Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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O zuavo Jacob

Estando na ordem do dia a faculdade curadora, não é de admirar que a ela tenhamos consagrado a maior parte deste número. Seguramente estamos longe de haver esgotado o assunto, por isto a ele voltaremos.

Para apaziguar, inicialmente, as ideias de muitas pessoas interessadas na questão relativa ao Sr. Jacob, as quais nos escreveram ou poderiam escrever-nos a respeito, dizemos:

1º - Que as sessões do Sr. Jacob foram suspensas. Assim, seria inútil ir ao lugar onde se realizavam: Rua de la Roquette, 80, e que, até o presente, ele não as reabriu em parte alguma. O motivo foi o excessivo ajuntamento de pessoas, que dificultava a circulação numa rua muito frequentada, e num beco sem saída ocupado por grande número de industriais que se viam prejudicados em seus negócios e não podiam nem receber os seus fregueses, nem expedir as suas mercadorias. Neste momento o Sr. Jacob não faz sessões públicas, nem particulares.

2º - Tendo em vista a afluência, e devendo cada um esperar muito tempo a sua vez, aos que nos perguntaram ou, no futuro, nos viessem a perguntar se, conhecendo pessoalmente o Sr. Jacob, com uma recomendação nossa não poderiam conseguir um atendimento preferencial, diremos que jamais pedimos e não o pediríamos nunca, pois sabemos que seria inútil. Se atendimentos preferenciais tivessem sido concedidos, teriam sido em prejuízo dos que esperam, e isto não teria deixado de provocar justas reclamações. O Sr. Jacob não fez exceções para ninguém; o rico devia esperar como o infeliz, porque, obviamente, o infeliz sofre tanto quanto o rico; ele não tem, como este, o conforto como compensação e, além disso, muitas vezes espera a saúde para ter de que viver. Por isso felicitamos o Sr. Jacob, e se ele não tivesse agido assim, solicitando uma preferência, apenas teríamos feito uma coisa que nele teríamos censurado.

3º - Aos doentes que nos perguntaram, ou poderiam perguntar-nos se lhes aconselhamos fazer a viagem a Paris, dizemos: O Sr. Jacob não cura todo mundo, como ele mesmo declara; ele nunca sabe por antecipação se curará ou não um doente; é somente quando o doente está em sua presença que ele julga da ação fluídica e vê o resultado. Por isto nunca promete nada e nada responde. Aconselhar alguém a fazer a viagem a Paris, seria assumir uma responsabilidade sem certeza de sucesso. É, pois, um risco a correr. Se a pessoa não obtém resultado, fica com as despesas de viagem, ao passo que se gasta, por vezes, somas enormes em consultas sem mais resultado, se não fica curado, não pode dizer que pagou por um atendimento que só deu prejuízo.

4º - Aos que nos perguntam se, indenizando o Sr. Jacob de suas despesas de viagem, já que ele não aceita honorários, ele concordaria em vir a tal ou qual localidade para cuidar de um doente, respondemos: O Sr. Jacob não atende convites dessa natureza, pelas razões desenvolvidas acima. Não podendo previamente responder pelos resultados, consideraria uma indelicadeza induzir em despesas sem certeza, e, em casos sem êxito, seria dar asas à crítica.

5º - Aos que escrevem ao Sr. Jacob, ou nos mandam cartas para lhes serem enviadas, dizemos: O Sr. Jacob tem em casa um armário cheio de cartas que não lê, e ele não responde a ninguém. Com efeito, o que poderia ele dizer? Aliás, ele não cura por correspondência. Fazer frases? Não é o seu gênero. Dizer que tal doença é curável por intermédio dele? Ele não sabe. Pelo fato de ter curado uma pessoa de tal doença, não se segue que cure a mesma doença em outras pessoas, porque as condições fluídicas não são mais as mesmas. Indicar um tratamento? Ele não é médico, e evitaria fornecer esta arma contra si.

Escrever a ele, portanto, é trabalho inútil. A única coisa a fazer, caso ele reabrisse as sessões, que erram classificando de consultas, pois não o consultam, é apresentar-se em primeiro lugar, entrar na fila, esperar pacientemente e arriscar a chance. Se não ficar curado, não pode queixar-se de ter sido enganado, porque ele nada promete.

Há fontes que têm a propriedade de curar certas moléstias. As pessoas vão lá. Uns se sentem bem, outros apenas são aliviados e outros, enfim, não melhoram absolutamente nada. É preciso considerar que o Sr. Jacob é como uma fonte de fluidos salutares a cuja influência vão submeter-se, mas que, não sendo uma panaceia universal, não cura todos os males e pode ser mais ou menos eficaz, conforme as condições do doente.

Mas, enfim, houve curas? Um fato responde a esta pergunta: Se ninguém tivesse sido curado, a multidão não teria ido para lá, como fez.

Mas uma multidão crédula não pode ter sido enganada por falsas aparências e ir até lá com fé numa reputação usurpada? Comparsas não podem ter simulado doenças para parecerem curados?

Isto sem dúvida já se viu e se vê todos os dias, quando comparsas têm interesse em representar uma comédia. Ora, aqui, que proveito teriam tirado? Quem os teria pago? Certamente não é o Sr. Jacob, com o seu soldo de músico zuavo; também não é lhes pagando tanto por consulta, porque ele nada recebia. Compreende-se que aquele que quer criar uma clientela a qualquer preço empregue semelhantes meios, mas o Sr. Jacob não tinha qualquer interesse em atrair a si a multidão; ele não a chamou; foi ela que veio a ele e, pode dizer-se, malgrado seu. Se não tivesse havido os fatos, ninguém teria vindo, pois ele não chamava ninguém. Sem dúvida os jornais contribuíram para aumentar o número de visitantes, mas eles só falaram porque já existia a multidão, sem o que nada teriam dito, pois o Sr. Jacob não lhes tinha pedido que falassem dele, nem pago para fazerem propaganda. É preciso, portanto, descartar toda ideia de subterfúgios, que não teriam nenhuma razão de ser, na circunstância de que se trata.

Para apreciar os atos de um indivíduo, há que procurar o interesse que pode movê-lo na sua maneira de agir. Ora, está constatado que não havia nenhum da parte do Sr. Jacob; que também não havia interesse para o Sr. Dufayet, que cedia seu local gratuitamente e punha seus operários ao serviço dos doentes, para subir os enfermos, e isto em prejuízo de seus próprios interesses; enfim, que comparsas nada tinham a ganhar.

Considerando-se que as curas operadas pelo Sr. Jacob nestes últimos tempos são do mesmo gênero das obtidas o ano passado, no campo de Châlons, e tendo os fatos sucedido mais ou menos da mesma maneira, apenas em maior escala, remetemos os leitores aos relatos e apreciações que demos na Revista de outubro e novembro de 1866. Quanto aos incidentes particulares deste ano, apenas poderíamos repetir o que todos souberam pelos jornais. Assim, quanto ao presente, restringirnos-emos a algumas considerações gerais sobre o fato em si mesmo.

Há cerca de dois anos os Espíritos nos haviam anunciado que a mediunidade curadora tomaria grandes desenvolvimentos e seria um poderoso meio de propagação para o Espiritismo. Até então não tinha havido senão curadores operando, por assim dizer, na intimidade e sem alarde. Dissemos aos Espíritos que, para que a propagação fosse mais rápida, era preciso que surgissem médiuns suficientemente poderosos para que as curas tivessem repercussão no público. ─ Isto acontecerá, foi a resposta, e haverá mais de um.

Essa previsão teve um começo de realização o ano passado, no campo de Châlons, e Deus sabe se este ano faltou repercussão às curas da Rua de la Roquette, não só na França, mas no estrangeiro.

A emoção geral que estes fatos causaram é justificada pela importância das perguntas que eles determinam. Não há por que se equivocar, porquanto aqui não está um desses acontecimentos de simples curiosidade, que por um momento apaixonam a multidão ávida de novidades e distrações. A gente não se distrai com o espetáculo das misérias humanas; a visão desses milhares de doentes correndo em busca da saúde que não podem encontrar nos recursos da Ciência, nada tem de prazenteiro e conduz a sérias reflexões.

Sim, há aqui algo além de um fenômeno vulgar. Sem dúvida admiram-se das curas obtidas em condições tão excepcionais que chegam às raias do prodígio, mas o que impressiona mais ainda que o fato material, é que aí pressentem a revelação de um princípio novo, cujas consequências são incalculáveis, de uma dessas leis por tanto tempo ocultas no santuário da Natureza, que, à sua aparição, mudam o curso das ideias e modificam profundamente as crenças.

Diz uma secreta intuição que se os fatos em questão são reais, é mais que uma mudança nos hábitos, mais que um deslocamento de indústria: é um elemento novo introduzido na Sociedade, uma nova ordem de ideias que se estabelece.

Embora os acontecimentos do campo de Châlons tenham preparado para o que acaba de se passar, em consequência da inatividade do Sr. Jacob durante um ano, eles quase tinham sido esquecidos; a emoção se havia acalmado, quando, de repente, os mesmos fatos explodem no seio da capital e de súbito tomam proporções incríveis. As pessoas, por assim dizer, despertaram, como no dia seguinte a uma revolução, e abordavam-se umas às outras perguntando: Sabeis o que está acontecendo na Rua de la Roquette? Tendes novidades? Passavam aos jornais, como se se tratasse de um grande acontecimento. Em quarenta e oito horas a França inteira ficou sabendo.

Há nesta instantaneidade algo de notável e de mais importante do que se pensa.

A impressão do primeiro momento foi de estupor: ninguém riu. A própria imprensa trocista simplesmente relatou os fatos e os boatos sem comentários. Diariamente ela dava o boletim, sem se pronunciar nem pró nem contra, e foi possível notar que a maioria dos artigos não tinham o tom de troças; eles exprimiam a dúvida, a incerteza quanto à realidade de fatos tão estranhos, mas inclinando-se mais para a afirmação do que para a negação. É que o assunto, por si mesmo, era sério; tratava-se do sofrimento, e o sofrimento tem algo de sagrado que impõe respeito; em semelhantes casos, a troça estaria deslocada e seria universalmente reprovada. Jamais se viu a veia trocista exercer-se na frente de um hospital, mesmo de loucos, ou de um comboio de feridos. Homens de coração e de senso não podiam deixar de compreender que, numa coisa que se refere uma questão de humanidade, a zombaria teria ficado deslocada, porque teria sido um insulto à dor. Também é com um sentimento penoso e uma espécie de desgosto que hoje se vê o espetáculo desses infelizes doentes reproduzido grotescamente nos palcos e traduzido em canções burlescas. Admitindo de sua parte uma credulidade pueril e uma esperança mal fundamentada, não é uma razão para faltar ao respeito que se deve ao sofrimento.

Em presença de tal repercussão, a denegação absoluta era difícil. A dúvida só é permitida àquele que não sabe ou que não viu. Entre os incrédulos de boa-fé e por ignorância, muitos compreenderam que seria imprudência prematuramente inscrever-se em falso contra fatos que um dia ou outro poderiam receber uma consagração e lhes dar um desmentido. Assim, pois, sem nada negar nem afirmar, a imprensa geralmente limitou-se a consignar o estado das coisas, deixando à experiência o cuidado de confirmá-las ou desmenti-las, e sobretudo explicá-las. Era a decisão mais prudente.

Passado o primeiro momento de surpresa, os adversários obstinados de toda coisa nova que contraria as suas ideias, por um instante atordoados pela violência da irrupção, tomaram coragem, sobretudo quando viram que o zuavo era paciente e de humor pacífico. Começaram o ataque e desfecharam contra ele uma carga de fundo, com as armas habituais dos que não têm boas razões para opor: a troça e a calúnia exacerbada. Mas a sua polêmica acrimoniosa desencadeia a cólera e um embaraço evidente, e seus argumentos, que na maior parte assentam em falso e sobre alegações notoriamente inexatas, não são daqueles que convencem, porque se refutam por si mesmos.

Seja como for, não se trata aqui de uma questão de pessoa. Que o Sr. Jacob sucumba na luta, ou não, é uma questão de princípios que está em jogo, que é colocada com uma imensa repercussão, e que seguirá o seu curso. Ela traz à memória inumeráveis fatos do mesmo gênero que a história menciona, e que se multiplicam em nossos dias. Se é uma verdade, ela não está encarnada num homem, e nada poderia asfixiá-la; a própria violência dos ataques prova que temem que seja uma verdade.

Nesta circunstância, os que testemunham menos surpresa e menos se emocionam são os espíritas, porque essa espécie de fatos nada têm de que eles não se deem conta perfeitamente. Conhecendo a causa, eles não se admiram dos efeitos.

Quanto àqueles que não conhecem nem a causa do fenômeno nem a lei que os rege, naturalmente se perguntam se é uma ilusão ou uma realidade; se o Sr. Jacob é um charlatão; se ele realmente cura todas as moléstias; se ele é dotado de um poder sobrenatural e de quem ele o haure; se voltamos aos tempos dos milagres. Vendo a multidão que o cerca e o segue, como outrora a que seguia Jesus na Galileia, alguns chegam a perguntar se ele são seria o Cristo reencarnado, ao passo que outros pretendem que sua faculdade seja um presente do diabo.

Há muito tempo todas estas questões estão resolvidas para os espíritas, que têm a sua solução nos princípios da Doutrina. Não obstante, como daí podem sair vários ensinamentos importantes, nós os examinaremos num próximo artigo, no qual igualmente destacaremos a inconsequência de certas críticas.

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