Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

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O Espiritismo em toda a parte

A literatura contemporânea, periódica ou não, impregna-se diariamente de ideias espíritas. Tanto é verdade, como dissemos há muito tempo, que essas ideias são uma mina fecunda para os trabalhos de imaginação, rica em quadros poéticos e em situações empolgantes. Assim, os escritores aí já colhem a mancheias. As doutrinas materialistas lhe oferecem um campo muito limitado, muito prosaico. O que daí se pode tirar, de natureza a tocar o coração e a elevar o pensamento? Que poesia oferece a perspectiva do nada, da destruição eterna de si mesmo e daqueles a quem estimamos? O materialista sente a necessidade de falar à alma de seus leitores, se não as quiser gelar; de emprestar uma alma a um de seus personagens, se quiser que se interessem por ele. Em todos os tempos, os poetas e os literatos tomaram das ideias espiritualistas suas mais belas imagens e suas mais comovedoras situações. Mas o Espiritismo, hoje, definindo as crenças no futuro, dá um corpo aos pensamentos e uma intensidade que eles não tinham; abre um novo campo que começa a ser explorado. Disto já temos citado numerosos exemplos, e continuaremos a fazê-lo de vez em quando, porque é um sinal característico da reação que se opera nas ideias.

Além das obras literárias propriamente ditas, também a imprensa registra diariamente, fatos que entram no quadro do Espiritismo.

A Condessa de Monte-Cristo



Sob este título, a Petite Presse publica um romance-folhetim, no qual se encontram as passagens seguintes, extraídas dos capítulos XXX e XXXI:

“Meu paraíso, querida mãe, dizia à Condessa de Monte Cristo a sua filha agonizante, será ficar junto a ti, perto de vós! sempre viva em vossos pensamentos, escutando-vos e vos respondendo, conversando baixinho com as vossas almas.

“Quando a flor embalsamar o jardim, e a levares aos teus lábios, estarei na flor e serei eu quem receberá o beijo! Também me farei o raio, o sopro que passa, o murmúrio que soa. O vento que agitar os teus cabelos será a minha carícia; o cheiro que dos lilases floridos se elevar para a tua janela será o meu hálito; o canto longínquo que te fará chorar será a minha voz!

. . . . . . . . . .

“─ Mãe, não blasfemes! Nada de cólera contra Deus! Vamos! Essas cóleras e essas blasfêmias nos separariam para sempre.

“Enquanto estiveres aqui embaixo, eu me farei tua companheira de exílio; mais tarde, porém, quando resignada às vontades do nosso Pai que está nos Céus, por tua vez terás fechado os olhos para não mais abri-los; então, por minha vez, estarei à tua cabeceira, esperando a tua libertação, e ébrios de uma alegria eterna, nossos dois corações, unidos para sempre, enlaçados para a eternidade, voarão num mesmo impulso para o céu clemente. Compreendes esta alegria, mãe? Jamais nos deixarmos, nos amarmos para sempre, para sempre? Formar, por assim dizer, ao mesmo tempo dois seres distintos e um só; ser tu e eu ao mesmo tempo? Amar e saber que se é amada, e que a medida do amor que se inspira é a mesma do que se experimenta?

“Aqui embaixo não nos conhecemos; eu te ignoro como tu me ignoras; entre nossos dois Espíritos nossos dois corpos constituem um obstáculo; nós não nos vemos senão confusamente através do véu da carne. Mas, lá no alto, leremos claramente no coração uma da outra. E saber a que ponto a gente se ama é o verdadeiro paraíso, vês?

“Ah! Todas estas promessas de felicidade mística e infinita, longe de acalmar as angústias de Helena, não faziam senão torná-las mais intensas, fazendo-a medir o valor do bem que ela ia perder.

“Entretanto, a intervalos, ao sopro dessas palavras inspiradas, a alma de Helena se evolava quase às alturas serenas onde planava a da Pippione. Suas lágrimas se estancavam, a calma voltava a seu seio desmoronado; parecia-lhe que seres invisíveis flutuavam no quarto, soprando a Blanche as palavras à medida que ela as pronunciava.

“A criança estava adormecida, e em seu sonho ela parecia conversar com alguém que não se via, escutar vozes que só ela ouvia, e lhes responder.

“De repente, um brusco tremor agitou seus membros frágeis, ela abriu largamente os grandes olhos e chamou sua mãe, que sonhava apoiada à janela.

“Ela aproximou-se do leito, e a Pippione tomou sua mão com a mão já úmida pelos últimos suores.

“─ Chegou o momento, disse ela. Esta noite é a última. Eles me chamam, eu os escuto! Eu queria muito ficar ainda, pobre mãe, mas não posso; a vontade deles é mais forte que a minha. Eles estão lá no alto e me fazem sinal.

“─ Loucura! exclamou Helena! visão! sonho! Tu morrer hoje, esta noite, entre os meus braços! Isto é possível?

“─ Não, morrer não, disse a Pippione: Nascer! Eu saio do sonho, em vez de nele entrar; o pesadelo acabou, eu desperto. Oh! Se tu soubesses como é bonito, e que luz brilha aqui, junto à qual o vosso sol não passa de uma mancha negra!

“Ela se deixou cair sobre os travesseiros, ficou um instante silenciosa, depois continuou:

“─ São poucos os instantes que tenho para passar ao vosso lado. Quero que todos estejais aqui para me dizer o que chamais um eterno adeus, e que não é, na realidade, senão um curto até logo. Todos, entendes bem? Primeiro tu, o bom doutor, Úrsula, e Cipriana, e José.

“Este nome foi pronunciado mais baixo que os outros; era o último suspiro, o último pesar humano da Pippione. A partir desse instante ela pertenceria inteiramente ao Céu.

.............................

“─ Era minha filha!

“─ Era!... repetiu com voz quase paternal o doutor Ozam, atraindo Helena para o seu peito. Era!... Agora não é mais... O que resta aqui? Um pouco de carne meio decomposta, nervos que não vibram mais, sangue que engrossa, olhos sem olhar, uma garganta sem voz, ouvidos que não mais escutam, um pouco de limo!

“Vossa filha, este cadáver no qual a Natureza fecunda já faz germinar a vida inferior que disseminará os seus elementos? ─ Vossa filha, este lodo que amanhã reverdecerá em erva, florescerá em rosas, e devolverá ao solo todas as forças vivas que dele tirou? Não, não. Isto não é a vossa filha! Isto não é senão a vestimenta delicada e encantadora que ela tinha criado para atravessar a nossa vida de provações, um andrajo que ela abandonou desdenhosa, como um vestido velho que se tira!

“Se quiserdes ter uma lembrança viva de vossa filha, pobre senhora, é preciso olhar alhures... e mais alto.

“─ Vós também credes nisto, doutor, perguntou ela, nessa outra vida? Diziam que éreis materialista.

“O doutor teve um suave sorriso irônico.

“─ Talvez eu o seja, mas não da maneira como o entendeis.

“Não é numa outra vida que eu creio, mas na vida eterna, na vida que não tem começo e que, por consequência, não terá fim. ─ Cada um dos seres, no começo igual aos outros, faz, por assim dizer, a educação de sua alma e aumenta as suas faculdades e o seu poder, na medida de seus méritos e de seus atos. Consequência imediata desta argumentação: essa alma mais perfeita agrega ao redor de si um envoltório igualmente mais perfeito. Depois, enfim, chega um dia em que esse envoltório não lhe basta mais, e então, como se diz, a alma rompe o corpo.

“Mas ela o rompe para encontrar um outro mais adequado às suas necessidades e qualidades novas? Onde? Quem sabe? Talvez num desses mundos superiores que brilham sobre as nossas cabeças, num mundo em que ela encontrará um corpo mais perfeito, dotado de órgãos mais sensíveis, por isto mesmo melhor e mais feliz!

........................

“Nós mesmos, seres perfeitos, desde o primeiro dia dotados de todos os sentidos que nos põem em relação com a Natureza exterior, de quantos esforços não necessitamos! Que trabalhos latentes não são necessários para que a criança se torne homem, o ser ignorante e fraco, rei da Terra! E, incessantemente, até à morte, os corajosos e os bons perseveram nesta vida árdua de trabalho; eles expandem a inteligência pelo estudo, o coração pelo devotamento. Eis o trabalho misterioso da crisálida humana, o trabalho pelo qual ela adquire o poder e o direito de romper o envoltório do corpo e planar com as asas.”

OBSERVAÇÃO: O autor, que até aqui tinha guardado o anonimato, é o Sr. du Boys, jovem escritor dramático. Por certas expressões quase textuais, vê-se que evidentemente ele se inspirou na Doutrina.


O Barão Clootz



Sob o título de: Um voto humanitário, Anacharsis Clootz, barão prussiano, convencional francês, aos seus concidadãos de Paris e de Berlim, o Progrès de Lyon, de 27 de abril de 1867, publicava, sob a forma de uma carta supostamente escrita do outro mundo, pelo convencional Clootz, um artigo muito longo que assim começava:

“No outro mundo, onde eu habito, desde a terrível jornada de 24 de março de 1794, que, confesso, me desiludiu um pouco sobre os homens e sobre as coisas, só a palavra guerra guarda o privilégio de me recordar as preocupações da política terrestre. Aquilo que mais amei, que digo eu? adorei e servi, quando morava em vosso planeta, foi a fraternidade dos povos e a paz. A esse grande objeto de estudo e de amor, dei um penhor muito sério: minha cabeça, à qual as minhas cem mil libras de renda, aos olhos de muita gente, acrescentavam importante valor. O que de fato me consolava um pouco, ao subir os degraus do cadafalso, eram os considerandos pelos quais Saint-Just acabava de justificar a minha prisão. Ali era dito, se bem me lembro, que de então em diante, a paz, a justiça e a probidade seriam postas na ordem do dia. Eu teria dado a minha vida, e o declaro convictamente sem hesitar, e duas vezes em vez de uma, para obter a metade desse resultado. E notai, por favor, que meu sacrifício era mais completo e mais profundo do que teria sido o da maior parte dos meus colegas. Eu agia de boa-fé e guardava o respeito à justiça no fundo do coração; mas, sem falar dos cultos aos quais tinha horror, o Ser supremo de Robespierre, ele mesmo, me maltratava os nervos, e a vida futura tinha para mim a aparência de um belo conto de fadas. Certamente me perguntareis o que ela é. Eu estava errado? Eu tinha razão? Eis o grande segredo dos mortos. Julgai vós mesmos, por vossa conta e risco. Contudo, parece que eu ia um pouco longe, porque, nesta ocasião solene, me é permitido vos escrever.”

Sendo o artigo exclusivamente político e saindo do nossos propósitos, citamos apenas este fragmento, para mostrar que, mesmo nesses graves assuntos, podemos tirar proveito da ideia dos mortos dirigindo-se aos vivos, para junto a estes continuar relações interrompidas. A cada instante o Espiritismo vê realizar-se esta ficção. É mais que provável que foi ele que deu esta ideia. Ademais, se ela fosse dada como real, ele não a desaprovaria.


Metempsicose



“Conheceis a causa dos ruídos que nos chegam? perguntava a Sra. Des Genêts. Será alguma cena de tigres furiosos que esses senhores nos preparam?

“─ Sossegai, cara amiga, tudo está em segurança, os nossos vivos e os nossos mortos. Escutai a encantadora melodia do rouxinol que canta no salgueiro! Talvez seja a alma de um dos nossos mártires que plana em torno de nós sob essa forma amável. Os mortos têm esses privilégios, e eu de boa vontade me convenço de que eles voltam assim muitas vezes para junto daqueles a quem amaram.

“─ Oh! Se dissésseis a verdade! exclamou vivamente a senhora Des Genêts.

“─ Eu acredito nisto sinceramente, disse a jovem duquesa. É tão bom crer nas coisas consoladoras! Ademais, meu pai, que é muito sábio, como não o ignorais, me assegurou que esta crença tinha sido difundida antigamente por grandes filósofos. O próprio Lesage também nela acredita.”

Esta passagem é tirada de um romance-folhetim intitulado O Calabouço da Torre dos Pinheiros, por Paulin Capmal, publicado pela Liberté de 4 de novembro de 1867. Aqui, a ideia não é tirada da Doutrina Espírita, porque esta, em todos os tempos, ensinou e provou que a alma humana não pode renascer num corpo animal, o que não impede que certos críticos, que não leram a primeira palavra sobre o Espiritismo, repitam que ele professa a metempsicose; mas é sempre o pensamento da alma individual sobrevivendo ao corpo, voltando sob uma forma tangível junto aos que ela amou. Se a ideia não é espírita, é ao menos espiritualista, e melhor seria acreditar na metempsicose do que acreditar no nada. Essa crença pelo menos não é desesperadora como o materialismo; ela nada tem de imoral, ao contrário; ela conduziu todos os povos que a professaram a tratar os animais com doçura e benevolência. A exclamação: É tão bom crer nas coisas consoladoras é o grande segredo do sucesso do Espiritismo.


Enterro do Sr. Marc Michel



Lê-se no Temps de 27 de março de 1868:

“Ontem, no enterro do Sr. Marc Michel, o Sr. Jules Adenis disse adeus, em nome da Sociedade dos Autores Dramáticos, ao escritor que a comédia alegre e ligeira acaba de perder.

“Encontro esta frase em seu discurso:

Foi Ferdinand Langlé que recentemente precedeu no túmulo aquele que hoje choramos... E ─ Quem sabe? Quem pode dizê-lo?...─ assim como acompanhamos até aqui estes despojos mortais, talvez a alma de Langlé tenha vindo receber a alma de Marc Michel no limiar da eternidade.”

“Com certeza a falta é de meu espírito muito leviano, mas confesso que me é difícil imaginar, com a gravidade conveniente, a alma do autor de Sourd, de Camarade de lit, de Une sangsue, da Grève des portiers, vir receber no limiar da eternidade a alma do autor de Maman Sabouleux, de Mesdames de Montenfriche, de um Tigre du Bengale e da Station de Champbaudet.

“X. FEYRNET.”

O pensamento emitido pelo Sr. Jules Adenis é do mais puro Espiritismo. Suponhamos que o autor do artigo, o Sr. Feyrnet, que tem dificuldade em manter uma gravidade conveniente ouvindo dizer que a alma do Sr. Langlé talvez estivesse presente e viesse receber a alma de Marc Michel, tivesse tomado a palavra e, por sua vez, assim se tivesse expressado: “Senhores, acabam de vos dizer que a alma do nosso amigo Langlé aqui está, que ela nos vê e nos ouve! Ele não precisaria senão acrescentar que ela pode nos falar. Não acrediteis numa só palavra. A alma de Langlé não existe mais; ou então, o que dá no mesmo, ela se fundiu na imensidade. De Marc Michel não resta mais nada. A mesma coisa acontecerá convosco, quando morrerdes, como também com vossos pais e amigos. Esperar que eles vos esperem, que vos venham receber no desembarque da vida é loucura, superstição, iluminismo. Eis o positivo: Quando se morre, tu está acabado.” Qual dos dois oradores teria achado mais simpatia na assistência? Qual teria enxugado mais lágrimas, dado mais coragem e resignação aos aflitos? O infeliz que não espera mais alívio neste mundo, não teria razões para lhe dizer: “Se é assim, acabemos o mais cedo possível com a vida?” É preciso lamentar o Sr. Feyrnet por não poder conservar-se sério ante a ideia que seu pai e sua mãe, se ele os perdeu, ainda vivem, que eles velam à sua cabeceira e que ele voltará a vê-los.


Um sonho



Extraído do Figaro, de 12 de abril de 1868:

“Por mais extraordinário que pareça o relato seguinte, o autor, declarando tê-lo recebido do próprio vice-presidente do Corpo Legislativo (o Barão Jérôme David), dá às suas palavras uma autoridade incontestável.

“Durante sua estada em Saint-Cyr, David foi testemunha de um duelo entre dois de seus camaradas de promoção, Lambert e Poirée. Este último recebeu um golpe de espada e foi curar-se na enfermaria, onde seu amigo David subia para vê-lo todos os dias.

“Certa manhã, Poirée lhe pareceu singularmente perturbado; ele crivou-o de perguntas e acabou por lhe arrancar a confissão de que sua emoção vinha de um simples pesadelo.

“─ Eu sonhava que estávamos à beira de um rio, eu recebia uma bala na testa, acima do olho, e tu me sustinhas nos braços; eu sofria muito e me sentia morrer. Eu te recomendava minha mulher e os meus filhos, quando acordei.

“─ Meu caro, estás com febre, respondeu-lhe David sorrindo; refaze-te; estás em teu leito, não és casado e não tens bala acima do olho; é um sonho muito bobo; não me atormentes assim, se queres curar-te depressa.

“─ É singular, murmurou Poirée, jamais acreditei em sonhos, não creio, contudo, estou abalado.

“Dez anos depois o exército francês desembarcava na Crimeia. Os saintcyrianos se tinham perdido de vista. David, oficial ajudante ligado à divisão do príncipe Napoleão, recebeu ordem de ir descobrir um vau a montante do Alma. Para impedir que os russos o fizessem prisioneiro, apoiaram esse reconhecimento por uma companhia de caçadores, tomada do regimento mais próximo. Os russos faziam cair uma chuva de balas sobre os homens da escolta, que se estenderam em atiradores para responder.

“Não se tinham passado dez minutos quando um dos nossos oficiais rolou por terra, mortalmente ferido. O capitão David saltou do cavalo e correu para erguê-lo. Ele apoiou a cabeça em seu braço esquerdo e, destacando o cantil da cintura, aproximou-o dos lábios do ferido. Um buraco aberto acima do olho ensanguentavalhe o rosto; um soldado trouxe um pouco de água e a derramou sobre a cabeça do moribundo, que já estertorava.

“David olhou com atenção os traços, que parecia reconhecer. Um nome foi pronunciado ao seu lado; não havia dúvida, era ele, era Poirée! Ele o chamou; seus olhos se abriram e o agonizante por sua vez reconheceu o camarada de Saint-Cyr... “─ David! tu aqui?... O sonho... minha mulher...

“Estas palavras entrecortadas não tinham acabado e já a cabeça caía inerte no braço de David. Poirée estava morto, deixando sua mulher e seus filhos à lembrança e à amizade de David.

“Eu não ousaria contar semelhante história se eu mesmo não a tivesse ouvido do honrado vice-presidente do Corpo Legislativo.

“Vox populi.”

A que propósito o narrador ajunta as palavras vox populi? Poder-se-ia entendêlas assim: Os fatos desta natureza são de tal modo frequentes, que são atestados pela voz do povo, isto é, por um assentimento geral.


Espíritos batedores na Rússia



Remetem-nos de Riga, em data de 8 de abril de 1868, o seguinte extrato do Courrier russe, de São Petersburgo:

“Acreditais em Espíritos batedores? De minha parte, absolutamente não, contudo, acabo de ver um fato material, palpável, que de tal modo foge das regras do senso comum, e também está de tal modo em desacordo com os princípios de estabilidade e de gravidade dos corpos que me inculcou o meu professor do quarto ano, que não sei qual dos dois é mais ferido: o Espírito ou eu.

“Nosso secretário da redação recebeu, outro dia, um senhor de rosto agradável, de uma idade que não podemos atribuir-lhe a ideia de uma pilhéria de mau gosto; cumprimentos, apresentações etc.; tudo acabado, o senhor conta que vem ao nosso escritório pedir um conselho; que o que lhe acontece está de tal modo fora de todos os fatos da vida social, que ele julga seu dever dar-lhe publicidade.

“─ ‘Minha casa, disse ele, está cheia de Espíritos batedores; todas as noites, pelas dez horas, eles começam seus exercícios, transportando os objetos menos transportáveis, batendo, pulando e, numa palavra, pondo todo o meu apartamento de pernas para o ar. Pedi ajuda à polícia, e um soldado passou várias noites em minha casa. A desordem não cessou, embora a cada alarme ele tenha desembainhado o sabre de maneira ameaçadora. Minha casa é isolada, só tenho uma criada, minha mulher e minha filha, e quando os fatos se passam, estamos reunidos. Moro numa rua muito afastada, em Vassili-Ostroff.’

“Eu tinha entrado durante a conversa e o escutava de boca aberta. Eu disse que não acredito em Espíritos batedores, mas isso de maneira nenhuma. Expliquei a esse senhor que para dar publicidade a esses fatos, ainda precisava que estivéssemos convencidos de sua existência e lhe propus ir pessoalmente verificar a coisa. Marcamos encontro para a noite. Às nove horas eu estava na casa do meu homem. Introduziram-me numa pequena sala mobiliada muito confortavelmente; examinei a disposição das peças; eram apenas quatro, incluindo a cozinha, tudo ocupando o andar do meio de uma casa de madeira; ninguém mora em cima; o térreo é ocupado por um armazém. Pelas dez horas estávamos reunidos na sala, meu homem, sua mulher, sua filha, a cozinheira e eu. Uma meia hora, e nada de novo! De repente uma porta se abriu e uma galocha caiu no meio da sala; acreditei num comparsa e quis certificar-me de que a escada estava vazia, quando a galocha saltou sobre um móvel e de lá novamente no assoalho; depois foi a vez das cadeiras na peça vizinha, que não tinha saída senão pela que ocupávamos, e que eu acabara de verificar que estava perfeitamente vazia. Só ao cabo de uma hora o silêncio se restabeleceu e o Espírito, os Espíritos, o hábil comparsa, ou o Deus é que sabe, desapareceu, deixando-nos numa estupefação que, eu vos asseguro, nada tinha de jogo. Eis os fatos, eu os vi com os próprios olhos; não me encarrego de vo-los explicar. Se desejardes vós mesmos procurar a explicação, temos à vossa disposição todas as informações para irdes fazer vossas observações nos locais.

“HENRI DE BRENNE.”


A fome na Argélia

Os detalhes fornecidos pelos jornais sobre o flagelo que neste momento dizima as populações árabes da Argélia nada têm de exagero, e são confirmados por todas as correspondências particulares. Um dos nossos assinantes de Sétif, o Sr. Dumas, teve a bondade de nos enviar uma fotografia representando a multidão de indígenas reunidos em frente à casa onde distribuem socorros. Esse desenho, de uma verdade chocante, é acompanhado da seguinte notícia impressa:

“Depois dos anos sucessivamente calamitosos que nossa grande colônia atravessou, um flagelo ainda mais terrível veio abater-se sobre ela: a fome.

“Apenas se tinham feito sentir os primeiros rigores do inverno, vê-se que à nossa porta os árabes morrem de fome. Eles chegam em bandos numerosos, seminus, com o corpo extenuado, chorando de fome e de frio, implorando a comiseração pública, disputando à voracidade dos cães alguns restos atirados com as imundícies na via pública.

“Embora eles próprios reduzidos a cruéis extremos, os habitantes de Sétif não podem contemplar com olhar impassível tamanha miséria. Logo, e espontaneamente, organizou-se uma comissão de beneficência, sob a presidência do Sr. Bizet, cura de Sétif. Foi aberta uma subscrição, cada um dá o seu óbolo e, em consequência, foram distribuídos socorros diários no presbitério, a duzentas e cinquenta mulheres ou crianças indígenas.

“Nos últimos dias de janeiro, enquanto uma neve abundante e longamente desejada caía em nossas regiões, pôde-se fazer melhor ainda. Foi instalado um forno num vasto local; ali, duas vezes por dia, os membros da comissão distribuem alimentos, não mais a duzentas e cinquenta, mas a quinhentas mulheres ou crianças indígenas. Ali, enfim, esses infelizes encontram um asilo e um abrigo.

“Mas, ah! Os europeus são obrigados, muito a contragosto, a limitar seus socorros às mulheres e às crianças... Para aliviar todas as misérias seria preciso uma boa parte do trigo que os poderosos caïds mantêm em seus silos. Entretanto, eles esperam poder continuar suas distribuições até metade do mês de abril.”

Se nesta circunstância não abrimos uma subscrição especial nos escritórios da Revista, é que sabíamos que nossos irmãos em crença não foram os últimos a levar sua oferenda aos escritórios de sua circunscrição, para tal efeito abertos pelos cuidados da autoridade. Os donativos que nos foram enviados para esse efeito, lá foram depositados.

O Sr. capitão Bourgès, da guarnição de Laghouat, a respeito escreve-nos o seguinte:

“Há alguns anos os flagelos se sucedem na Argélia: tremores de terra, invasão de gafanhotos, cólera, seca, tifo, fome, miséria profunda vieram, um a um, atingir os indígenas que agora expiam sua imprevidência e seu fanatismo. Os homens e os próprios animais morrem de fome e se extinguem sem ruído. A fome se estende ao Marrocos e à Tunísia. Entretanto, creio que a Argélia é mais flagelada. Não poderíeis crer quanto é comovente ver esses corpos macilentos e fanados, procurando alimento em toda parte, disputando com os cães vagabundos. Pela manhã, esses esqueletos vivos correm em volta do campo e se precipitam sobre os excrementos para deles extrair os grãos de cevada que os cavalos não digeriram e com os quais se repastam imediatamente. Outros roem ossos para sugar a gelatina que neles ainda se pode encontrar, ou comem a erva rara que cresce nas proximidades do oásis. Do meio desta miséria surge uma promiscuidade horrível, que se espalha nas últimas camadas da colônia, e espalha nos corpos materiais essas chagas corrosivas que deviam ser a lepra da antiguidade. Meus olhos se fecham para não ver tanta vergonha, e minha alma sobe ao Pai celeste, para lhe pedir que preserve os bons do contato impuro e dê aos homens fracos a força de não se deixarem arrastar nesse abismo malsão.

“A Humanidade ainda está muito longe do progresso moral que certos filósofos julgam já realizado. Em redor de mim não vejo senão epicuristas, que não querem ouvir falar do Espírito; eles não querem sair da animalidade; seu orgulho se atribui uma nobre origem e, contudo, seus atos dizem claramente o que eles foram outrora.

“Vendo o que se passa, acreditar-se-ia realmente que a raça árabe está fadada a desaparecer da Terra, porque, malgrado a caridade que se exerce para com ela, e a ajuda que lhe levam, ela se compraz em sua preguiça, sem nenhum sentimento de reconhecimento. Essa miséria física, proveniente das chagas morais, ainda tem sua utilidade. O egoísta, obsidiado, acotovelado a toda hora pelo infortunado que o segue, acaba abrindo a mão, e seu coração comovido sente, enfim, as suaves alegrias proporcionadas pela caridade. Acaba de nascer um sentimento que não se apagará e talvez mesmo o do reconhecimento surja no coração daquele que é assistido. Então se forma um elo simpático; novos socorros vêm dar vida ao infeliz que se extinguia e, do desespero, este último passa à esperança. O que parecia um mal fez nascer um bem: um egoísta a menos e um homem corajoso a mais.”

Os Espíritos não se enganaram quando anunciaram que flagelos de toda sorte devastariam a Terra. Sabe-se que a Argélia não é o único país em prova. Na Revista de julho de 1867, descrevemos a terrível moléstia que há um ano flagelava a ilha Maurício. Uma carta recente diz que à doença vieram juntar-se novas desgraças, e muitas outras regiões neste momento são vítimas de acontecimentos desastrosos.

Deve-se acusar a Providência por todas essas misérias? Não, mas a ignorância, a incúria, consequência da ignorância, o egoísmo, o orgulho e as paixões dos homens. Deus não quer senão o bem; ele tudo fez para o bem; ele deu aos homens os meios para serem felizes; a eles cabe aplicá-los, senão quiserem adquirir experiência às próprias custas. Seria fácil demonstrar que todos os flagelos poderiam ser conjurados, ou pelo menos atenuados, de maneira a paralisar os seus efeitos. É o que faremos posteriormente, numa obra especial. Os homens não devem queixar-se senão de si mesmos pelos males que suportam. A Argélia nos oferece neste momento um notável exemplo: são as populações árabes, despreocupadas e imprevidentes, embrutecidas pelo fanatismo, que sofrem fome, ao passo que os Europeus souberam prevenir-se contra ela. Mas há outros flagelos não menos desastrosos, contra os quais estes últimos ainda não souberam premunir-se.

A própria violência do mal constrangerá os homens a buscar o remédio, e quando eles tiverem inutilmente esgotado os paliativos, compreenderão a necessidade de atacar o mal pela raiz, por meios heróicos. Este será um dos resultados da transformação que se opera na Humanidade.

Mas, perguntarão, que importa aos que sofrem agora a felicidade das gerações futuras? Eles terão tido o trabalho, e os outros o proveito; eles terão trabalhado, suportado o fardo de todas as misérias inseparáveis da ignorância, preparado os caminhos, e os outros, porque Deus os terá feito nascer em tempos melhores, colherão. O que faz às vítimas das exações da Idade Média o regime mais sadio no qual vivemos? Pode a isto chamar-se justiça?

É fato que, até hoje, nenhuma filosofia, nenhuma doutrina religiosa tinha resolvido essa grave questão, de tão poderoso interesse, entretanto, para a Humanidade. Só o Espiritismo lhe dá uma solução racional pela reencarnação, essa chave de tantos problemas que se julgavam insolúveis. Pelo fato da pluralidade das existências, as gerações que se sucedem são compostas das mesmas individualidades espirituais que renascem em diferentes épocas e tiram proveito dos melhoramentos que elas próprias prepararam; da experiência que adquiriram no passado. Não são novos homens que nascem; são os mesmos homens que renascem mais adiantados. Trabalhando cada geração para o futuro, na realidade trabalha em proveito próprio. A Idade Média foi seguramente uma época muito calamitosa; revivendo hoje, os homens daquele tempo se beneficiam do progresso realizado e são mais felizes, porque têm melhores instituições. Mas, quem fez melhores essas instituições? Os mesmos que outrora as tinham feito más. Devendo os de hoje reviver mais tarde, num meio ainda mais depurado, colherão o que houverem semeado; serão mais esclarecidos, e nem os seus sofrimentos, nem seus trabalhos anteriores terão sido em pura perda. Que coragem, que resignação não lhes daria esta ideia, inculcada no espírito dos homens! (Vide A Gênese, Cap. XVIII, nº 34 e 35).

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