Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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“Senhor,

“Para combater o Espiritismo, seus adversários acabam de imaginar uma nova tática, que consiste em fazer aparecerem no palco espectros e fantasmas impalpáveis, apresentados como os do Espiritismo. Tais aparições se dão todas as noites na Sala Robin, no Boulevard du Temple. Ontem assisti à segunda representação e não foi sem espanto que ouvi o Sr. Robin dizer aos seus espectadores que se havia proposto, por suas experiências, a combater a estranha crença de certas pessoas que imaginam que os Espíritos movimentam mãos e fazem as mesas girarem.

“Senhor, jamais compreendi, por meu lado, que possa haver analogia entre essas imitações criadas pela física recreativa e as manifestações espíritas que estão nas leis da Natureza. Assim, tais manobras quase não são de temer pelos adeptos do Espiritismo. Contudo, como não se deve deixar surpreender a boa-fé do público, considerei-me na obrigação de informar-vos acerca desses fatos, a fim de que lhes consagreis um artigo especial na Revista, se achardes conveniente. Como tenho o hábito de agir às claras e não na sombra, autorizo-vos a fazer desta o uso que vos aprouver.

“Recebei, etc.

“SIMOND, estudante de Direito em Paris.”

Há algum tempo se fala de uma peça fantástica, montada no Teatro du Châtelet, onde, por um processo novo e secreto, fazem aparecer em cena sombras-fantasmas impalpáveis. Parece que o segredo foi descoberto, pois o Sr. Robin o explora neste momento. Como não a vimos, nada podemos dizer quanto ao mérito da imitação. Fazemos votos que seja menos grosseira que a imaginada pelo casal Girroodd, americanos do Canadá, que alguns traduzem por Girod de Saint-Flour, para simular a transmissão do pensamento através das paredes, e que seria a morte irremediável dos médiuns e dos sonâmbulos. Fazemos votos para que sua invenção não lhe traga o mesmo desastre que trouxe a estes últimos.

Seja como for, o Sr. Simond tem toda razão de pensar que tais manobras não são absolutamente temíveis porque, pelo fato de se poder imitar uma coisa, não se segue que a coisa não exista. Os falsos diamantes nada tiram do valor dos brilhantes finos, e as flores artificiais não impedem que haja flores naturais. Pretender provar que certos fenômenos não existem porque podem ser imitados, seria inegavelmente como se aquele que fabrica o champanhe com água de Seltz pretendesse provar com isso que o champanhe e o bicho preguiça só existem na imaginação.

Jamais a imitação foi mais engenhosa, mais perfeita e mais espirituosa que a da dupla vista pelo Sr. Robert Houdin. Contudo, isso absolutamente não desacreditou o sonambulismo. Ao contrário, porque, tendo visto a pintura, quiseram ver o original.

O Sr. e a Sra. Girroodd tinham a pretensão de matar os médiuns fazendo passar todos os fenômenos espíritas por escamoteações. Ora, como esses fenômenos são o pesadelo de certas pessoas, tinham colhido as adesões, publicadas em seus prospectos, de vários padres e bispos espiritófobos, encantados com essa cacetada aplicada no Espiritismo. Mas, em sua alegria, tais senhores não tinham refletido que os fenômenos espíritas vêm demonstrar a possibilidade dos fatos miraculosos e que provar, se fosse possível provar, que esses fenômenos não são golpes de mágica, seria provar que o mesmo pode dar-se com os milagres; que, consequentemente, desacreditar uns, seria desacreditar os outros. Jamais se pensa em tudo. Estando um pouco gastas as mágicas do Sr. Girroodd, ele fará agora acordo com o Sr. Robin para as suas aparições?

O Indépendence Belge, que não gosta do Espiritismo, não sabemos bem por quê, pois ele nunca lhe fez mal, falando desse novo truque cênico, em um número de junho, exclamava: “Eis a religião do Sr. Allan Kardec metida a pique. Como vai o Espiritismo sair-se desta?” Notai que essa pergunta tem sido feita muitas vezes, por todos quantos lhe pretenderam dar golpes fatais, sem excetuar o Sr. Pe. Marouzeau, e o Espiritismo não saiu deles pior. Diremos ao Indépendence que supor que ele repouse em aparições é prova de ignorância completa da base do Espiritismo e que se essa base for subtraída subtraem-lhe a alma.

Se fosse comprovado que o fato das aparições é uma farsa, a religião sofreria mais que o Espiritismo, pois três quartas partes dos mais importantes milagres não têm outro fundamento.

A arte cênica é a arte da imitação por excelência, desde o frango de papelão até as mais sublimes virtudes, e disso não se deduz que não se deva crer nos frangos verdadeiros nem nas virtudes.

Esse novo gênero de espetáculo, por sua originalidade, vai aguçar a curiosidade pública, e será repetido em todos os teatros, pois dará dinheiro; fará falar do Espiritismo talvez ainda mais que os sermões, precisamente devido à analogia que os jornais tentarão estabelecer. É mesmo preciso persuadir-se de que tudo o que tende a preocupar a opinião, forçosamente leva ao exame, ainda quando não fosse por curiosidade, e é de tal exame que saem os adeptos.

Os sermões o apresentam sob um aspecto sério e terrível, como um monstro invasor do mundo e ameaçador da Igreja até os seus alicerces. Os teatros vão dirigirse à multidão dos curiosos, de sorte que os que não frequentam os sermões dele ouvirão falar no teatro, e os que não vão ao teatro ouvirão falar no sermão. Como se vê, há para todos.

É realmente uma coisa admirável ver por que meios as forças ocultas que dirigem esse movimento chegam a fazê-lo penetrar em toda parte, servindo-se dos mesmos que o querem derrubar. É bem certo que, sem os sermões de um lado e as facécias dos jornais do outro, a população espírita seria hoje dez vezes menor do que é.

Assim, dizemos que as imitações, mesmo supondo-as tão perfeitas quanto possível, não podem causar qualquer prejuízo. Dizemos, até, que são úteis. Com efeito, eis o Sr. Robin que, por meio de um processo qualquer, produz coisas admiráveis ante os espectadores, afirmando serem as mesmas do Espiritismo, produzidas pelos médiuns. Ora, entre os assistentes, alguns dirão: “Já que com o Espiritismo é possível fazer o mesmo, estudemo-lo, aprendamos a ser médium e poderemos ver em casa, tanto quanto quisermos e sem pagar, aquilo que se vê aqui.” Entre estes, muitos reconhecerão o lado sério da questão e é assim que, sem o querer, eles servem aos que querem prejudicar.

O que temem as pessoas sérias é que essas palhaçadas enganem certas criaturas sobre o verdadeiro caráter do Espiritismo. Aí, sem dúvida, está o lado mau, mas o inconveniente não tem importância, porque o número dos que se deixam enganar é ínfimo. Aqueles que dissessem: “É apenas isto!” mais cedo ou mais tarde terão ocasião de reconhecer que é outra coisa. E, enquanto esperam, a ideia se espalha, a gente se familiariza com a palavra que, sob o manto burlesco, tudo penetra; pronunciam-no sem desconfiança e quando a palavra está por toda parte, a coisa está bem próxima de aí estar.

Quer seja isto uma manobra dos adversários do Espiritismo, quer simples combinação pessoal para reforçar a receita, é forçoso convir que é inepta.

Haveria mais habilidade da parte dos senhores Robin e consortes em negar qualquer analogia com o Espiritismo ou o magnetismo, porque proclamar tal paridade é reconhecer uma concorrência ─ falamos de seu ponto de vista comercial ─ é proporcionar a vontade de ver essa concorrência e confessar que ambos podem ser postos de lado.

Já que estamos no capítulo das inépcias, eis uma, como já houve tantas outras. Lamentamos fazê-la figurar ao lado da dos Srs. Robin e Girroodd, mas é a analogia do resultado que a isto nos força. Aliás, considerando-se que os dignitários da Igreja não julgaram que se rebaixavam patrocinando um prestidigitador contra o Espiritismo, não poderão escandalizar-se encontrando um sermão neste capítulo.


Escreve-nos um correspondente de Bordeaux:

“Caro mestre, acabo de receber uma carta de minha irmã, que mora na cidadezinha de B... Ela se desesperava por não encontrar ninguém com quem conversar sobre o Espiritismo, quando os adversários de nossa cara doutrina vieram tirá-la do embaraço.

“Tendo dele ouvido falar vagamente, algumas pessoas se dirigiram aos carmelitas para saber o que era. Estes, não contentes em desviá-los, pregaram quatro sermões a respeito, cujas principais conclusões são as seguintes: “Os médiuns são possessos do demônio. Eles só agem com objetivos interesseiros e não se servem de seu poder senão para encontrar tesouros e objetos preciosos perdidos, mas, ao contacto de uma santa relíquia, vê-los-eis esticar-se e torcer-se em horríveis convulsões.

“Os tempos preditos pelos Evangelhos são chegados. Os médiuns não passam dos falsos profetas anunciados pelo Cristo. Em breve todos terão por chefe o Anticristo. Farão milagres e prodígios admiráveis, e por tal meio ganharão para a sua causa três quartos da população do globo, o que será sinal do fim dos tempos, porque Jesus descerá sobre uma nuvem celeste e, de um sopro, os precipitará nas chamas eternas.”

“O resultado foi que toda a cidade ficou abalada. Por toda parte se fala do Espiritismo. As pessoas não se contentam com a explicação do padre e querem saber mais, e minha irmã, que não via ninguém, certos dias recebe mais de trinta visitas. Ela os remete sempre ao Livro dos Espíritos, que em pouco estará em todas as mãos, e muitos dos que já o têm dizem que isto em nada se parece com o quadro feito pelo pregador, porque ele disse tudo ao contrário. Assim, agora contamos com vários adeptos sérios, graças a esses sermões, sem os quais o Espiritismo não teria penetrado há tanto tempo naquelas paragens remotas.”

Não tínhamos razão de dizer que é ainda uma inépcia? E não teríamos razão de bem-querer a adversários que trabalham tão bem por nós? Mas esta não é a última. Esperamos a maior delas, que coroará a obra. Há um ano eles engendram uma muito grave, que evitamos revelar, porque é preciso que ela vá até o fim, mas cujas consequências veremos um dia. Há cerca de dois anos perguntávamos a um dos nossos guias espirituais por que meio poderia o Espiritismo penetrar no campo. A resposta foi:

─ Pelos curas.

─ Dar-se-á isso voluntária ou involuntàriamente, da parte deles?

─ A princípio involuntariamente, depois voluntariamente. Em breve farão uma propaganda cujo alcance não podeis avaliar. Não vos inquieteis com coisa alguma e deixai a coisa andar. Os Espíritos velam e sabem o que fazem.

A primeira parte da predição, como se vê, realiza-se o melhor possível. Aliás, todas as fases pelas quais passou o Espiritismo nos têm sido anunciadas e todas as que deve ainda percorrer até o seu estabelecimento definitivo no-lo são igualmente, e cada dia verifica o acontecimento.

É em vão que procuram dissuadir do Espiritismo, apresentando-o sob cores horrorosas. Como se vê, o efeito é bem diverso do que esperam. Para dez pessoas desviadas, há cem ligadas. Isto prova que há, por si mesmo, uma irresistível atração, sem falar da do fruto proibido. Isto nos trás à memória a seguinte anedota:

Um dia um proprietário trouxe para casa um barril de vinho excelente, mas como ele temia a infidelidade dos criados, colou uma etiqueta em letras garrafais: Vinagre Horroroso. Ora, vazando um pouco o barril, um deles teve a curiosidade de experimentá-lo com a ponta do dedo, e achou que o vinagre era bom. À coisa passou de boca em boca, de maneira que, cada um vindo apanhar um pouco, ao cabo de algum tempo o barril estava vazio. Como o proprietário dava zurrapa para sua gente beber, diziam uns para os outros: “Isto não vale o vinagre horroroso.”

Por mais que digam que o Espiritismo é vinagre, não levarão os que o provarem a não achar que ele é suave. Ora, os que o provarem dirão aos outros, e todos quererão bebê-lo.

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