Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1859

Allan Kardec

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Sra. Ida Pfeiffer Célebre viajante

O relato seguinte foi extraído da Segunda Viagem ao Redor do Mundo, da Sra.
Ida Pfeiffer, pág. 345:

“Já que vou falar de coisas muito estranhas, é preciso mencionar um acontecimento enigmático, passado em Java, há alguns anos, e que causou tal sensação que chegou a chamar a atenção do governo.

“Na residência de Chéribon havia uma casinha, na qual, segundo dizia o povo, apareciam Espíritos. Ao cair da noite, chovia pedras no quarto, vindas de todas as direções e por todos os lados cuspiam siri.* Tanto as pedras quanto as cusparadas caiam junto às pessoas que estavam no aposento, mas nem as atingiam, nem as feriam. Parece que tudo isso era dirigido particularmente contra uma criança. Tanto se falou desse caso inexplicável que o governador holandês encarregou um oficial superior de sua confiança de examiná-lo.

* Preparação que os javaneses mascam continuamente e que dá à boca e à saliva a cor do sangue. O nome de siris, do hindustani siris e do sânscrito sirisa, é dado a várias plantas do gênero Albizzia, especialmente à A. Iebbek e à A. Julibrissin. (Nota original, complementada pelo Tradutor).

O oficial determinou que se postassem em torno da casa homens sérios e fiéis, com ordem de vedar a entrada e a saída de quem quer que fosse. Examinou tudo, escrupulosamente e, tomando em seu colo a criança designada, sentou-se na sala fatal. Ao anoitecer começou, como de costume, a chuva de pedras e de siri. Tudo caía perto do oficial e do menino, sem atingi-los. Novamente examinaram cada recanto, cada buraco. Nada, porém, foi descoberto. O oficial não podia compreender.

Mandou juntar as pedras, marcá-las e escondê-las num recanto bem afastado. Foi tudo em vão. As mesmas pedras caíram novamente na sala, à mesma hora.

“Por fim, e para pôr termo a essa história inconcebível, o governador mandou demolir a casa”.

A pessoa que colheu este fato em 1853 era uma senhora realmente superior, menos por sua instrução e por seu talento do que pela incrível energia de seu caráter.

Além dessa ardente curiosidade e dessa coragem indômita, que a tornaram a mais admirável viajante que jamais existiu, a Sra. Pfeiffer nada tinha de excêntrico. Era uma senhora de uma piedade suave e esclarecida e que provou muitas vezes estar longe de ser supersticiosa. Tinha como lei só contar aquilo que ela mesma tivesse visto, ou captado em fonte insupeita. (Veja-se a Revue de Paris, de 1º de setembro de 1856 e o Dictionnaire des Contemporains, de Vapereau).

1. ─ Evocação da Sra. Pfeiffer.
─ Aqui estou.

2. ─ Estais surpresa pelo nosso chamado e por vos encontrardes entre nós?
─ Estou surpresa com a rapidez da minha viagem.

3. ─ Como fostes prevenida de que desejávamos falar-vos?
─ Fui trazida aqui sem o perceber.

4. ─ Entretanto deveríeis ter recebido um aviso qualquer.
─ Um arrastamento irresistível.

5. ─ Onde estáveis quando do nosso chamado?
─ Junto a um Espírito que tenho a missão de guiar.

6. ─ Tivestes consciência dos lugares que atravessáveis para vir até aqui, ou aqui vos encontrastes subitamente, sem transição?
─ Subitamente.

7. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Sim. Não se pode ser mais feliz.

8. ─ De onde vinha o vosso pronunciado gosto pelas viagens?
─ Eu havia sido marinheiro numa vida precedente. O gosto adquirido pelas viagens naquela existência refletiu-se nesta, a despeito do sexo que eu havia escolhido para me subtrair a isso.

9. ─ As viagens contribuíram para o vossa progresso como Espírito?
─ Sim, porque eu as fiz com espírito de observação, que me faltou na existência anterior, em que não me ocupei senão do comércio e das coisas materiais. Eis porque supunha que pudesse progredir mais numa vida sedentária. Mas Deus, tão bom e tão sábio em seus desígnios para nós impenetráveis, permitiu que eu utilizasse as minhas inclinações em favor do progresso que eu solicitava.

10. ─ Das nações que visitastes, qual a que vos pareceu mais adiantada e qual preferis? Não dissestes em vida que colocáveis certas tribos da Oceania acima das mais civilizadas nações?
─ Era uma ideia errada. Hoje prefiro a França, porque compreendo sua missão e prevejo o seu destino.

11. ─ Que destino prevedes para a França?
─ Não vos posso dizer o seu destino, mas sua missão é de semear o progresso e as luzes e, portanto, o Verdadeiro Espiritismo.

12. ─ Em que vos pareciam os selvagens da Oceania mais adiantados que os americanos?
─ Eu via neles, abstraídos os vícios do estado selvagem, qualidades sérias e sólidas que não encontrava em outros lugares.

13. ─ Confirmais o fato passado em Java e relatado numa de vossas obras?
─ Confirmo-o em parte. O caso das pedras marcadas e novamente atiradas merece uma explicação. Eram pedras semelhantes, mas não as mesmas.

14. ─ A que atribuís esse fenômeno?
─ Não sabia a que atribuí-lo. Eu me perguntava se o diabo existiria de fato, e respondia para mim mesma que não. Não passei disso.

15. ─ Agora que percebeis a causa, poderíeis dizer-nos de onde vinham essas pedras? Eram transportadas ou fabricadas especialmente pelos Espíritos?
─ Eram transportadas. Para eles era mais fácil trazê-las do que aglomerá-las51.

16. ─ E de onde vinha aquele siri? Era feito por eles?
─ Sim. Era mais fácil e mesmo inevitável, pois que impossível lhes era encontrá-lo já preparado.

17. ─ Qual era o objetivo dessas manifestações?
─ Como agora, atrair a atenção e fazer constatar um fato do qual se tinha de falar e procurar a explicação.

OBSERVAÇÃO: Alguém observa que tal constatação não poderia conduzir a nenhum resultado sério entre aquela gente. Pode-se responder que há um resultado real, pois que, pelo relato e testemunho da Sra. Pfeiffer, o mesmo chegou ao conhecimento de povos civilizados, que o comentam e lhe tiram as conclusões. Aliás, os holandeses é que foram chamados a constatá-los.

18. ─ Haveria nesse caso um motivo especial, sobretudo quanto à criança atormentada por esses Espíritos?
─ A criança possui uma influência favorável, eis tudo, pois pessoalmente não sofreu sequer um arranhão.

19. ─ Desde que esses fenômenos eram produzidos por Espíritos, por que cessaram quando a casa foi demolida?
─ Cessaram porque foi julgado inútil continuar, mas não iríeis decerto perguntar se eles teriam podido continuar.

20. ─ Agradecemos a vossa vinda e a bondade de responder às nossas perguntas.
─ Estou inteiramente às vossas ordens.


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* Preparação que os javaneses mascam continuamente, e que dá à boca e à saliva a cor do sangue.

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