganhar num exame sério e consciencioso, e aqueles que quiseram feri-lo, sempre golpearam à margem da verdade. (Vide Revista de fevereiro de 1869, Poder do ridículo).

Ora, quanto mais negras forem as cores sob as quais o apresentam, mais excitam a curiosidade. O partido que se aferrou em dizer que é o diabo fez muito bem, porque, entre os que ainda não tiveram ocasião de ver o diabo, muitos ficaram bem satisfeitos ao saber como ele é, e não o acharam tão negro como haviam dito. Dizei que numa praça de Paris há um monstro horrível que vai empestar toda a cidade, e todo mundo acorrerá para vê-lo. Não se viram autores mandarem publicar nos jornais, críticas contra as suas próprias obras, unicamente para que delas falassem? Tal foi o resultado das diatribes furibundas contra o Espiritismo. Elas provocaram o desejo de conhecê-lo e serviram-no mais do que o prejudicaram.

Falar do Espiritismo, não importa em que sentido, é fazer propaganda em seu proveito. Aí está a experiência para prová-lo. Deste ponto de vista, podemos felicitar-nos pela conferência do Sr. Chevillard. Mas, apressemo-nos em dizer, em louvor ao orador, que ele se fechou numa polêmica decente, leal e de bom gosto. Ele emitiu a sua opinião: é direito seu e, embora não seja a nossa, não temos de que nos lamentar. Mais tarde, sem dúvida nenhuma, quando chegar o momento oportuno, o Espiritismo também terá os seus oradores simpáticos. Apenas lhes recomendaremos que não caiam no erro dos adversários, isto é, que estudem a questão a fundo, a fim de não falar senão com perfeito conhecimento de causa.

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