Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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O zuavo Jacob

(Segundo artigo - vide o nº de outubro)

O Sr. Jacob é um charlatão? Seu desinteresse material é um fato constatado, e talvez um dos que mais têm desorientado a crítica. Como acusar de charlatanismo um homem que nada pede e nada quer, nem mesmo agradecimentos?

Qual seria, pois, o seu móvel? Dizem que o amor-próprio. Sendo o desinteresse moral absoluto a sublimação da abnegação, seria preciso ter a virtude dos anjos para não experimentar uma certa satisfação quando se vê a multidão se comprimir subitamente em redor de si, quando na véspera se era desconhecido. Ora, como o Sr. Jacob não tem pretensão de ser anjo, supondo, o que ignoramos, tenha exaltado um pouco a sua importância aos seus próprios olhos, não se lhe poderia disso fazer um grande crime, nem isto destruiria os fatos, se fatos houver. Preferimos crer que os que lhe imputam esse defeito estão muito acima das coisas terrenas para ter, a esse respeito, a menor censura a se fazer.

Mas, em todo caso, esse sentimento não podia ser senão consecutivo e não preconcebido. Se o Sr. Jacob tivesse premeditado o desígnio de se popularizar dando-se como curador emérito, sem poder provar algo mais que a sua impotência, em vez de aplausos ele teria recolhido, desde o primeiro dia, apupos, o que não lhe teria sido muito lisonjeiro. Para se orgulhar de alguma coisa é preciso uma causa preexistente. Assim, era preciso que ele curasse, antes de se envaidecer.

Acrescentam que ele queria que falassem dele. Que seja. Se tal foi o seu objetivo, convenhamos que graças à imprensa ele foi servido à vontade. Mas qual é o jornal que pode dizer que o Sr. Jacob foi implorar a menor propaganda, o menor artigo; que ele tenha pago uma única linha? Ele foi procurar algum jornalista? Não, os jornalistas é que foram a ele, e nem sempre puderam vê-lo facilmente. A imprensa falou dele espontaneamente quando viu a multidão, e a multidão só veio quando os fatos se deram. Ele foi cortejar grandes personagens? A estes mostrou-se mais acessível, mais atencioso, mas previdente? Todo mundo sabe que, nesse ponto, ele levou o rigorismo ao excesso. Contudo, seu amor-próprio teria encontrado mais elementos de satisfação na alta sociedade do que entre obscuros indigentes.

Portanto, logicamente temos que afastar toda imputação de intriga e de charlatanismo.

Ele cura todas as doenças? Não só não as cura todas, mas de dois indivíduos atingidos pelo mesmo mal muitas vezes cura um e nada faz pelo outro. Ele nunca sabe de antemão se curará um doente, por isso nunca promete nada. Ora, sabe-se que os charlatães não são avaros em promessas. A cura é devida às afinidades fluídicas que se manifestam instantaneamente, como um choque elétrico, e que não podem ser predeterminadas.

É ele dotado de poder sobrenatural? Voltamos ao tempo dos milagres? Perguntai a ele mesmo e ele vos responderá que em suas curas nada há de sobrenatural nem de miraculoso; que ele é dotado de um poder fluídico independente de sua vontade, que se manifesta com mais ou menos energia, conforme as circunstâncias e o meio onde ele se encontra; que o fluido que ele emite, cura certas doenças em certas pessoas, sem que ele saiba por que e como.

Quanto àqueles que pretendem que essa faculdade é um presente do diabo, podemos responder-lhes que, considerando-se que ela só se exerce para o bem, é preciso admitir que o diabo tem bons momentos, dos quais é bom tirar proveito. Também se lhes pode perguntar que diferença existe entre as curas do príncipe de Hohenlohe e as do zuavo Jacob, para que umas sejam reputadas santas e milagrosas e as outras diabólicas. Passemos sobre esta questão, que nestes tempos já não pode ser levada a sério.

A questão do charlatanismo prejulgava todas as outras, razão pela qual nela insistimos. Afastada essa questão, vejamos que conclusões podem ser tiradas da observação.

O Sr. Jacob curou instantaneamente doenças consideradas incuráveis; é um fato positivo. A questão do número de doentes curados aqui é secundária; se houvesse apenas um caso em cem, o fato não deixaria de existir. Ora esse fato tem uma causa.

A faculdade curadora levada a esse grau de força, achando-se num soldado que, por mais honesto que seja, não tem o caráter nem os hábitos nem a linguagem ou as atitudes dos santos; que é exercida fora de toda forma ou aparato místico, nas mais vulgares e nas mais prosaicas condições; que, além disto, achando-se em diferentes graus numa porção de outras pessoas, nos heréticos como nos muçulmanos, nos indus, nos budistas, etc., exclui a ideia de milagres no sentido litúrgico da palavra. É, pois, uma faculdade inerente ao indivíduo, e como não é um fato isolado, é que depende de uma lei, como todo efeito natural.

A cura é obtida sem o emprego de qualquer remédio, portanto é devida a uma influência oculta, e porque se trata de um resultado efetivo, material, e que o nada não pode produzir alguma coisa, essa influência necessariamente deve ser alguma coisa material. Então, não pode ser senão um fluido material, embora impalpável e invisível. O Sr. Jacob, não tocando no doente, não fazendo mesmo nenhum passe magnético, o fluido não pode ter por motor e propulsor senão a vontade. Ora, não sendo a vontade um atributo da matéria, só pode emanar do espírito. É, pois, o fluido que age sob o impulso do espírito. Sendo a maioria das doenças curadas por esse meio, aquelas contra as quais a Ciência é impotente, há, então, agentes curativos mais poderosos que os da medicina ordinária. Esses fenômenos são, por consequência, a revelação de leis desconhecidas pela Ciência. Em presença de fatos patentes, é mais prudente duvidar do que negar. Tais são as conclusões a que forçosamente chega todo observador imparcial.

Qual é a natureza desse fluido? É eletricidade ou magnetismo? Provavelmente tem um e outro e talvez algo mais; em todo caso, é uma modificação deles, porquanto os efeitos são diferentes. A ação magnética é evidente, embora mais poderosa que a do magnetismo ordinário, de que esses fatos são a confirmação e ao mesmo tempo a prova que ele não disse a última palavra.

Não faz parte do propósito deste artigo explicar o modo de ação desse agente curador, já descrito na teoria da mediunidade curadora. Besta ter demonstrado que o exame dos fatos conduz ao reconhecimento da existência de um princípio novo, e que esse princípio, por mais estranhos que sejam os seus efeitos, não sai do domínio das leis naturais.

Nos fatos concernentes o Sr. Jacob, por assim dizer, não foi mencionado o Espiritismo, ao passo que toda a atenção foi concentrada no Magnetismo. Isto tinha sua razão de ser e sua utilidade. Embora o concurso dos Espíritos desencarnados seja um fato constatado nessa espécie de fenômenos, aqui a sua ação não é evidente, razão por que dela fazemos abstração. Pouco importa que os fatos sejam explicados com ou sem a intervenção de Espíritos estranhos; o Magnetismo e o Espiritismo se dão as mãos; são duas partes de um mesmo todo, dois ramos de uma mesma ciência, que se completam e se explicam um pelo outro. Dar crédito ao Magnetismo é abrir caminho para o Espiritismo, e vice-versa.

A crítica não poupou o Sr. Jacob. Na falta de boas razões, ela, como de hábito, prodigalizou-lhe troças e injúrias grosseiras, com o que ele não se preocupou de maneira nenhuma. Ele desprezou umas e outras, e as pessoas sensatas ficaram gratas por sua moderação.

Alguns chegaram a solicitar a sua prisão como impostor, por abuso da credulidade pública. Entretanto, impostor é aquele que promete e não cumpre. Ora, como o Sr. Jacob nunca prometeu nada, ninguém pode queixar-se de ter sido enganado. O que lhe podiam censurar? Em que estava ele em contravenção legal? Ele não exercia a Medicina, nem mesmo ostensivamente o Magnetismo. Qual é a lei que proíbe de curar as pessoas olhando-as?

Fizeram-lhe um agravo porque a multidão de doentes que vinham a ele perturbavam a circulação, mas foi ele que chamou a multidão? Ele a convocou por anúncios? Qual o médico que se lamentaria se tivesse uma semelhante multidão à sua porta? E se um deles tivesse essa boa sorte, mesmo à custa de anúncios caros, o que diria ele se quisessem inquietá-lo por isso? Disseram que a mil e quinhentas pessoas por dia, durante um mês ter-se-iam quarenta e cinco mil doentes que se haviam apresentado e que desse modo, se os tivesse curado, não deveria mais haver coxos nem estropiados nas ruas de Paris. Seria supérfluo responder a esta singular objeção, mas diremos que quanto mais aumentarmos o número dos doentes que, curados ou não, se acotovelavam no beco sem saída da Rua Roquette, mais provaremos quanto é grande o número daqueles que a Medicina não pode curar, porque é evidente que se esses doentes tivessem sido curados pelos médicos, não teriam vindo ao Sr. Jacob.

Como, malgrado as negações, havia fatos patentes de curas extraordinárias, quiseram explicá-los dizendo que o Sr. Jacob agia, mesmo pela rudeza de suas palavras, sobre a imaginação dos doentes. Que seja, mas então, se reconheceis à influência da imaginação um tal poder sobre as paralisias, a epilepsia, os membros anquilosados, por que não empregais esse meio, em vez de deixar sofrer tanto os infelizes enfermos, ou lhes dar drogas que sabeis inúteis?

Disseram que a prova de que o Sr. Jacob não tinha o poder que se atribuía é que ele se recusou ir curar num hospital, sob as vistas de pessoas competentes para apreciar a realidade das curas.

Duas razões devem ter motivado a recusa. Primeiro, não se podia dissimular que a oferta que lhe era feita não era ditada pela simpatia, mas um desafio que lhe propunham. Se, numa sala de trinta doentes, ele não tivesse levantado ou aliviado senão três ou quatro, não teriam deixado de dizer que isto nada provava e que ele havia fracassado.

Em segundo lugar, há que levar em consideração circunstâncias que podem favorecer ou paralisar sua ação fluídica. Quando ele está rodeado de doentes que lhe vêm voluntariamente, a confiança que trazem os predispõe. Não admitindo nenhum estranho atraído pela curiosidade, ele se acha num meio simpático que a si mesmo predispõe; ele é senhor de si; seu espírito se concentra livremente, e sua ação tem toda a sua força. Numa sala de hospital, desconhecido dos doentes habituados aos cuidados de seus médicos, onde acreditar em alguma coisa além de sua medicação seria suspeitar de sua habilidade, sob os olhares inquisidores e zombeteiros de criaturas prevenidas, interessadas em denegrir; que, em vez de apoiá-lo pelo concurso de intenções benevolentes, temeriam mais do que desejariam vê-lo triunfar, porque o sucesso de um zuavo ignorante seria um desmentido dado ao seu saber, é evidente que, sob o império dessas impressões e desses eflúvios antipáticos, sua faculdade achar-se-ia neutralizada. O erro desses senhores, nisto como quando se tratou do sonambulismo, sempre foi crer que esses tipos de fenômenos seriam manobrados à vontade, como uma pilha elétrica.

As curas desse gênero são espontâneas, imprevistas e não podem ser premeditadas nem submetidas a um concurso. Acrescentemos a isto que o poder curador não é permanente; aquele que hoje o possui, pode vê-lo cessar no momento em que menos espera. Essas intermitências provam que ele depende de uma causa independente da vontade do curador e destroça os cálculos do charlatanismo.

NOTA: O Sr. Jacob ainda não retomou o curso de suas curas. Ignoramos o motivo, e parece que nada há de fixado quanto à época em que recomeçará, se isto tiver que se dar. Enquanto se espera, informam-nos que a mediunidade curadora se propaga em diversas localidades, com aptidões diversas.

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