A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo

Allan Kardec

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47. Além de tão vastas solidões, com efeito, rebrilham mundos em sua magnificência, tanto quanto nas regiões acessíveis às investigações humanas; para lá desses desertos, vagam, no éter límpido, esplêndidos oásis, que sem cessar renovam as cenas admiráveis da existência e da vida. Sucedem-se lá os agregados longínquos de substância cósmica, que o profundo olhar do telescópio percebe através das regiões transparentes do nosso céu e a que dais o nome de nebulosas irresolúveis, as quais vos parecem ligeiras nuvens de poeira branca, perdidas num ponto desconhecido do espaço etéreo. Lá se revelam e desdobram novos mundos, cujas condições variadas e diversas das que são peculiares ao vosso globo lhes dão uma vida que as vossas concepções não podem imaginar, nem os vossos estudos comprovar. É lá que em toda a sua plenitude resplandece o poder criador. Àquele que vem das regiões que o vosso sistema ocupa, outras leis se deparam em ação e cujas forças regem as manifestações da vida. E os novos caminhos que se nos apresentam em tão singulares regiões abrem-nos surpreendentes perspectivas.*


* Dá-se, em astronomia, o nome de nebulosas irresolúveis àquelas em cujo seio ainda se não puderam distinguir as estrelas que as compõem. Foram, a princípio, consideradas acervos de matéria cósmica em vias de condensação para formar mundos; hoje, porém, geralmente se entende que essa aparência é devida ao afastamento e que, com instrumentos bastante poderosos, todas seriam resolúveis.

Uma comparação familiar pode dar ideia, embora muito imperfeita, das nebulosas resolúveis: são os grupos de centelhas projetadas pelas bombas dos fogos de artifício, no momento de explodirem. Cada uma dessas centelhas figurará uma estrela e o conjunto delas a nebulosa, ou grupo de estrelas reunidas num ponto do espaço e submetidas a uma lei comum de atração e de movimento. Vistas de certa distância, mal se distinguem essas centelhas, tendo o grupo por elas formado a aparência de uma nuvenzinha de fumaça. Não seria exata esta comparação, se se tratasse de massas de matéria cósmica condensada.

A nossa Via Láctea é uma dessas nebulosas. Conta perto de 30 milhões de estrelas ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de trilhões de léguas de extensão e, entretanto, não é a maior. Suponhamos uma média de 20 planetas habitados circulando em torno de cada sol: teremos 600 milhões de mundos só para o nosso grupo.

Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para outra, aí estaríamos como em meio da nossa Via Láctea, porém com um céu estrelado de aspecto inteiramente diverso e este, malgrado às suas dimensões colossais, nos pareceria, de longe, um pequenino floco lenticular perdido no infinito. Mas, antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos qual viajante que deixa uma cidade e percorre vasto país inabitado, antes que chegue a outra cidade. Teríamos transposto incomensuráveis espaços desprovidos de estrelas e de mundos, o que Galileu denominou os desertos do espaço. À medida que avançássemos, veríamos a nossa nebulosa afastar-se atrás de nós, diminuindo de extensão às nossas vistas, ao mesmo tempo que, diante de nós, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíssemos, cada vez mais distinta, semelhante à massa de centelhas de bomba de fogos de artifício. Transportando-nos pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em torno de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas, contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados.

Tudo o que nos possa identificar com a imensidade da extensão e com a estrutura do universo é de utilidade para a ampliação das ideias, tão restritas pelas crenças vulgares. Deus avulta aos nossos olhos, à medida que melhor compreendemos a grandeza de suas obras e nossa infimidade. Estamos longe, como se vê, da crença que a Gênese moisaica implantou e que fez da nossa pequenina, imperceptível Terra, a criação principal de Deus e dos seus habitantes os únicos objetos da sua solicitude. Compreendemos a vaidade dos homens que crêem que tudo no universo foi feito para eles e dos que ousam discutir a existência do Ente supremo. Dentro de alguns séculos, causará espanto que uma religião feita para glorificar a Deus o tenha rebaixado a tão mesquinhas proporções e que haja repelido, como concepção do espírito do mal, as descobertas que somente vieram aumentar a nossa admiração pela sua onipotência, iniciando-nos nos grandiosos mistérios da criação. Ainda maior será o espanto, quando souberem que elas foram repelidas porque emancipariam o espírito dos homens e tirariam a preponderância dos que se diziam representantes de Deus na Terra.

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