Dissertações Espíritas
Os Mártires do Espiritismo
A propósito do questionamento sobre os milagres do Espiritismo que nos haviam proposto e de que tratamos no último número, também nos propuseram esta pergunta:
“Os mártires selaram com sangue a verdade do Cristianismo. Onde estão os mártires do Espiritismo?”
Tendes mesmo muito interesse em ver os espíritas sobre a fogueira ou lançados às feras! Isto leva a supor que não vos faltaria vontade, caso isso ainda fosse possível. Quereis à fina força pôr o Espiritismo no nível de uma religião! Notai, porém, que ele jamais pretendeu isso; que jamais se arvorou em rival do Cristianismo, do qual se declara filho; que ele combate os seus mais cruéis inimigos: o ateísmo e o materialismo.
Afirmamos, uma vez mais, que ele é uma filosofia que repousa sobre as bases fundamentais de toda religião e sobre a moral do Cristo. Se renegasse o Cristianismo, ele se desmentiria, suicidar-se-ia. São os seus inimigos que o mostram como uma nova seita; que lhe deram sacerdotes e alto clero. Estes gritarão tantas e tantas vezes que é uma religião, que a gente poderia acabar acreditando.
É necessário existir uma religião para haver seus mártires? A Ciência, as Artes, o gênio, o trabalho, em todos os tempos não tiveram os seus mártires, assim como todas as ideias novas?
Não ajudam a fazer mártires os que apontam os espíritas como condenados, como párias a cujo contato se deve fugir; que açulam contra eles a população ignorante e que chegam até a lhes roubar os recursos do trabalho, esperando vencêlos pela fome, na falta de bons argumentos?
Bela vitória, se triunfassem, mas a semente está lançada e germina em toda a parte. Se é cortada num lugar, brota em cem outros.
Tentai então ceifar toda a Terra, mas deixai que falem os Espíritos que se encarregaram de responder à pergunta.
I
Pedistes milagres. Hoje pedis mártires. Já existem os mártires do Espiritismo. Entrai nas casas e os vereis.
Pedis perseguidos. Abri o coração desses fervorosos adeptos da ideia nova que lutam contra os preconceitos, com o mundo, e frequentemente até com a família! Como seus corações sangram e se dilatam, quando seus braços se estendem para abraçar um pai, uma mãe, um irmão ou uma esposa e não recebem a paga do carinho e dos transportes, mas sarcasmos, desdém e desprezo.
Os mártires do Espiritismo são os que a cada passo escutam estas palavras insultuosas: louco, insensato, visionário!... e durante muito tempo terão que suportar essas afrontas da incredulidade e outros sofrimentos ainda mais amargos.
Entretanto, a sua recompensa será bela, porque se o Cristo mandou preparar um lugar soberbo aos mártires do Cristianismo, o que prepara aos mártires do Espiritismo será ainda mais brilhante. Os mártires da infância do Cristianismo marchavam para o suplício, corajosos e resignados, porque não contavam sofrer senão dias, horas ou o segundo do martírio, aspirando a morte como única barreira para viver a vida celeste.
Os mártires do Espiritismo não devem nem mesmo aspirar a morte. Devem sofrer tanto tempo quanto praza a Deus deixá-los na Terra e não ousam julgar-se dignos dos puros gozos celestes logo que deixem a vida. Oram e esperam, murmurando baixinho palavras de paz, de amor e de perdão aos que os torturam, esperando novas encarnações nas quais poderão resgatar passadas faltas.
O Espiritismo elevar-se-á como um templo soberbo. A princípio os degraus serão difíceis de subir. Mas, transpostos os primeiros degraus, bons Espíritos ajudarão a vencer os outros até o lugar simples e reto que conduz a Deus.
Ide, ide, filhos, pregar o Espiritismo!
Pedem mártires. Vós sois os primeiros que o Senhor marcou, pois sois apontados a dedo e sois tratados como loucos e insensatos, por causa da verdade! Eu vos digo, entretanto, que em breve chegará a hora da luz e então não mais haverá perseguidores nem perseguidos. Sereis todos irmãos e o mesmo banquete reunirá opressores e oprimidos!
SANTO AGOSTINHO (Médium: Sr. E. Vézy)
II
O progresso do tempo substituiu as torturas físicas pelo martírio da concepção e do nascimento cerebral das ideias que, filhas do passado, serão as mães do futuro. Quando o Cristo veio destruir o costume bárbaro dos sacrifícios; quando veio proclamar a igualdade e a fraternidade entre o saiote proletário e a toga patrícia, os altares, ainda vermelhos, fumegavam o sangue das vítimas imoladas; os escravos tremiam ante os caprichos do senhor e os povos, ignorando sua grandeza, esqueciam a justiça de Deus.
Nesse estado de rebaixamento moral, as palavras do Cristo teriam sido impotentes e desprezadas pela multidão, se não tivessem sido gritadas pelas suas chagas e tornadas sensíveis pela carne palpitante dos mártires. Para ser cumprida, a misteriosa lei das semelhanças, exigia que o sangue derramado pela ideia resgatasse o sangue derramado pela brutalidade.
Hoje os homens pacíficos ignoram as torturas físicas. Só o seu ser intelectual sofre, porque se debate, comprimido pelas tradições do passado, enquanto aspira novos horizontes.
Quem poderá pintar as angústias da geração presente, suas dúvidas pungentes, suas incertezas, seus ardores impotentes e sua extrema lassitude?
Inquietos pressentimentos de mundos superiores, dores ignoradas pela antiguidade material, que só sofria quando não gozava; dores que são a tortura moderna e que transformarão em mártires aqueles que, inspirados pela revelação espírita, crerão e não serão acreditados; falarão e serão censurados; marcharão e serão repelidos.
Não percais a coragem. Vossos próprios inimigos vos preparam uma recompensa tanto mais bela quanto mais espinhos houverem eles semeado em vosso caminho.
LÁZARO (Médium: Sra. Costel)
III
Como bem dizeis, em todos os tempos as crenças tiveram mártires. Porém, é preciso dizer que muitas vezes o fanatismo estava de ambos os lados e então, quase sempre o sangue corria. Hoje, graças aos moderadores das paixões, aos filósofos, ou antes, a essa filosofia que começou com os escritores do século dezoito, o fanatismo apagou o seu facho e embainhou a espada. Em nossa época quase se não imagina a cimitarra de Maomé; a forca e a roda da Idade Média; as fogueiras e as torturas de toda espécie, do mesmo modo que se não imaginam os magos e as feiticeiras.
Outros tempos, outros costumes, diz um sábio provérbio. O vocábulo costumes é aqui muito elástico, como vedes e, conforme a sua etimologia latina, significa hábitos, maneira de viver. Ora, em nosso século, nossa maneira de ser não é de cobrir-se com cilício, de ir às catacumbas nem de dissimular suas preces aos procônsules e aos magistrados da cidade de Paris.
O Espiritismo, pois, não verá erguer-se o machado e as fogueiras devorarem os seus adeptos. A gente se bate a golpes de ideias, a golpes de livros, a golpes de comentários, a golpes de ecletismo e a golpes de teologia, mas a São Bartolomeu não se repetirá.
Certamente poderá haver algumas vítimas nas nações atrasadas, mas nos centros civilizados só a ideia será combatida e ridicularizada.
Assim, pois, não mais os machados, o feixe de varas, o óleo fervente, mas ficai atentos com o espírito voltairiano mal compreendido. Ele é o carrasco. É preciso preveni-lo, mas não desafiá-lo. Ele ri, em vez de ameaçar; lança o ridículo em vez da blasfêmia e seus suplícios são as torturas do espírito que sucumbe ao abraço do sarcasmo moderno.
Mas, sem desagradar aos pequenos Voltaires de nossa época, a juventude compreenderá facilmente estas três palavras mágicas: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Quanto aos sectários, estes são mais temíveis porque são sempre os mesmos, malgrado o tempo, malgrado tudo. Eles por vezes podem fazer o mal, mas são coxos, mascarados, velhos e rabugentos. Ora, vós que passais pela fonte de Juventa e cuja alma reverdece e remoça, não os temais, porque o seu fanatismo os perderá.
LAMENNAIS (Médium: Sr. A. Didier)
Ataques à ideia nova
Como vedes, começam a comentar as ideias espíritas até nos cursos de teologia, e a Revista Católica tem a pretensão de demonstrar ex-professo, como eles dizem, que o Espiritismo atual é obra do demônio, como se vê no artigo intitulado Do Satanismo no Espiritismo Moderno, daquela revista. Ora! Deixai-os falar! Deixai-osagir. O Espiritismo é como o aço, e todas as serpentes usarão os dentes para mordêlo.
Seja como for, há um fato digno de nota: é que outrora desdenhavam ocupar-se com os que moviam mesas e cadeiras, ao passo que hoje muito se ocupam com esses inovadores, cujas ideias e teorias se elevaram à altura de uma doutrina. Ah! É que essa doutrina, essa revelação abre brecha em todas as antigas doutrinas, em todas as velhas filosofias, insuficientes para satisfazerem as necessidades da razão humana. Assim, sacerdotes, cientistas, jornalistas descem à arena empunhando a pena, para repelir a ideia nova: o progresso. Mas que importa! Não é uma prova irrefragável da propagação dos nossos ensinamentos? Ora! Não se discute, não se combate senão as ideias realmente sérias e suficientemente bem difundidas para não serem tratadas como utopias, como quimeras brotadas de cérebros doentes. Aliás, melhor que ninguém, podeis ver bem a rapidez com que o Espiritismo recruta adeptos diariamente, e isso até nas fileiras esclarecidas do exército, entre oficiais de todas as armas. Não vos inquieteis, pois, com todos esses infelizes que uivam à toa, pois já não sabem onde estão. Eles estão desconcertados. Suas certezas, suas probabilidades se desvanecem ao facho do Espiritismo, porque, no fundo de suas consciências, sentem que apenas nós estamos com a verdade. Digo nós, porque hoje, Espíritos e encarnados, só temos um objetivo: a destruição das ideias materialistas e a regeneração da fé em Deus, a que tudo devemos.
ERASTO (Médium: Sr. d’Ambel)
Perseguição
Bem! Bravo, meus filhos! Estou satisfeito de ver-vos reunidos, lutando com zelo e persistência. Coragem! Trabalhai arduamente no campo do Senhor, porque eu vos digo que chegará o momento em que não será apenas a portas fechadas que será necessário pregar a doutrina santa do Espiritismo.
A carne foi flagelada. É preciso flagelar o Espírito. Ora, em verdade vos digo, quando isso acontecer, estareis prestes a entoardes em uníssono o cântico de ação de graças, e estaremos em vésperas de ouvir um só e mesmo grito sobre a Terra. Mas, eu vo-lo digo, antes da idade de ouro e do reinado do espírito, são necessários grandes sofrimentos, lágrimas e ranger de dentes.
As perseguições já começaram. Espíritas! Sede firmes e mantende-vos de pé. Estais marcados pela unção do Senhor. Sereis chamados de insensatos, de loucos, de visionários. Não mais ferverão o óleo nem erguerão cadafalsos e fogueiras, mas o fogo que usarão para vos levar à renúncia às vossas crenças será mais intenso e ainda mais vivo.
Espíritas! Despojai-vos, portanto, do homem velho, pois é ao homem velho que farão sofrer. Que vossas novas túnicas sejam brancas. Cingi as vossas frontes com coroas e preparai-vos para entrar na liça. Sereis amaldiçoados. Deixai que vossos irmãos vos digam racca; em contrapartida, orai por eles e afastai de suas cabeças o castigo que o Cristo disse estar reservado aos que dissessem racca aos seus irmãos!
Preparai-vos para as perseguições pelo estudo, pela prece, pela caridade. Os servos serão expulsos das casas de seus patrões e tratados como loucos, mas à porta da casa encontrarão o Samaritano e, embora pobres e nus, ainda partilharão com ele as suas vestes e o último pedaço de pão. Ante tal espetáculo, os patrões perguntarão: “Mas, quem são essas criaturas que expulsamos de nossa casa? Só têm um pedaço de pão para esta noite e o dão! Só têm uma capa e a dividem com um estranho!”
Então suas portas serão reabertas, pois vós é que sois os servidores do Mestre. Mas dessa vez eles vos acolherão e vos abraçarão. Pedir-vos-ão que os abençoeis e lhes ensineis a amar. Não mais vos chamarão de servos ou escravos, mas vos dirão: “Meu irmão, vem assentar-te à minha mesa. Há uma só e mesma família na Terra, como há um só e mesmo Pai no Céu”.
Ide, ide meus irmãos! Pregai, e sobretudo sede unidos. O Céu vos está preparado.
SANTO AGOSTINHO (Médium: Sr. E. Vézy)