Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Poesias espíritas

A criança e o ateu (Sociedade espírita africana - Médium: Srta. O...)

Um belo Espírito, gabando-se de ateu,

Passeava um dia com um rapazinho,

À margem dum regato, cuja margem ensombrada

Os protegia contra os raios do sol.

Vendo fugir a água cristalina,

Diz ao menino o sábio companheiro:

Aonde pensas tu que o curso veloz

Deve conduzi-lo ao deixar este vale?

Ora! Diz ele, certamente um lago sereno

Vai receber o tributo de suas águas;

E no fim da marcha acidentada,

Deste modo terminam todos os riachos.

Pobrezinho! diz a rir o professor,

Como teu espírito se engana!

Aprende agora, aprende, pois,

Como neste mundo tudo é finito.

Quando ele se afasta da sua nascente,

Onde as vagas surgem a cada instante,

É para ir, ao termo de seu curso,

Ao seio do oceano, perdido para sempre.

Assim é ele a nossa própria imagem:

Quando deixamos o mundo sedutor,

Nada mais resta dessa curta passagem

E nós entramos todos no nada.

Ó Deus! diz o menino, com voz desconsolada,

Então isto é verdade?

Tal é nosso destino?

Que! De minha amada mãe

Tudo terei perdido quando ela morrer?

E eu que acreditava que sua alma querida

Podia proteger ainda o seu filhinho,

Com ele partilhar as agruras da vida

E um dia nos unirmos, junto ao Onipotente?

Conserva sempre essa crença,

Diz baixinho o anjo protetor.

Sim, ó querido, guarda bem a esperança,

Sem a qual nesta Terra não há felicidade.

O tempo se escoou.

Muitos anos depois,

Nosso sábio transpôs o largo umbral da morte.

E, como sempre, fiel aos loucos pensamentos,

Morreu dizendo que Deus não existia.

Também o rapazinho atingiu a velhice,

E, sem temor, foi receber a morte,

Pois conservava a fé da juventude,

E nas mãos do Eterno entregou sua sorte.

Vede, vede a multidão devotada

Deixar o Céu e vindo recebê-lo:

Os Espíritos puros são o bando sagrado

Para receber seu irmão exilado.

Mas quem é aquela alma abandonada

Que parece querer de todos se ocultar?

É do sábio infeliz a alma desolada,

Que percebe a ventura sem a poder gozar.

Oh! Que amargo não foi do mestre o sofrimento,

Quando lhe apareceu, em toda a majestade,

Como juiz severo, aquele mesmo Deus,

Que em vida negara em eterno desafio!

Oh! As lágrimas quentes de tanto sofrimento

Vieram rebentar o Espírito orgulhoso!

Ele, que outrora troçava da Esperança

Que o menino buscava para além do sepulcro.

Mas a paternal bondade do Pai Onipotente

Não quis, ó não! puni-lo eternamente.

E em breve essa alma humilde e arrependida,

Uma vez mais à Terra voltará.

Depois, redimida e, enfim, purificada,

Voará para o Céu, feliz e satisfeita.

Irá, inebriada da mais pura alegria,

Repousar aos pés do Onipotente.


Dulcis

A abóbora e a sensitiva (Fábula)

Qual é o teu regime, ó pobre Sensitiva?

Perguntava uma abóbora à delicada flor,

Para ficar assim, tão lânguida, tão magra?

Digo-te com pesar,

A sensibilidade te perde; tu te estiolas;

Morrerás antes da estação;

Se o sol se oculta no horizonte

Vemos se fecharem teus frágeis folíolos:

Um funesto tremor

Percorre a haste ao leve sopro da brisa:

O menor contato põe-te em crise;

Tua vida não é mais que tormento.

E por que tanto mal e tanta solicitude?

Segue o meu exemplo de doce quietude.

Aquilo que em redor de mim se passa

Não me causa a mais leve emoção;

Sustentar-me é minha única ocupação.

Aliás, que importa ao meu temperamento

O mistério do céu? ─ A luz do dia claro,

A escuridão, calor, frio, umidade

Pra tudo é igual

É certo que de minha forma rotunda,

O observador satírico e perverso

Diz: “A abóbora vegeta!”

Mas o dito não me fere.

Rindo eu rolo em leito bem nutrido,

Ansiosa de assentar, no solo que penetro

Minha barriga e meu tamanho.

Nossos gostos diferem, diz a pequena flor.

Não queres consagrar cuidados e a vida

Senão ao bem-estar material.

Mas eu faço melhor, como vês,

Mesmo abreviando a existência

Dedico-me ao prazer

Do sentimento e da inteligência

E terei sempre vivido o bastante.



DOMBRE (de Marmande)

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