Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Variedades

Caso de identidade

Um dos nossos correspondentes de Maine-et-Loire transmite-nos o fato seguinte, que se passou aos seus olhos, como prova de identidade:

Há algum tempo o Sr. X... estava gravemente doente em C..., em Touraine, e sua morte era esperada a cada instante. A 23 de abril último, tínhamos por alguns dias em nosso grupo uma senhora médium a quem devemos comunicações muito interessantes. Veio ao pensamento de um dos assistentes, que conhecia o Sr. X..., perguntar a um Espírito familiar do nosso grupo, Espírito leviano, mas não mau, se aquele senhor tinha morrido.

─ Sim, foi a resposta.

─ Mas, é verdade mesmo? Porque às vezes falas levianamente.

O Espírito respondeu de novo afirmativamente. No dia seguinte, o Sr. A. C..., que até então tinha sido pouco crédulo, e que também conhecia particularmente o Sr. X..., quis, ele próprio, tentar evocá-lo, se com efeito estivesse morto. O Espírito veio imediatamente ao seu apelo e disse:

─ Peço-vos que não me esqueçais. Orai por mim.

─ Há quanto tempo estais morto? perguntou o Sr. A. C...

─ Um dia.

─ Quando sereis enterrado?

─ Esta tarde, às quatro horas.

─ Sofreis?

─ Tudo o que uma alma pode sofrer.

─ Conservais-me rancor?

─ Sim.

─ Por que?

─ Sempre fui muito duro convosco.

As relações desses dois senhores tinham sido sempre frias, embora perfeitamente polidas. Rogado a assinar, o Espírito deu as três iniciais de seu nome e de seu sobrenome. No mesmo dia o Sr. A. C. recebeu uma carta anunciando-lhe a morte do Sr. X... À noite, após o jantar, ouviram-se pancadas. O Sr. A. C. tomou da pena e escreveu o ditado batido pelo Espírito:

Fui ambicioso, sem dúvida todo homem é; Mas nunca rei, pontífice, chefe ou cidadão concebeu Um projeto tão grande quanto o meu.

As batidas eram fortes, acentuadas, quase imperiosas, como vindas de um Espírito iniciado há muito tempo nas relações do mundo invisível com os homens. O Sr. X... tinha desempenhado altas funções administrativas; talvez nos lazeres da aposentadoria e sob a influência da lembrança de suas antigas ocupações, seu Espírito tinha elaborado algum grande projeto. Uma carta recebida há dois dias confirma todos os detalhes acima.

OBSERVAÇÃO: Sem dúvida este fato nada tem de extraordinário que não se encontre muitas vezes, mas esses fatos íntimos nem sempre são os menos instrutivos e convincentes; fazem mais impressão nos círculos onde se passam do que o fariam fenômenos estranhos, que seriam olhados como excepcionais. O mundo invisível aí se revela em condições de simplicidade que o aproximam de nós e melhor convencem da continuidade de suas relações com o mundo visível. Numa palavra, os mortos e os vivos aí estão mais em família e se reconhecem melhor. Os fatos deste gênero, por sua multiplicidade e pela facilidade de obtê-los, contribuíram mais para a propagação do Espiritismo do que as manifestações que têm as aparências do maravilhoso. Um incrédulo ficará mais tocado por uma simples prova de identidade dada espontaneamente, na intimidade, por algum parente, amigo ou conhecido, do que por prodígios que pouco o tocam e nos quais não acredita.

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