Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

Voltar ao Menu
Extraído dos manuscritos de um jovem médium bretão

Alucinados, inspirados, fluídicos e sonâmbulos

Nossos leitores se lembram de ter lido, em junho do ano passado, a análise do Romance do Futuro, que o Sr. Bonnemère havia tirado dos manuscritos de um jovem médium bretão que lhe havia confiado os seus trabalhos.

Foi ainda nesse volumoso acervo de manuscritos que o autor encontrou estas páginas, escritas em hora de inspiração, e que vem submeter à apreciação dos leitores da Revista Espírita. Desnecessário dizer que deixamos ao médium, ou antes, ao Espírito que o inspira, a responsabilidade das opiniões que ele emite, reservando-nos o direito de apreciá-las mais tarde. Assim como o Romance do Futuro, é um curioso espécimen de mediunidade inconsciente.


I

OS ALUCINADOS

Temos pouco a dizer sobre a alucinação, estado provocado por uma causa moral que influi sobre o físico e à qual se mostram mais acessíveis as naturezas nervosas, sempre mais prontas a se impressionar.

Sobretudo as mulheres, por sua organização íntima, são levadas à exaltação, e a febre se apresenta nelas com mais frequência, acompanhada de delírio que toma a aparência de loucura momentânea.

Temos que reconhecer que a alucinação toca ligeiramente a loucura, bem como todas as superexcitações cerebrais, e, ao passo que o delírio se exala sobretudo em palavras incoerentes, ela representa mais particularmente a ação, a encenação. Entretanto, erroneamente por vezes as confundem.

Presa de uma espécie de febre interior que não se traduz externamente por nenhuma perturbação aparente dos órgãos, o alucinado vive em meio ao mundo imaginário que sua imaginação perturbada cria; tudo está em desordem, nele como em torno dele; ele leva tudo ao extremo. Por vezes a alegria, e quase sempre a tristeza e as lágrimas rolam dos olhos enquanto seus lábios imitam um sorriso doentio.

Essas visões fantásticas existem para ele; ele as vê, as toca e se amedronta. Contudo, conserva o exercício de sua vontade; conversa com os interlocutores e lhes oculta o objeto de seus terrores ou de suas sombrias preocupações.

Conhecemos um que durante cerca de seis meses assistia todas as manhãs ao enterro de seu corpo, tendo plena consciência de que sua alma sobrevivia. Nada parecia mudado nos seus hábitos de vida, contudo esse pensamento incessante, essa mesma visão o seguia em todos os lugares. A palavra morte ressoava incessantemente em seu ouvido. Quando o sol brilhava, dissipava a noite ou atravessava as nuvens, a horrível visão se desvanecia pouco a pouco e por fim desaparecia. À noite ele adormecia, triste e desesperado, porque sabia que horrível despertar o aguardava no dia seguinte.

Por vezes, quando o excesso de sofrimento físico impunha silêncio à sua vontade e lhe tirava esse poder de dissimulação que de ordinário ele conservava, exclamava de súbito: ─ Ah! Ei-los!... Eu os vejo! ... Então ele descrevia aos que o cercavam com mais intimidade os detalhes da lúgubre cerimônia; narrava as cenas sinistras que se desenrolavam sob seus olhos, ou as rondas de personagens fantásticas que desfilavam diante dele.

O alucinado vos revelará as loucas percepções de seu cérebro doente, mas não tem nada a vos repetir do que outros viriam lhe revelar, porque, para ser inspirado, é preciso que a paz e a harmonia reinem em vossa alma, e que estejais desprendido de todo pensamento material ou mesquinho; algumas vezes a disposição doentia provoca a inspiração, e é então como um socorro que os amigos que partiram antes vêm vos trazer para vos aliviar.

Esse louco, que ontem gozava da plenitude de sua razão, não apresenta desordens exteriores perceptíveis pelo olho do observador; contudo elas são numerosas, existem e são reais. Muitas vezes o mal está na alma, lançada fora de simesma pelo excesso de trabalho, de alegria, de dor; o homem físico não está mais em equilíbrio com o homem moral; o choque moral foi mais violento do que o físico pode suportar: daí o cataclismo.

O alucinado sofre igualmente as consequências de uma perturbação grave em seu organismo nervoso. Mas ─ o que raramente acontece na loucura ─ nele essas desordens são intermitentes e muito mais facilmente curáveis, porque sua vida,de certo modo, é dupla, pois ele pensa com a vida real e sonha com a vida fantástica.

Esta última é, por vezes, o despertar de sua alma doente, e se o escutarmos com inteligência, chegaremos a descobrir a causa do mal, que muitas vezes ele quer ocultar. Entre o fluxo de palavras incoerentes que uma pessoa em delírio expressa, e que parecem em nada se referir às causas prováveis de sua doença, encontrar-se-á uma que voltará sem cessar, que queria reter e que, contudo, escapa, a despeito de sua vontade. Essa é a causa verdadeira, e que é necessário combater.

Mas o trabalho é longo e difícil, porque o alucinado é um hábil comediante, e se ele percebe que o observam; seu espírito se lança em estranhos desvios e toma as aparências da loucura, para escapar a essa pressão inoportuna que pareceis decidido a exercer sobre ele. Portanto, é necessário estudá-lo com um tato extremo, sem jamais contradizê-lo ou tentar retificar os erros de seu cérebro em delírio.

Estão aí diversas fases de excitações cerebrais, ou melhor, excitações do ser todo inteiro, pois não é preciso localizar a sede da inteligência. A alma humana, que a dá, plana por toda parte; é o sopro do alto que faz vibrar e agir a máquina inteira.

O alucinado pode, de boa-fé, julgar-se inspirado e profetizar, quer tenha consciência do que diz, quer os que o rodeiam possam, só eles e malgrado seu, recolher suas palavras. Mas dar fé às indicações de um alucinado seria arriscar-se a estranhas decepções, e é assim que muitas vezes são levados a débito da inspiração os erros que não passavam de fruto da alucinação.

O físico é coisa material, sensível, exposta à luz, que cada um pode ver, admirar, criticar, cuidar ou tentar reerguer. Mas quem pode conhecer o homem moral? Quando nos ignoramos a nós mesmos, como nos julgarão os outros? Se nós lhes revelamos alguns dos nossos pensamentos, são em muito maior quantidade aqueles que ocultamos dos seus olhares e que gostaríamos de ocultá-los a nós mesmos.

Essa dissimulação é quase um crime social. Criados para o progresso, nossa alma, nosso coração, nossa inteligência são feitos para se difundir sobre todos os irmãos da grande família, para lhes prodigalizar tudo quanto está em nós, como para se enriquecer ao mesmo tempo com tudo o que eles podem transmitir-nos.

A expansão recíproca é, pois, a grande lei humanitária, e a concentração, isto é, a dissimulação de nossas ações, de nossos pensamentos, de nossas aspirações é uma espécie de roubo que cometemos em prejuízo de todo mundo. Que progresso far-seá, se guardarmos em nós tudo o que a Natureza e a educação aí puseram e se cada um age do mesmo modo a nosso respeito?

Exilados voluntários e nos mantendo fora do comércio de nossos irmãos, nós nos concentramos numa ideia fixa; a imaginação obsedada procura a isso subtrair-se, perseguindo toda sorte de pensamentos inconsequentes, e assim pode-se chegar até à loucura, justo castigo que nos é infringido por não termos querido andar por nossos caminhos naturais.

Vivamos, pois, nos outros e eles em nós, a fim de que não constituamos senão um. As grandes alegrias, como as grandes dores, nos quebram quando não são confiadas a um amigo. Toda solidão é má e condenada, e toda coisa contrária aos desígnios da Natureza traz como consequência inevitáveis, imensas desordens interiores.


II

OS INSPIRADOS

A inspiração é mais rara que a alucinação, porque não se deve somente ao estado físico, mas ainda, e sobretudo, à situação moral do indivíduo predisposto a recebê-la.

Todo homem não dispõe senão de um certo quinhão inteligência que lhe é dado desenvolver por seu trabalho. Quando chega ao ponto culminante que lhe é dado atingir, ele para um momento, depois retorna ao estado primitivo, ao estado de criança, menos essa mesma inteligência que em um cresce dia a dia e no velho diminui, apaga-se e se extingue. Então, tendo dado tudo, e não podendo mais nada acrescentar à bagagem de seu século, ele parte, mas para ir continuar alhures sua obra interrompida aqui embaixo; ele parte, mas deixando o lugar rejuvenescido a um outro que, chegando a idade viril, terá o poder de cumprir, por sua vez, uma missão maior e mais útil.

O que chamamos morte não é senão o devotamento ao progresso e à Humanidade. Mas nada morre, tudo sobrevive e se reencontra pela transmissão do pensamento dos seres que partiram antes e que têm ainda, pela parte mais etérea de si mesmos, na pátria que deixaram, mas que não esqueceram, que continuam amando, porquanto ela é habitada pelos continuadores de sua vida, pelos herdeiros de suas ideias, aos quais se comprazem em insuflar por momentos as que não tiveram tempo de semear ao seu redor, ou que não puderam ver progredir ao nível de suas esperanças.

Não tendo mais órgãos a serviço de sua inteligência, eles vêm pedir aos homens de boa vontade que apreciam, que lhes cedam o lugar por um momento. Sublimes benfeitores ocultos, eles impregnam seus irmãos da quintessência de seu pensamento a fim de que sua obra esboçada continue e se conclua, passando pelo cérebro daqueles que podem fazê-la perlustrar seu caminho no mundo.

Entre os amigos desaparecidos e nós, o amor continua, e o amor é a vida. Eles nos falam com a voz de nossa consciência posta em vigília. Purificados e melhores, eles não nos trazem senão coisas puras, desprendidos que estão de toda a parte material, como de todas as mesquinharias de nossa pobre existência. Eles nos inspiram no sentimento que tinham neste mundo, mas nesse sentimento desprendido de toda mistura.

Resta-lhes uma parte de si mesmos para dar: eles no-la trazem, deixando-nos crer que a obtivemos apenas por nosso trabalho pessoal. Daí vêm essas revelações imprevistas, que desconcertam a Ciência. O espírito de Deus sopra onde quer... Desconhecidos fazem grandes descobertas, e o mundo oficial das Academias aí está para lhes entravar a passagem.

Não queremos dizer que para ser inspirado seja indispensável manter-se incessantemente nas vias estreitas do bem e da virtude, entretanto, de ordinário são seres morais aos quais, muitas vezes como compensação dos males que eles sofrem por causa dos outros, permitimos manifestações que lhes permitem vingar-se à sua maneira, trazendo o tributo de alguns benefícios à Humanidade que os desconhece, ridiculariza-os e os calunia.

Encontram-se tantas categorias de inspiração, e consequentemente de inspirados, quantas faculdades existem no cérebro humano para assimilar conhecimentos diferentes.

A luta assusta os Espíritos depurados que partiram para mundos mais adiantados, e eles desejam que os escutemos com docilidade. Também os inspirados são geralmente seres puros, ingênuos e simples, sérios e refletidos, cheios de abnegação e de devotamento, sem personalidade marcante, de impressões profundas e duráveis, acessíveis às influências exteriores, sem ideias preconcebidas sobre as coisas que ignoram, bastante inteligentes para assimilar os pensamentos alheios, mas não moralmente bastante fortes para discuti-los.

Se o inspirado se apega às suas próprias convicções, ele toma, de boa-fé, o seu eco pela advertência das vozes que nele falam e também de boa-fé, engana, em vez de esclarecer. A bondade preside essas revelações, que jamais ocorrem senão com um objetivo ao mesmo tempo útil e moral.

Quando uma dessas organizações simpáticas é sofredora, devido a uma decepção cruel ou a um mal físico, um amigo por ela se interessa e vem, dando um outro alimento ao seu pensamento, trazer alívio para ela própria, mas sobretudo para os que lhe são caros.

Não é raro que o inspirado tenha começado como um alucinado. É como um noviciado, uma preparação de seu cérebro para concentrar seu espírito e para poder aceitar aquilo que lhe dirão.

Porque um inspirado nada pode formular de concludente num certo momento, isto não quer dizer que não possa fazê-lo em outros. As manifestações ficam livres, espontâneas; vêm quando são necessárias. Assim os inspirados, mesmo os melhores, não o são em dia e hora fixos, e as sessões anunciadas previamente muitas vezes preparam inevitáveis decepções.

Fazendo evocações muito frequentes, corre-se o risco de não chegar senão a um estado de superexcitação mais próximo da alucinação do que da inspiração. Então não são mais que jogos de nossa imaginação em delírio, em lugar dessas luzes de outro mundo, destinadas a esclarecer os passos da Humanidade no caminho providencial.

Isto explica esses erros dos quais a incredulidade faz uma arma para negar, de maneira absoluta, a intervenção dos Espíritos superiores.

Os inspirados o são por todos aqueles que partiram antes da hora e têm algo para nos ensinar.

Pode acontecer que a mulher mais simples, a menos instruída, tenha revelações médicas. Vimos uma que, mesmo sem saber ler e escrever, achava em si diversos nomes de plantas que podiam curar. A credulidade popular quase a tinha forçado a explorar essa faculdade. Também não era sempre igualmente bem esclarecida, mesmo que tomando o pulso da pessoa doente que com ela se pusesse em contato, porque ela era também desses fluídicos dos quais falaremos daqui a pouco. Embora fraca e delicada, ela podia, por seu contato, restabelecer o equilíbrio daquele que o necessitava e repor em circulação os princípios vitais interrompidos. Sem se dar conta disto, ela fazia muitas vezes pelo simples toque, em certas pessoas cujo fluido era idêntico ao seu, mais bem do que os remédios que prescrevia, às vezes apenas por hábito, e com variantes insignificantes, fosse qual fosse o mal pelo qual a consultavam.

A Providência colocou junto a cada homem um remédio para cada doença. Apenas existem tantas naturezas quantos indivíduos diferentes. Os remédios também agem diferentemente sobre cada organismo, o qual influi sobre os caracteres do mal; e é isto que faz que seja quase impossível ao médico prescrever o remédio eficaz. Ele conhece os seus efeitos gerais, mas ignora absolutamente em que sentido agirá sobre tal criatura que lhe apresentam.

É aqui que brilha a superioridade dos fluídicos e dos sonâmbulos, porque, quando se acham em certas condições de simpatia com os que vêm consultá-los, os seres superiores os guiam com uma infalibilidade quase certa.

Por vezes essa inspiração é inconsciente de si mesma; às vezes um médico, apenas junto de certos doentes, acha de súbito o remédio que pode curá-los. Não foi a ciência que o guiou, foi a inspiração. A ciência punha à sua disposição vários modos de tratamento, mas uma voz interior lhe gritava um nome; ele foi forçado a dizê-lo, e esse nome era o do remédio que devia agir, com exclusão de qualquer outro.

O que dizemos da Medicina existe, nas mesmas condições, em todos os outros ramos do trabalho humano. Em certas horas, o fogo da inspiração nos devora; há que ceder. Se pretendemos concentrar em nós mesmos o que de nós deve sair, um verdadeiro sofrimento se torna o castigo de nossa revolta.

Todos aqueles a quem Deus concedeu o dom sublime de criação, os poetas, os sábios, os artistas, os inventores, todos têm essas iluminações inesperadas, por vezes numa ordem de fatos muito diferente de seus estudos ordinários, se tiverem pretendido violentar a sua vocação. Mas os Espíritos sabem o que devemos e podemos fazer, e vêm despertar incessantemente em nós as nossas atrações sufocadas.

Sabemos como Molière explicava essas desigualdades que enfeiam as mais belas peças de Corneille: “Este diabo de homem, dizia ele, tem um gênio familiar que vem por momentos soprar-lhe ao ouvido coisas sublimes; depois, de repente, planta-o lá, dizendo-lhe: ‘Sai desta como puderes!’ E então não faz mais nada que preste.” Molière estava certo. O ativo gênio de Corneille não tinha a dócil passividade necessária para suportar continuamente a inspiração do alto. Os Espíritos o abandonavam, e então ele adormecia, como por vezes fazia Homero.

Existem ─ Sócrates e Jeanne d’Arc eram destes ─ os que escutam vozes interiores que neles falam. Outros nada escutam, mas são obrigados a obedecer a uma força poderosa que os domina.

Outras vezes, um nome vem ferir o ouvido do inspirado: é o de um amigo, de um indivíduo que ele nem mesmo conhece, do qual apenas ouviu falar. A personalidade desse amigo desconhecido o penetra, nele se manifesta; pouco a pouco pensamentos estranhos vêm substituir os seus. Por um momento ele tem o espírito daquele; obedece, escreve, sem saber, malgrado seu, se necessário, coisas que não sabe. E como essa obediência passiva à qual foi condenado lhe é difícil de suportar em estado de vigília, foge dessas coisas escritas sob uma inspiração opressiva, e não quer lê-las.

Esses pensamentos podem estar em desacordo formal com suas crenças, com seus sentimentos, ou melhor, com aqueles que a educação lhe impôs, porque, para que certos Espírito venham a ele, é preciso que exista alguma relação entre eles. Eles lhe dão o pensamento, deixando-lhe o cuidado de achar a forma. Então é preciso que eles saibam que sua inteligência pode compreendê-los e assimilar momentaneamente suas ideias para traduzi-las.

É que raramente as circunstâncias nos têm permitido que nos desenvolvamos no sentido de nossas aptidões nativas. Os Espíritos mais adiantados sabem qual corda é preciso tanger para que ela entre em vibração. Ela havia ficado muda, porque tínhamos atacado outras e desprezado aquela. Por um momento eles lhe dão vida. É um germe por muito tempo abafado, que eles fecundam. Depois, o inspirado, voltando ao seu estado habitual, não se lembra mais, porque vive uma existência dupla, cada uma das quais independe da outra.

Entretanto também acontece que ele conserve uma maior facilidade de compreensão, e conquiste um maior desenvolvimento intelectual. É a recompensa do esforço que ele fez para dar uma forma compreensível aos pensamentos que outros lhe vieram revelar.

Não acreditemos que todo inspirado possa conhecer tudo. Cada um, conforme suas predisposições naturais, porém mantidas muitas vezes desconhecidas de si próprio como dos outros, é inspirado por tal ou qual coisa, mas não igualmente por todas. Com efeito, existem naturezas de tal modo antipáticas a certos conhecimentos, que os Espíritos não virão jamais bater numa porta que eles sabem que não pode se abrir.

Só em certa medida o futuro é conhecido pelos inspirados. Assim, não é certo dizer que um inspirado predisse para que mundo tal pessoa irá após a morte e que julgamento Deus pronunciará contra ela. Isto é um jogo de imaginação alucinada. Por mais alto que o homem tenha subido na escala dos mundos, ele não conhece qual será o destino de seu irmão. É a parte reservada a Deus: jamais a criatura poderá usurpar os seus direitos.

Sim, há manifestações, mas não são contínuas, e nossa impaciência a seu respeito muitas vezes é culposa.

Sim, tudo se reúne e nada é rompido no imenso Universo. Sim, existe entre esta existência e as outras um laço simpático e indissolúvel que liga e une uns aos outros, todos os membros da família humana, e que permite que os melhores venham darnos o conhecimento do que não sabemos. É por esse trabalho que se realiza o progresso. Quer se chame trabalho da inteligência ou inspiração, é a mesma coisa. A inspiração é o progresso superior, é o fundo; o trabalho pessoal aí põe a forma, juntando ainda a quintessência dos conhecimentos anteriormente adquiridos.

Nenhuma invenção nos pertence propriamente, porque outros lançaram antes a semente que recolhemos. Aplicamos à obra que queremos prosseguir, as forças e o trabalho da Natureza, que é de todos, e sem o auxílio da qual nada se faz, e depois as forças e o trabalho acumulados pelos outros, que nos prepararam os meios de triunfar.

A bem dizer, tudo é obra comum e coletiva, para confirmar ainda esse grande princípio de solidariedade e de associação que é a base das sociedades e a lei da criação toda inteira.

O trabalho do homem jamais será inutilizado pela inspiração. O Espírito que no-lo vem trazer respeitará sempre esta parte reservada ao indivíduo; ele a respeitará como uma coisa nobre e santa, pois o trabalho põe o homem na posse das faculdades que Deus depositou em germe em sua alma, a fim de que o objetivo de sua vida fosse fecundá-las. É por seu desenvolvimento que ele aprendeu a conhecer-se, e que mereceu aproximar-se dele.

A inspiração vem indiferentemente de dia, de noite, na vigília ou durante o sono. Ela só exige recolhimento. É-lhe necessário encontrar naturezas que se possam abstrair de toda preocupação do mundo real, para dar lugar livre e vago ao ser que vier envolvê-lo todo e lhe infundir seus pensamentos.

Nas horas de inspiração, o homem se torna muito mais acessível a todos os ruídos exteriores, e tudo o que vem do mundo real o perturba. Ele não mais está neste mundo, mas está num meio transitório entre este e o outro, porque está, de certo modo, embebido da pessoa moral e intelectual de um ser elevado a uma outra esfera,e cujo corpo, entretanto, prende-se a esta.

Embora ela se dirija a todos, a inspiração descerá mais geralmente sobre as naturezas doentias ou gastas por uma sucessão de sofrimentos, materiais ou morais. Considerando-se que ela é um benefício, não é justo que os que sofrem sejam mais facilmente aptos a recebê-la?

A alucinação é um estado doentio que o magnetismo pode modificar de maneira salutar. A inspiração é uma assimilação moral que se deve evitar provocar por passes magnéticos. O alucinado entrega-se voluntariamente a arroubos e a contorções ridículas. O inspirado é calmo.

Os inspirados são melancólicos. Eles necessitam ser refletidos; para ser alegre não há necessidade de refletir muito; é preciso gozar, na sua saúde, de um equilíbrio que os inspirados nem sempre possuem. Mas não vamos pensar que eles sejam difíceis e extravagantes. Ao contrário, eles se mostram suaves e fáceis com aqueles de quem gostam.

Há inspirados de diversos graus. Uns vêm dizer-vos coisas palpáveis, fatos de segunda vista, para que se possa constatar a realidade da iniciação. Outros, mais clarividentes e pouco preocupados com os processos materiais, cujos segredos são chamados a divulgar, repetem, como lhes vêm, os pensamentos trazidos por Espíritos de progresso. Os primeiros curam o corpo, os últimos são médicos da alma.

A missão dos mais modestos limita-se a revelar como essas coisas lhes vêm. É um fato constatado que forças adiantadas de muitos graus vêm sobre nós para nos dominar e nos inspirar. Para que repetir? Quem quiser acreditará. Mas, sendo bem estabelecidas as constatações, não se deve considerar os inspirados senão pelo lado útil e sério. Pouco importa, se as ideias são boas, de que fonte elas vêm.

EUG. BONNEMÈRE.

TEXTOS RELACIONADOS

Mostrar itens relacionados

Utilizamos cookies para melhorar sua experiência. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.