Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Simonet

Médium curador de Bordeaux

O Fígaro de 5 de julho último dava conta, nestes termos, de um julgamento feito pelo tribunal de Bordéus:

“Nestes últimos tempos, o furor em Bordéus era ir consultar o feiticeiro de Cauderon. Avalia-se em mil ou mil e duzentas a quantidade de visitas diárias que ele recebia. A polícia, que faz profissão de ceticismo, inquietou-se com semelhante sucesso e quis fazer uma devassa no castelo de Bel-Air, onde o feiticeiro tinha estabelecido sua morada. Nos arredores da morada do feiticeiro encontrava-se uma multidão acometida de toda espécie de doença; grandes damas também aí vinham de carro para consultar o iluminado.

“Os magistrados, após interrogar o feiticeiro, ficaram convencidos que se tratava de um pobre louco que era explorado por aqueles que lhe davam hospedagem; assim, o feiticeiro Simonet não foi envolvido na perseguição que se contentaram em dirigir contra os irmãos Barbier, hábeis comparsas que recolhiam todo o lucro da credulidade gascã.

“Sua casa, que como verdadeiros gascões enfeitavam com o nome de castelo, tinha sido convertida em albergue; apenas os vinhos aí vendidos nada tinham de comum com os que no Languedoc são chamados vinhos de Château; além disto, eles tinham esquecido de obter uma licença, de modo que a administração das contribuições indiretas havia movido contra eles um processo.

“O feiticeiro Simonet tinha sido citado como testemunha.

─ “Onde aprendestes a medicina, se sois um simples caldeireiro?

─ “E o que pensais da revelação? Quem eram, então, os discípulos do Cristo?

Que faziam esses pobres pescadores que converteram o mundo? Deus me apareceu.

Ele me deu a sua ciência e eu não preciso de remédios; sou um médico curador.

─ “Onde aprendestes tudo isto?

─ “Em Allan Kardec.. e mesmo, Senhor Presidente, eu vo-lo digo com todo o respeito possível, pareceis não conhecer a ciência do Espiritismo, e eu vos aconselho mesmo a estudá-la (Hilaridade a que não resistiram os próprios juízes).

─ “Abusais da credulidade pública. Assim, para citar apenas um exemplo, há um pobre cego que toda Bordéus conhece. Ele cometeu a fraqueza de ir a vós e vos levava óbolos, que recebia da caridade pública. Devolveste-lhe a visão?

─ “Eu não curo todo mundo, mas é preciso crer que eu faço curas, porque no dia em que a justiça veio, havia mais de 1.500 pessoas que esperavam a sua vez.

─ “Infelizmente é verdade.

“O senhor procurador imperial:

─ “E se isto continuar, tomaremos uma destas duas medidas: ou vos citaremos aqui por extorsão, e a justiça apreciará se sois louco, ou tomaremos uma medida administrativa contra vós. É preciso proteger as pessoas honestas contra sua credulidade.

“No Castelo de Bel-Air não pediam dinheiro aos consulentes; apenas lhes distribuíam um número de ordem, pelo qual pagavam vinte cêntimos; depois havia os que traficavam com esses números, revendendo-os até a quinze francos. Davam comida para os pobres camponeses, por vezes vindos dos limites do Departamento. Enfim, havia um recipiente para o depósito de esmolas para os pobres; desnecessário dizer que os hospedeiros do feiticeiro se apropriavam do dinheiro dos pobres.

“O tribunal condenou os tais Barbier a dois meses e um mês de prisão e 300 francos a título de contribuições indiretas.

“Ad. ROCHER.”

Eis a verdade sobre Simonet, e como se revelou sua faculdade.

Os senhores Barbier constroem em Cauderan, subúrbio de Bordéus, um vasto estabelecimento, como há vários no bairro, destinado a bailes, núpcias e banquetes, e ao qual deram o nome de Château du Bel-Air, o que não é mais gascão que o Châteu-Rouge ou o Château des Fleurs de Paris. Simonet ali trabalhava como marceneiro e não como caldeireiro. Durante os trabalhos de construção, acontecia muitas vezes que operários se feriam ou adoeciam. Simonet, espírita há muito tempo, e conhecendo um pouco de magnetismo, instintivamente foi levado, sem desígnio premeditado, a deles cuidar pela influência fluídica, e curou muitos. A repercussão dessas curas espalhou-se, e em breve ele viu uma multidão de doentes a ele acorrerem, tanto é certo que, façam o que fizerem, não tirarão dos doentes o desejo de se verem curados, seja por quem for. Sabemos por testemunhas oculares que a média dos que se apresentavam era de mais de mil por dia. A estrada estava atravancada de veículos de toda espécie, vindos de várias léguas de distância, carretas ao lado de equipagens. Havia pessoas que passavam a noite à espera de sua vez.

Mas nessa multidão havia pessoas que necessitavam comer e beber. Os empreendedores do estabelecimento forneciam alimentação e bebida, e isto se tornou para eles um ótimo negócio. Quanto a Simonet, que era uma fonte de lucros indiretos, era hospedado e alimentado; isto era o de menos, e não se lhe poderia fazer qualquer reproche. Como se acotovelavam à porta, para evitar a confusão, tomaram a sábia decisão de dar um número de ordem aos que chegavam, mas tiveram a ideia menos feliz de cobrar dez cêntimos por número, e mais tarde vinte cêntimos, o que, dada a afluência, diariamente perfazia um montante bem considerável. Por menor que fosse essa retribuição, todos os espíritas, e o próprio Simonet, que não estava metido nisso, a viram com pesar, pressentindo o mau efeito que isto produziria. Quanto ao tráfico de cartões, parece certo que algumas pessoas mais apressadas, para entrar mais cedo, compravam o lugar de gente pobre que estava à frente, muito contentes com esse ganho inesperado. Nisto não há grande mal, mas podia e devia certamente resultar em abuso. Foram esses abusos que motivaram a ação judiciária dirigida contra os tais Barbier, como tendo aberto um estabelecimento de consumação antes de se haverem munido de um alvará. Quanto a Simonet, não foi posto em causa, mas apenas citado como testemunha.

A reprovação geral que se liga à exploração, em casos análogos ao de Simonet, é digna de nota. Parece que um sentimento instintivo leva até mesmo os incrédulos a ver no desinteresse absoluto uma prova de sinceridade que inspira uma espécie de respeito involuntário. Eles não creem na faculdade; levam-na em troça, mas qualquer coisa lhes diz que se ela existe, deve ser uma coisa santa, que não pode, sem profanação, tornar-se uma profissão; limitam-se a dizer: É um pobre louco de boa-fé; mas todas as vezes que a especulação, seja sob que forma for, se mistura a uma mediunidade qualquer, a crítica se julga dispensada de qualquer consideração.

Simonet cura realmente? Pessoas dignas de fé, muito respeitáveis, e que teriam mais interesse em desmascarar a fraude do que em preconizá-la, nos citaram numerosos casos de cura perfeitamente autênticos. Aliás, parece-nos que se ele não tivesse curado ninguém, já teria perdido todo o crédito. Ademais, ele não tem a pretensão de curar todo mundo; nada promete; diz que a cura não depende dele, mas de Deus, de que é apenas instrumento, e cuja assistência deve ser implorada; recomenda a prece e ele próprio ora. Lamentamos muito não ter podido vê-lo durante nossos dias em Bordéus; mas todos os que o conhecem são concordes em dizer que é um homem suave, simples, modesto, sem jactância nem fanfarronadas, que não procura prevalecer-se de uma faculdade que sabe que pode ser-lhe retirada. É benevolente com os doentes, que encoraja por boas palavras. O interesse que lhes demonstra não se baseia na posição que ocupam; tem tanta solicitude pelo mais miserável quanto pelo mais rico. Se a cura não for instantânea, o que ocorre muitas vezes, ele aí põe toda a perseverança necessária.

Eis o que nos foi dito. Ignoramos quais serão para ele as consequências deste negócio, mas é certo que, se for sincero e perseverar nos sentimentos de que parece animado, não lhe faltarão a assistência e a proteção dos bons Espíritos; ele verá sua faculdade desenvolver-se e crescer, ao passo que a verá declinar e perder-se se entrar num mau caminho, sobretudo se pensar em se envaidecer.

NOTA: No momento de ir para o prelo, soubemos que, em consequência da fadiga para ele resultante do longo e penoso exercício de sua faculdade, mais do que para escapar aos ataques de que era vítima, Simonet resolveu suspender qualquer recepção até nova ordem. Se os doentes sofrem por esta abstenção, ao menos se produziu um grande efeito.

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