Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

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O fim do mundo em 1911

O fim do mundo em 1911, este é o título de uma pequena brochura de 58 páginas in-18, espalhada em Lyon com profusão, e que se acha naquela cidade na livraria Casa Josserand, na Praça Bellecourt, 3. Às considerações tiradas da concordância do estado atual das coisas com os sinais precursores anunciados no Evangelho, o autor acrescenta, conforme outra profecia, um cálculo cabalístico que fixa o fim do mundo para o ano 1911, nem mais nem menos, isto é, dentro de 43 anos, de sorte que, entre os vivos de hoje, mais de um será testemunha dessa grande catástrofe. Ora, aqui não se trata de uma figura: é o fim bem real, o aniquilamento da Terra, a dispersão de seus elementos e a destruição completa de seus habitantes. É lamentável que não seja indicada a maneira pela qual se realizará tal acontecimento; mas também é preciso deixar alguma coisa de imprevisto.

Será precedido pelo reino do Anticristo. Segundo esses mesmos cálculos, que não foram feitos por Arago, esse personagem nasceu em 1855 e deve viver 55 anos e meio; e como sua morte deve marcar o fim dos tempos, isto nos leva justo a 1911, a menos que tenha havido algum erro de cálculo, como para 1840.

Com efeito, lembramo-nos que o fim do mundo também tinha sido predito para o ano de 1840; acreditavam com tanta certeza, que era pregado nas igrejas, e o vimos anunciado em certos catecismos de Paris às crianças da primeira comunhão, o que não deixou de impressionar desagradavelmente alguns cérebros jovens. Como o melhor meio de salvar sua alma sempre foi dar dinheiro; despojar-se dos bens deste mundo, que são uma causa de perdição, foram feitos pedidos e provocadas doações com esse objetivo. Mas o Espírito do mal se mete por toda parte neste século de racionalistas e impele aos piores pensamentos. Nós ouvimos com nossos próprios ouvidos, alunos de catecismo fazendo a seguinte reflexão: “Se o fim do mundo chega no próximo ano, como nos asseguram, ele será tanto para os padres quanto para os outros. Então, para que lhes servirá o dinheiro que eles pedem?” Na verdade não há mais crianças, mas meninos terríveis.

Será mesmo no ano de 1911? A brochura em questão nos dá um meio certo de verificar, é o retrato do Anticristo, pelo qual será fácil reconhecer o original; ele é bastante característico para que não possa haver engano. Ele é traçado por um célebre profeta alemão, Holzauzer, nascido em 1613, e que escreveu um comentário sobre o Apocalipse.

Segundo Holzauzer, o Apocalipse não é senão a história da Igreja Católica, desde o seu nascimento até o fim do mundo, história que ele divide em sete épocas, figuradas, diz ele, pelas sete igrejas, às quais se dirige São João. Eis alguns dos traços mais característicos do Anticristo e dos acontecimentos que devem preceder a sua vinda:

“Tocamos neste momento o fim da quinta época. É então que chegarão essas espantosas desgraças anunciadas no Apocalipse, capítulo VIII. A peste, a guerra, a fome, os tremores de terra farão vítimas inumeráveis. Todos os povos se erguerão uns contra os outros; a guerra será geral na Europa; mas o incêndio rebentará primeiro na Alemanha...

“Depois dessas guerras formidáveis que ensanguentarão o mundo inteiro, o Protestantismo desaparecerá para sempre, e o império dos turcos esboroar-se-á. Será o começo da sexta idade.

“Os povos, esgotados por esses combates mortais, apavorados pelos horríveis flagelos que marcarão o fim da quinta época, voltarão ao culto do verdadeiro Deus. Saindo vitoriosa das inúmeras lutas que terá sustentado contra as heresias, a indiferença e a corrupção geral, a religião do Cristo reflorescerá mais brilhante que nunca. Jamais a Igreja Católica terá tido um triunfo tão brilhante. Seus ministros, modelos de todas as virtudes, percorrerão o mundo para fazer os homens ouvirem a palavra de Deus...

“Mas esse triunfo religioso terá curta duração. Abatido o vício, mas não aniquilado, pouco a pouco erguerá a cabeça e logo a corrupção, fazendo rápidos progressos, invadirá novamente todas as classes sociais e introduzir-se-á até no santuário. É então que se verá a abominação da desolação anunciada pelo profeta. O mundo inteiro não será mais que uma vasta sentina de vícios e de crimes de toda sorte. Assim terminará a sexta idade.

“Então virá à Terra aquele que os profetas e os Pais da Igreja designaram pelo nome de Anticristo.

“Pobre e desconhecido, viverá uma vida miserável durante sua infância e a primeira juventude. Educado por seu pai no estudo das ciências ocultas, a elas se entregará com furor e fará rápidos progressos. Dotado de inteligência pouco comum, de um espírito ardente e resoluto e de um caráter de ferro, ele mostrará, desde o berço, as mais violentas paixões. Reconhecendo nesse menino as temíveis qualidades daquele que deve um dia secundá-lo tão ardentemente em sua luta contra o gênero humano, Satã tremerá de alegria e pouco a pouco lhe transmitirá todo o seu poder.

“Todos aqueles que dele se aproximarem ficarão maravilhados com as suas palavras e ações. Encará-lo-ão como um menino predestinado a grandes coisas, e dirão que a mão do Senhor está estendida para protegê-lo e conduzi-lo.

“Pouco a pouco, ajudado pela renomada[1], e aumentando ainda as maravilhas atribuídas ao jovem chefe, o número de seus sectários tornar-se-á rapidamente muito considerável!...

Em breve, vendo-se à testa de um verdadeiro exército composto de homens devotados até à morte, ele não mais hesitará em tomar o título de rei. Durante algum tempo ocupar-se-á em organizar o seu poder e pôr um pouco de ordem entre os seus novos súditos, mas nada negligenciando, a fim de lhes aumentar o número. Não tendo nome de família, tomará o nome de Cristo, que os judeus já lhe terão dado...

“Crescendo sua ambição com a fortuna, formará, no seu orgulho, o desígnio de conquistar toda a Terra e submeter todos os povos às suas leis...

“Em alguns dias o Anticristo reunirá um exército imenso e ver-se-á esse novo Átila afogar a Europa sob as ondas de suas hordas bárbaras. Os exércitos inimigos, feridos de pavor à vista dos numerosos prodígios que ele fará, deixar-se-ão dispersar e aniquilar, sem mesmo tentar combater. Três grandes reinos serão conquistados sem um golpe. Seus soberanos expiarão nos mais cruéis suplícios a sua recusa à submissão, e os povos vencidos serão entregues sem piedade a todos os furores de uma soldadesca desenfreada. Aterrorizadas ao saber dessas bárbaras vinganças, as outras nações também se submeterão. Então a Terra inteira não formará mais que um só e vasto reino, que o Anticristo governará à vontade. Ele fará reconstruir, com uma incrível magnificência, a cidade de Jerusalém, e dela fará a sede de seu império...

“Arrastado por seu fatal destino, fará todos os esforços por destruir todas as religiões, e sobretudo a religião católica. Sob os restos do antigo culto, ele reconstruirá o edifício de um culto novo, do qual será, ao mesmo tempo, o sumo sacerdote e o ídolo. Essa nova religião em toda parte terá seus defensores e seus sacerdotes. Um dos mais encarniçados e mais terríveis, aquele que São João designou nos versículos 11, 12 e 13 do Capítulo XIII, como a besta de dois cornos semelhantes aos do carneiro, será o grande apóstata. Holzauzer o chama assim porque ele será um dos primeiros a renunciar ao Cristianismo para devotar-se com furor ao culto do Anticristo.

“Nesses tempos reinará sobre o trono de São Pedro um pontífice santo com o nome de Pedro. Ferido de dor à vista dessas terríveis desgraças, e prevendo os perigos terríveis que correrão os fiéis, ele enviará a toda a cristandade santas exortações para premunir cada um contra as seduções do Anticristo, cuja perfídia ele desvendará claramente. Furioso por essa resistência aberta e com a imensa influência de São Pedro, o grande apóstata entrará em Roma à frente de um exército e com suas próprias mãos matará o último sucessor de Pedro, sobre os próprios degraus do altar...

“Por toda parte as igrejas serão invadidas, os santuários violados, os objetos do culto profanados. Os livros santos serão queimados; a cruz e todos os símbolos de nossa augusta religião calcados aos pés e arrastados no pó. Os quadros e as estátuas expostas à veneração dos fiéis serão derrubados; em seu lugar elevar-se-á a estátua maldita do Anticristo. ─ E essa estátua falará, diz o profeta...

“E ver-se-ão homens instruídos e eloquentes pregando essa idolatria de um novo gênero, e numa linguagem brilhante e imaginosa exaltar os louvores daquele cuja estátua fala e faz milagres...

“Para ferir os olhos da multidão e subjugar as massas, o Anticristo realizará prodígios admiráveis. Ele transportará montanhas, andará sobre as águas e elevar-seá nos ares, todo resplandecente de glória. Fará aparecer ao mesmo tempo vários sóis, ou mergulhará a Terra na mais completa obscuridade. À sua voz, o raio cairá do céu, os rios suspenderão os seus cursos, as muralhas desabarão. Tornando-se invisível, ele irá de um lugar a outro com uma maravilhosa rapidez e mostrar-se-á em vários lugares ao mesmo tempo. Enfim, como dissemos, ele animará a sua imagem e lhe comunicará uma parte de seu poder. Mas todos esses prodígios não serão, na maioria, senão ilusões de óptica e o resultado de uma fantasmagoria diabólica. Não serão verdadeiros milagres, porque Satã, com toda a sua força, não poderia mudar as leis da Natureza...”

OBSERVAÇÃO: Se essas coisas não são milagres, na rigorosa acepção da palavra, não sabemos a que se pode dar este nome, e se são, na maioria, ilusões de óptica, essas ilusões se afastam singularmente das leis da Natureza, e elas próprias seriam milagres, porque jamais se viu o raio cair e as muralhas se esboroarem por efeito e óptica. O que ressalta de mais claro desta explicação é a dificuldade de distinguir os verdadeiros milagres dos falsos, e fazer, nos efeitos dessa natureza, a parte dos santos e a parte do diabo.

“Ao mesmo tempo que ferirá todos os Espíritos de espanto e de admiração, o Anticristo, para ganhar todos os corações, exibirá todas as exterioridades da mais austera virtude. Enquanto se entrega aos mais vergonhosos deboches no fundo do seu palácio, ele terá o ar de fazer crer em sua temperança e em sua castidade. Prodigalizando ouro e prata em seu redor, ele fará grandes bens aos pobres e não haverá em toda parte senão concertos de louvores por sua beneficência e sua caridade. Vê-lo-ão cada dia passar horas inteiras em prece no seu templo; numa palavra, ele cobrir-se-á com o manto da hipocrisia com tanta habilidade, que mesmo os seus mais fiéis servidores ficarão persuadidos de sua virtude e de sua santidade.”

“O Senhor, entretanto, não deixará seus filhos sem defesa e sem socorro durante esses tempos de provação. Enoc e Elias voltarão à Terra para aí pregar a palavra de Deus, sustentar a coragem dos fiéis e desvendar as imposturas dos falsos profetas. Durante mil duzentos e sessenta dias, ou três anos e meio, eles percorrerão o mundo, exortando todos os homens a fazer penitência e a voltar ao culto de Jesus Cristo. Eles oporão os verdadeiros milagres aos pretensos prodígios do Anticristo e de seus apóstolos... Mas depois que tiverem acabado o seu testemunho, a besta que sobe do abismo (o Anticristo) lhes fará guerra, os vencerá e os matará.”

OBSERVAÇÃO: Não se poderia afirmar mais claramente a reencarnação. Não É aqui uma aparência, uma ilusão de óptica, é precisamente a reencarnação em carne e osso, pois os dois profetas são mortos.

“Então o orgulho do Anticristo não conhecerá mais limites. Orgulhoso da vitória que acaba de conquistar sobre os dois profetas que enfrentavam tão impunemente o seu poder há três anos e meio, mandará construir um trono magnífico no Monte das Oliveiras e lá, cercado de uma legião de demônios transformados em anjos de luz, far-se-á adorar pela imensa multidão que será reunida para gozar de seu triunfo.

“Mas, chegado o vigésimo quinto dia, o corpo dos dois profetas, animado pelo sopro de Deus, ressuscitará, e eles subirão ao céu, brilhantes de glória, à vista da multidão espantada. Enceguecido pela cólera e pelo ódio, o Anticristo anunciará que vai subir ao céu e ali procurar seus inimigos e precipitá-los na Terra. Com efeito, partindo nas asas dos demônios que o cercam, elevar-se-á nos ares; mas nesse momento o céu abrir-se-á e o Filho do Homem aparecerá sobre uma nuvem luminosa. O Anticristo será precipitado do céu, com seu cortejo de demônios e, entreabrindo-se a Terra, descerá vivo para o inferno...

“Então o fim do mundo estará próximo. Não se escoarão mais anos, nem meses, mas poucos dias, último termo dado aos homens para fazer penitência. Os mais apavorantes prodígios suceder-se-ão sem trégua, até que o mundo inteiro pereça num imenso desmoronamento.

“Eis o que anuncia Holzauzer, e esta não é senão a explicação do que está contido no Apocalipse; é a doutrina de todos os Pais da Igreja, encerrada no Evangelho e nos atos dos apóstolos.”

OBSERVAÇÃO: Assim terminará, então, o mundo! Não é o sonho de um homem, é a doutrina de todos os Pais, que são a luz da Igreja. Aqueles dos nossos leitores que apenas têm uma ideia vaga do Anticristo, ficarão gratos por termos feito sua descrição, com alguns detalhes, conforme as autoridades competentes. Se não há senão quarenta e três anos à sua frente, não tardaremos a ver esse reino maravilhoso. Por esses sinais reconheceremos a aproximação da data fatal.

O que há de estranho nesse relato é o apagamento do poder de Deus e de sua Igreja diante do Anticristo. Com efeito, depois de um triunfo de curta duração, a Igreja sucumbe de novo, para não mais se erguer. A fé de seus ministros não é bastante grande para impedir a corrupção de introduzir-se até no santuário. Não está aí uma confissão ingênua de fraqueza e de impotência? São coisas que se pode pensar, mas é inépcia gritar de cima dos telhados.

Teria sido muito de admirar que o Espiritismo não tivesse encontrado lugar nessa predição. Com efeito, ele aí está indicado como um dos sinais dos tempos, e eis em que termos. Não é mais Holzauzer quem fala, é o autor da brochura:

“Mas eis que esses ruídos se precisam, que esses terrores que parecem quiméricos tomam consistência e se formulam nitidamente. O fim do mundo se aproxima, gritam de todos os lados! Na Europa, nos países católicos, recordam-se as velhas profecias que, todas, anunciam esse grande acontecimento para a nossa época...

“Não são senão os Espíritos batedores que dão alarme. Abri o Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, e lereis na primeira página, nos prolegômenos, as palavras seguintes: “Os Espíritos anunciam que os tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal estão chegados, e que sendo os ministros de Deus e os agentes de sua vontade, sua missão é instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade.”

OBSERVAÇÃO: Não vemos que anunciar a regeneração da Humanidade seja anunciar o seu fim. Estas duas ideias se contradizem. Em vez de dar o alarme, os Espíritos vêm trazer a esperança.

“E para começar, diz-nos o profeta Joel: Naqueles tempos a magia cobrirá toda a Terra, e ver-se-ão até as crianças de peito fazer coisas extraordinárias, e falar como pessoas grandes.”

“O Espiritismo, essa magia do século dezenove, invadiu o mundo. Há apenas alguns anos, na América, na Inglaterra, na França, fenômenos surpreendentes, incríveis, excitaram a curiosidade geral. Móveis inertes, animando-se à vontade dos operadores, entregavam-se às mais fantásticas evoluções, e respondiam sem hesitação às perguntas que lhes dirigiam. Buscou-se qual podia ser a causa inteligente desses efeitos inteligentes. As mesas responderam: São os Espíritos, as almas dos homens que a morte levou, que vêm comunicar-se com os vivos. Novos fenômenos se produziram. Ouviram-se como que golpes batidos nos móveis, nas paredes das casas; viram-se objetos movendo-se espontaneamente; ouviam-se vozes, sinfonias; viram-se mesmo aparições de pessoas mortas há muito tempo. Os prodígios se multiplicavam. Era preciso querer para ver; era preciso ver para ficar convencido.

“Em breve uma nova religião se organizou. Interrogados, os próprios Espíritos redigiram o código de sua nova doutrina. Foi, há que confessar, um sistema filosófico admiravelmente bem combinado sob todos os aspectos. Jamais o mais hábil sofista soube tão bem disfarçar a mentira e o paradoxo. Não podendo, sem desvendar sua origem e despertar suspeitas, quebrar de um golpe as ideias de Deus e de virtude, os Espíritos começam reconhecendo abertamente a existência de Deus, a necessidade desta virtude; mas fazem tão pouca diferença entre a sorte dos justos e a dos maus, que se é forçosamente levado por essas crenças, a satisfazer todas as suas paixões e a buscar na morte um refúgio contra a infelicidade. O crime e o suicídio são as duas consequências fatais desses princípios, que parecem, à primeira vista, marcados por uma moral tão bela e tão pura.

“Para explicar a anomalia dessas comunicações de além-túmulo, os Espíritos não puderam deixar de anunciar, como vimos, que os tempos marcados pela Providência haviam chegados; mas não querendo falar do fim do mundo, o que, absolutamente, não entrava em seu sistema, acrescentaram: para a regeneração universal da Humanidade.


OBSERVAÇÃO: Por uma singular coincidência, no mesmo dia, 24 de fevereiro, em que nos chegou esta brochura, que nos era enviada por um de nossos correspondentes de Lyon, e no momento em que líamos estes últimos parágrafos, recebíamos dos arredores de Boulogne-sur-Mer uma carta da qual extraímos as seguintes passagens:

“É do fundo de um vale obscuro do Boulonais que vos vêm estas poucas palavras, reflexos de uma existência sofredora, porque o Espiritismo penetra por toda parte, para espalhar a luz e as consolações. Pessoalmente, quanto alívio não lhe devo, bem como a vós, senhor, que sois o seu dispensador!

“Nascido de pais muito pobres, carregados de oito filhos, dos quais sou o mais velho, ah! até agora não ganhei o meu pão, embora tenha vinte e nove anos, pela debilidade de minha constituição. Juntai a isto uma propensão inata para o orgulho, a vaidade, a violência etc., e julgai o que tive de suportar de males, na minha miserável condição, antes que o Espiritismo tivesse vindo explicar-me o enigma de meu destino. Estava no ponto em que tinha, por mim, resolvido suicidar-me.

“Para isto, para acalmar as minhas apreensões e as censuras de minha consciência, eu me tinha dito, na minha fé católica: Ferir-me-ei com um golpe que, sendo mortal, não me fará morrer instantaneamente, e me deixará dispor de alguns instantes de vida, bastante para que tenha a possibilidade de me confessar, comungar e de manifestar o meu arrependimento; numa palavra, de me pôr em estado de me assegurar uma vida feliz no outro mundo, escapando aos males deste.

“Meu raciocínio era muito absurdo, não acha, senhor? E contudo não era consequente com o dogma que nos afirma que todo pecado, todo crime mesmo, é apagado pela simples confissão feita a um padre que dá a absolvição?

“Agora, graças ao conhecimento do Espiritismo, semelhantes ideias estão para sempre banidas de meu pensamento; entretanto, quanta imperfeição ainda me resta a despojar!”

Assim, o Espiritismo impediu um ato, um crime que teria sido cometido, não na ausência de toda a fé, mas antes, diz a pessoa, por uma consequência de sua própria fé católica. Neste caso, qual foi a mais poderosa para impedir o mal? Esse jovem será danado por ter seguido o impulso do Espiritismo, obra do demônio, segundo o autor da brochura, e teria sido salvo, suicidando-se, mas tendo recebido, antes de morrer, a absolvição de um padre? Que, com a mão na consciência, o autor da brochura responda a esta pergunta.

Tendo sido lidos os fragmentos acima na Sociedade de Paris, o nosso antigo colega Jobard veio dar espontaneamente, a propósito, a comunicação seguinte por um médium em sonambulismo espiritual:

(Sociedade de Paris, 28 de fevereiro - Médium: Sr. Morin)
Eu passava, quando o eco me trouxe a vibração de uma imensa gargalhada. Prestei atenção e tendo reconhecido o ruído do riso dos encarnados e desencarnados, me disse: Sem dúvida a coisa é interessante; vamos ver!... E eu não acreditava, senhores, ter o prazer de vir passar a noite junto de vós. Contudo, estou feliz por isto, crede-o bem, porque sei de toda a simpatia que conservastes por vosso antigo colega.

Assim, aproximei-me, e os ruídos da Terra me chegaram mais distintos: O fim do mundo! exclamavam; o fim do mundo!... Oh! Meu Deus, me disse eu, se é o fim do mundo, em que se vão tornar?... Chegando a mim a voz do vosso presidente e meu amigo, compreendi que vos lia algumas passagens de uma brochura na qual se anuncia o fim do mundo como muito próximo. O assunto interessou-me. Escutei atentamente, e depois de ter refletido maduramente, venho, como o autor da brochura, dizer-vos: Sim, senhores, o fim do mundo está próximo!... Oh! Não vos amedronteis, senhoras, porque é preciso estar bem perto para tocá-lo, e quando o tocardes, vê-lo-eis.

Enquanto esperamos, se me permitirdes, vou dar-vos minha apreciação sobre

esta palavra, espantalho dos cérebros fracos e também dos Espíritos fracos; porque, sabei-o, se a apreensão do fim do mundo aterra os seres pusilânimes do vosso mundo, ela fere igualmente de terror os seres atrasados da erraticidade. Todos os que não estão desmaterializados, isto é, que embora Espíritos vivem mais materialmente que espiritualmente, apavoram-se à ideia do fim do mundo, porque por esta palavra compreendem a destruição da matéria. Não vos admireis, pois, que essa ideia emocione certos Espíritos, que não saberiam em que se tornar, se a Terra não existisse mais, porque a Terra ainda é o seu mundo, seu ponto de apoio.

Por mim, eu me disse: Sim, o fim do mundo está próximo; ele lá está, eu o vejo, o toco... Ele está próximo para aqueles que sem o saber trabalham para precipitar a sua vinda!... Sim, o fim do mundo está próximo; mas, o fim de que mundo?

Será o fim do mundo da superstição, do despotismo, dos abusos mantidos pela ignorância, pela malevolência e pela hipocrisia; será o fim do mundo egoísta e orgulhoso, do pauperismo, de tudo o que é vil e rebaixa o homem; numa palavra, de todos os sentimentos baixos e cúpidos que são o triste apanágio do vosso mundo.

Esse fim do mundo, essa grande catástrofe que todas as religiões concordam em prever, é o que elas entendem? Ao contrário, não se deve ver a realização dos altos destinos da Humanidade? Se refletíssemos em tudo o que se passa em volta de nós, esses sinais precursores não seriam o sinal do começo de um outro mundo, quero dizer, de um outro mundo moral, antes que o da destruição do mundo material?

Sim, senhores, um período de depuração terrestre termina neste momento; um outro vai começar... Tudo concorre para o fim do velho mundo, e aqueles que se esforçam por sustê-lo trabalham energicamente, sem o querer, para a sua destruição. Sim, o fim do mundo está próximo para eles; eles o pressentem e se apavoram, acreditai, mais do que pelo fim do mundo terrestre, porque é o fim de sua dominação, de sua preponderância, a que eles se apegam mais do que a qualquer outra coisa; e isto será, em relação a eles, não a vingança de Deus, pois Deus não se vinga, mas a justa recompensa de seus atos.

Como vós, os Espíritos são filhos de suas obras; se são bons, é porque trabalharam para ser bons; se são maus, não é porque trabalharam para ser maus, mas porque não trabalharam para se tornarem bons.

Amigos, o fim do mundo está próximo e vos convido vivamente a tomar nota desta previsão; ele está tão próximo que já se trabalha na sua reconstrução. A sábia previdência daquele a quem nada escapa, quer que tudo se construa em vez de tudo ser destruído; e quando o edifício novo for coroado, quando a cumeeira estiver coberta, então é que desabará o antigo; ele cairá por si mesmo, de sorte que, entre o velho mundo e o novo, não haverá solução de continuidade.

É assim que se deve entender o fim do mundo, que já pressagiam tantos sinais precursores. E quais serão os mais poderosos obreiros para essa grande transformação? Sois vós, senhoras; sois vós, senhoritas, com o auxílio da dupla alavanca da instrução e do Espiritismo. Na mulher na qual o Espiritismo penetrou, há mais que uma mulher, há um trabalhador espiritual. Nesse estado, tudo trabalhando por ela, a mulher trabalha ainda muito mais que o homem na edificação do monumento; porque, quando ela conhecer todos os recursos do Espiritismo e deles souber servir-se, a maior parte da obra será feita por ela. Amamentando o corpo de seu filho, ela poderá alimentar também o seu espírito. E que melhor ferreiro do que o filho de um ferreiro, aprendiz de seu pai? Assim o menino sugará, ao crescer, o leite da espiritualidade, e quando tiverdes espíritas filhos de espíritas e pais de espíritas, o fim do mundo, tal qual o compreendemos, não estará realizado? Admirai-vos, então, depois disto, que o Espiritismo seja um espantalho para tudo o que se apega ao velho mundo, e do encarniçamento com que procuram abafá-lo em seu berço!

JOBARD



[1] Renommée: Divindade mitológica (mulher alada representada quase sempre a cavalo, empunhando uma trombeta) N. do Revisor.


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