Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Poesias espíritas

Peregrinação da alma

Assim como o sangue, na circulação
Em íntimas gotas vem do coração,
Nossa vida emana, sim, da Divindade
No infinito gravita durante a Eternidade.

A Terra é um lugar de prova e sofrimento;
Aí está o nosso pranto, aí o ranger de dentes.
Aí é o inferno e o nosso livramento,
Na proporção do mal, em seus antecedentes.

Assim, pois, cada um deixando este vil mundo,
Se eleva mais ou menos, vai a outro planeta.
Conforme for mais puro, ou for ainda imundo,
Seu ser se desenvolve, ou aqui resta grilheta.

É que ninguém atinge do eleito a posição,
Sem antes expiar todos os malefícios,
Se o cáustico remorso, pesar e oração
Não lançam sobre o mal o véu dos benefícios.

Como um errante Espírito, manchado inda de lama,
Vem tomar novo corpo aqui, para sofrer,
Renascer para a virtude numa família humana
Depurar-se no bem e de novo morrer.

Encarnar-se entre nós vêm por devotamento
É vontade de Deus as almas escolhidas,
Servas de um Deus bom, do grão merecimento
Pregar a lei do amor, curar nossas feridas.

E uma vez terminada esta missão tão santa
Logo Deus as destaca ao celeste labor,
De onde a alma se eleva e alegremente canta
Nesse coro infinito do oceano do amor.
Terminadas, assim, nossas provas um dia.
Pelo amor elevados a santas regiões,
Triunfantes iremos ao seio da harmonia,
A aumentar dos eleitos as nobres legiões.

Lá por felicidade e cúmulo de delícias
Aos que nos foram caros Deus nos reunirá;
Fundidos na ventura de mui santas carícias
De um Céu sempre puro nos abençoará.

No bem, como no belo, mudada a condição,
Seremos transferidos para a santa cidade
Onde veremos, sim, crescer a gratidão
Pelo imenso tesouro que é a Felicidade.

Dos mundos graduados seguindo a imensa escala,
Sempre mais depurados, mudando de confins,
Iremos terminar onde tudo se instala,
A renascer do amor, brilhantes serafins.

De uma raça nova seremos pioneiros
E os anjos da guarda dos homens do futuro;
Da vontade de Deus seremos mensageiros
Vigilantes fiéis de um mundo nascituro.

De Deus tal é o poder real, assim parece,
No imenso percurso da pobre Humanidade.
Inclinemos, então, que a ordem não perece:
Cantando glória a Deus por toda a Eternidade.


B. JOLY, herborista de Lyon [1]


OBSERVAÇÃO: Talvez possam os críticos severos fazer algumas restrições a esses versos. Deixamo-lhes a tarefa e consideramos apenas a ideia, cuja justeza, do ponto de vista espírita, não pode ser negada. É mesmo a alma em suas peregrinações, pelo trabalho depurador, para chegar à felicidade sem fim. Um ponto, entretanto, que parece dominar, é muito ortodoxo, e não poderíamos admiti-lo. Está expresso na quadra da epigrafe: No infinito gravita durante a Eternidade. Se por isso entende o autor que a alma sobe incessantemente, resulta que jamais chegaria à felicidade perfeita. Diz a razão que, sendo a alma um ser finito, sua ascensão para o bem absoluto deve ter um limite; que, chegada a um certo ponto, não ficará em perpétua contemplação, aliás, pouco atraente, e que seria uma perpétua inutilidade, mas terá uma atividade incessante e bem-aventurada, como auxiliar da Divindade.



[1] Por uma falha tipográfica, o original foi publicado sem a quinta estrofe. O Sr. Allan Kardec a incluiu no número de novembro, com uma pequena nota explicativa. Pondo aquela estrofe no devido lugar, pareceu-nos necessário este aviso e desnecessária a nota final do mês de novembro. O Tradutor.


O anjo da guarda (Sociedade espírita Africana - Médium: Srta. O...)

Pobres humanos, que sofreis na Terra,
Consolai-vos, enxugai o pranto.
Em vão ronca a tormenta sobre vós:
Os guias vos envolvem com seu manto.
Deus, o Deus tão bom e vosso pai,
A todos deu um anjo e um irmão.
De voz amiga, ajuda e proteção.
Queremos após esta vida
A vossa felicidade
E conduzir-vos ao Céu,
Aos planos da claridade.
Se vísseis nosso sorriso,
Aos vossos passos primeiros,
Se vísseis nossa tristeza
Quando ficais derradeiros!
Queremos só ensinar
O segredo que é o bem
Para que vos torneis anjos,
Anjos da guarda também.
Sim, após todas as penas,
Já vos tendo depurado,
O Senhor vos manda à Terra
Do progresso encarregado.
Assistindo os pequeninos
De modo suave e terno,
Puro como o amor materno.
Guiai, então, com segurança
Para a celeste esperança.


DULCIS

OBSERVAÇÃO: Estes versos e mais outros, de certa extensão, não menos notáveis, sob o título A Criança e o Ateu, que publicaremos no próximo número, foram publicados no Echo de Sétif da Argélia, a 31 de julho de 1862, precedidas da seguinte nota:

“Um dos nossos assinantes enviou-nos as duas poesias que se seguem recebidas por um médium de Constantina, nos primeiros dias deste mês. Embora não os considerando isentos de crítica, do ponto de vista das regras de versificação, nós os publicamos porque explicam, pelo menos em parte, a Doutrina Espírita, que tende a se espalhar por toda a superfície do globo.”

Esse médium parece ter a especialidade da poesia. Ele já recebeu grande número de versos, que escreve com incrível facilidade, sem nenhuma rasura, posto desconheça as regras da métrica. Vimos um membro da Sociedade de Constantina, em presença do qual foram escritos.

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