Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

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A Condessa de Monte-Cristo

Sob este título, a Petite Presse publica um romance-folhetim, no qual se encontram as passagens seguintes, extraídas dos capítulos XXX e XXXI:

“Meu paraíso, querida mãe, dizia à Condessa de Monte Cristo a sua filha agonizante, será ficar junto a ti, perto de vós! sempre viva em vossos pensamentos, escutando-vos e vos respondendo, conversando baixinho com as vossas almas.

“Quando a flor embalsamar o jardim, e a levares aos teus lábios, estarei na flor e serei eu quem receberá o beijo! Também me farei o raio, o sopro que passa, o murmúrio que soa. O vento que agitar os teus cabelos será a minha carícia; o cheiro que dos lilases floridos se elevar para a tua janela será o meu hálito; o canto longínquo que te fará chorar será a minha voz.

. . . . . . . . . .

“─ Mãe, não blasfemes! Nada de cólera contra Deus! Vamos! Essas cóleras e essas blasfêmias nos separariam para sempre.

“Enquanto estiveres aqui embaixo, eu me farei tua companheira de exílio; mais tarde, porém, quando resignada às vontades do nosso Pai que está nos Céus, por tua vez terás fechado os olhos para não mais abri-los; então, por minha vez, estarei à tua cabeceira, esperando a tua libertação, e ébrios de uma alegria eterna, nossos dois corações, unidos para sempre, enlaçados para a eternidade, voarão num mesmo impulso para o céu clemente. Compreendes esta alegria, mãe? Jamais nos deixarmos, nos amarmos para sempre, para sempre? Formar, por assim dizer, ao mesmo tempo dois seres distintos e um só; ser tu e eu ao mesmo tempo? Amar e saber que se é amada, e que a medida do amor que se inspira é a mesma do que se experimenta?

“Aqui embaixo não nos conhecemos; eu te ignoro como tu me ignoras; entre nossos dois Espíritos nossos dois corpos constituem um obstáculo; nós não nos vemos senão confusamente através do véu da carne. Mas, lá no alto, leremos claramente no coração uma da outra. E saber a que ponto a gente se ama é o verdadeiro paraíso, vês?

“Ah! Todas estas promessas de felicidade mística e infinita, longe de acalmar as angústias de Helena, não faziam senão torná-las mais intensas, fazendo-a medir o valor do bem que ela ia perder.

“Entretanto, a intervalos, ao sopro dessas palavras inspiradas, a alma de Helena se evolava quase às alturas serenas onde planava a da Pippione. Suas lágrimas se estancavam, a calma voltava a seu seio desmoronado; parecia-lhe que seres invisíveis flutuavam no quarto, soprando a Blanche as palavras à medida que ela as pronunciava.

“A criança estava adormecida, e em seu sonho ela parecia conversar com alguém que não se via, escutar vozes que só ela ouvia, e lhes responder.

“De repente, um brusco tremor agitou seus membros frágeis, ela abriu largamente os grandes olhos e chamou sua mãe, que sonhava apoiada à janela.

“Ela aproximou-se do leito, e a Pippione tomou sua mão com a mão já úmida pelos últimos suores.

“─ Chegou o momento, disse ela. Esta noite é a última. Eles me chamam, eu os escuto! Eu queria muito ficar ainda, pobre mãe, mas não posso; a vontade deles é mais forte que a minha. Eles estão lá no alto e me fazem sinal.

“─ Loucura! exclamou Helena! visão! sonho! Tu morrer hoje, esta noite, entre os meus braços! Isto é possível?

“─ Não, morrer não, disse a Pippione: Nascer! Eu saio do sonho, em vez de nele entrar; o pesadelo acabou, eu desperto. Oh! Se tu soubesses como é bonito, e que luz brilha aqui, junto à qual o vosso sol não passa de uma mancha negra!

“Ela se deixou cair sobre os travesseiros, ficou um instante silenciosa, depois continuou:

“─ São poucos os instantes que tenho para passar ao vosso lado. Quero que todos estejais aqui para me dizer o que chamais um eterno adeus, e que não é, na realidade, senão um curto até logo. Todos, entendes bem? Primeiro tu, o bom doutor, Úrsula, e Cipriana, e José.

“Este nome foi pronunciado mais baixo que os outros; era o último suspiro, o último pesar humano da Pippione. A partir desse instante ela pertenceria inteiramente ao Céu.

.............................

“─ Era minha filha!

“─ Era!... repetiu com voz quase paternal o doutor Ozam, atraindo Helena para o seu peito. Era!... Agora não é mais... O que resta aqui? Um pouco de carne meio decomposta, nervos que não vibram mais, sangue que engrossa, olhos sem olhar, uma garganta sem voz, ouvidos que não mais escutam, um pouco de limo!

“Vossa filha, este cadáver no qual a Natureza fecunda já faz germinar a vida inferior que disseminará os seus elementos? ─ Vossa filha, este lodo que amanhã reverdecerá em erva, florescerá em rosas, e devolverá ao solo todas as forças vivas que dele tirou? Não, não. Isto não é a vossa filha! Isto não é senão a vestimenta delicada e encantadora que ela tinha criado para atravessar a nossa vida de provações, um andrajo que ela abandonou desdenhosa, como um vestido velho que se tira!

“Se quiserdes ter uma lembrança viva de vossa filha, pobre senhora, é preciso olhar alhures... e mais alto.

“─ Vós também credes nisto, doutor, perguntou ela, nessa outra vida? Diziam que éreis materialista.

“O doutor teve um suave sorriso irônico.

“─ Talvez eu o seja, mas não da maneira como o entendeis.

“Não é numa outra vida que eu creio, mas na vida eterna, na vida que não tem começo e que, por consequência, não terá fim. ─ Cada um dos seres, no começo igual aos outros, faz, por assim dizer, a educação de sua alma e aumenta as suas faculdades e o seu poder, na medida de seus méritos e de seus atos. Consequência imediata desta argumentação: essa alma mais perfeita agrega ao redor de si um envoltório igualmente mais perfeito. Depois, enfim, chega um dia em que esse envoltório não lhe basta mais, e então, como se diz, a alma rompe o corpo.

“Mas ela o rompe para encontrar um outro mais adequado às suas necessidades e qualidades novas? Onde? Quem sabe? Talvez num desses mundos superiores que brilham sobre as nossas cabeças, num mundo em que ela encontrará um corpo mais perfeito, dotado de órgãos mais sensíveis, por isto mesmo melhor e mais feliz!

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“Nós mesmos, seres perfeitos, desde o primeiro dia dotados de todos os sentidos que nos põem em relação com a Natureza exterior, de quantos esforços não necessitamos! Que trabalhos latentes não são necessários para que a criança se torne homem, o ser ignorante e fraco, rei da Terra! E, incessantemente, até à morte, os corajosos e os bons perseveram nesta vida árdua de trabalho; eles expandem a inteligência pelo estudo, o coração pelo devotamento. Eis o trabalho misterioso da crisálida humana, o trabalho pelo qual ela adquire o poder e o direito de romper o envoltório do corpo e planar com as asas.”

OBSERVAÇÃO: O autor, que até aqui tinha guardado o anonimato, é o Sr. du Boys, jovem escritor dramático. Por certas expressões quase textuais, vê-se que evidentemente ele se inspirou na Doutrina.

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