Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Fábulas e poesias diversas

Por um espírito batedor

Posto que a tiptologia seja um meio muito lento de comunicação, com paciência é possível obter trabalhos de fôlego. O Sr. Jaubert, de Carcassone, remeteu-nos uma coleção de fábulas e de poesias obtidas por ele através daquele processo. Se nem todas são obras-primas, com o que o Sr. Jaubert não ficaria ofendido, pois que não entra no caso, algumas são admiráveis, de lado o interesse pela fonte de onde procedem. Eis uma que, embora não participando da coleção, pode dar uma ideia do espírito daquele Espírito batedor. É dedicada à Sociedade Espírita de Bordeaux, pelo próprio Espírito.

O monólogo do burrico (Fábula)

Um burrico

─ Não façais confusão,

Pois nunca falo mal de gente de condição.

─ Um burro legítimo, que pode ser tosquiado,

Numa palavra, um burro arrelhado,

Na estação olhava a locomotiva,

Com o olhar brilhante e a palavra viva.

“És tu ─ berra ele ─ tu que estás em descanso,“

Se dou fé ao que diz certo carneiro manso.

“Andas sem almocreve, sem cavalo ou jumento,

“E roncas arrastando tamanho acompanhamento

“De caixas que parecem uma aldeia de lenho.

“Um milagre! ─ diriam ─ Qual nada! Por mim tenho

“Que os tempos são outros! Quem me troça não pode

“Ver que sei conhecer pasto e barba de bode, ─

“E que, deixando os cardos, busco ração sadia.

“Com estes pés de ferro não fazes longa via.

“Eu tenho minha regra: confio porque penso.

“Caminhar sem cavalos?

Sem nós?

Que contrassenso!”

O burro ─ bem se vê ─ a razão invocava,

Essa luz ─ bem sabeis ─ que a arrogância apaga.

Com o sábio por vezes ao asno se assemelha!

Negai, doutores, do Espírito a centelha;

Negai o movimento, desprezai o motor.

Do nada faz o sábio a luz que nos aquece?

Toda locomotiva algo exige: o vapor.

Evocam-se os mortos... mas é preciso a prece,

Que vem do coração, entre ondas de Amor.

O médium e o Dr. Imbroglio

Venha! Venha! Caro Dr. Imbroglio;

A prancheta anda só: é patente, tangível. ─ Bobagem! Vou provar, escrevendo um in-fólio Que isso é batota! Isso é impossível.

Faremos uma observação sobre a qualificação dada ao Espírito que ditou as poesias a que nos referimos acima.

Com razão, os Espíritos sérios repelem o qualificativo de batedores, pois esse título convém apenas àqueles que poderiam ser chamados batedores profissionais, Espíritos levianos ou malévolos que se servem de pancadas para divertir ou atormentar, e que não se preocupam com as coisas sérias. Mas a tiptologia é, como qualquer outro, um meio para comunicações inteligentes e dela se servem os Espíritos mais adiantados, em falta de outro meio, posto prefiram a escrita, porque responde melhor à rapidez do pensamento. É certo dizer que nesse caso não são eles que batem. Eles se limitam a transmitir, deixando a execução material a Espíritos subalternos, como um estatuário deixa ao prático o trabalho de talhar o mármore.


A carta seguinte foi dirigida pelo Sr. Jaubert ao Sr. Sab , de Bordeaux. Temos o prazer de publicá-la como prova dos laços que se estabelecem entre os espíritas das várias localidades e para edificação dos timoratos.

Senhor,

Sou sensível à vossa carta. Aceito com satisfação o título que me confere a Sociedade Espírita de Bordeaux. Aceito-o como recompensa por meus fracos trabalhos, por minha profunda convicção e ─ por que não dizê-lo? ─ pelas amarguras passadas.

Ainda hoje a nova fé é muito mal compreendida. Os cientistas se insurgem; os ignorantes os acompanham; o clero grita que é o demônio, e alguns convictos guardam silêncio. Neste século de materialismo, de apetites grosseiros, de guerras fratricidas, de apego cego e imoderado aos reinos deste mundo, Deus intervém: os mortos falam, nos encorajam, nos arrastam. Por isso cada um de nós deve, sem medo, inscrever seu nome na bandeira da causa santa.

Somos sempre os soldados do Cristo. Proclamamos a grandeza, a imortalidade da alma, os laços palpáveis que ligam os vivos aos mortos; pregamos o amor e a caridade. Que temos a temer dos homens? Ser fraco é ser culpado. Eis por que, senhor, na medida de minhas forças, aceitei a tarefa que Deus e minha consciência me impõem. Ainda uma vez, obrigado por me haverdes admitido entre vós. Sede meu intérprete junto a todos os irmãos de Bordeaux e recebei a certeza dos meus mais afetuosos sentimentos.


J. JAOBERT

Vice-Presidente do Tribunal Civil


OBSERVAÇÃO:O Espiritismo conta hoje numerosos adeptos nas fileiras da magistratura e da advocacia, bem como entre funcionários públicos. Mas nem todos ousam enfrentar a opinião pública. Esse medo, aliás, diminui dia a dia e, em pouco tempo, os trocistas ficarão surpreendidos por terem posto no rol dos loucos, sem acanhamento, tantos homens recomendáveis por suas luzes e por sua posição social.

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