Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868

Allan Kardec

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A mediunidade no Copo D'Água

Um dos nossos correspondentes de Genebra nos envia interessantes detalhes sobre um novo gênero de mediunidade vidente, que consiste em ver em um copo d’água magnetizada. Essa faculdade tem muitas relações com a do vidente de Zimmerwald, de que demos conta circunstanciada na Revista de outubro de 1864 e outubro de 1865. A diferença consiste em que este último se serve de um copo vazio, sempre o mesmo, e que a faculdade lhe é, de certo modo, pessoal. Ao contrário, o fenômeno que nos é assinalado, se produz com o auxílio do primeiro copo que aparece, contendo água magnetizada e parece que deveria vulgarizar-se. Se assim é, a mediunidade vidente poderia tornar-se tão comum quanto a escrita.

Eis as informações que nos são dadas, segundo as quais cada um poderá experimentar, colocando-se em condições favoráveis;

“A mediunidade vidente pelo copo d’água magnetizada acaba de se revelar entre nós num certo número de pessoas. Em um mês temos quinze médiuns videntes deste gênero, cada um com a sua especialidade. Um dos melhores é uma jovem senhora que não sabe ler nem escrever; ela é mais particularmente apta para as doenças, e eis como nossos bons Espíritos procedem para nos mostrar o mal e o remédio. Eu tomo um exemplo ao acaso: Uma pobre mulher que se achava na reunião havia recebido um rude golpe no peito. Ela apareceu no copo absolutamente como uma fotografia; levou a mão sobre a parte ofendida. A Sra. V... (a médium) viu a seguir o peito se abrir e notou que havia sangue coagulado no lugar onde tinha sido dado o golpe; depois tudo desapareceu para dar lugar à imagem dos remédios, que consistiam num emplastro de resina branca e um copo contendo benjoim. A senhora ficou perfeitamente curada depois de haver seguido o tratamento.

“Quando se trata de um obsedado, a médium vê os maus Espíritos que o atormentam; a seguir aparecem, como remédio, o Espírito simbolizando a prece, e duas mãos que magnetizam.

“Temos outro médium cuja especialidade é ver os Espíritos. Pobres Espíritos sofredores muitas vezes nos têm apresentado, por seu intermédio, cenas comovedoras, para nos fazer compreender as suas angústias. Um dia evocamos o Espírito de um indivíduo que se havia afogado voluntariamente; ele apareceu perturbado na água; não se lhe via senão a parte posterior da cabeça e os cabelos meio mergulhados na água. Durante duas sessões foi-nos impossível ver-lhe o rosto. Fizemos a prece pelos suicidas; no dia seguinte o médium viu a cabeça fora da água e foi possível, pelos traços, reconhecer o parente de uma das pessoas da Sociedade. Continuamos nossas preces, e agora o rosto tem a expressão de sofrimento, é certo, mas parece retomar a vida.

“Há algum tempo, em casa de uma senhora que reside num dos subúrbios de Genebra, produziam-se ruídos semelhantes aos de Poitiers, que causavam grande emoção em toda a casa. Essa senhora, que absolutamente não conhecia o Espiritismo, tendo dele ouvido falar, veio nos ver com seu irmão, pedindo para assistir às nossas sessões. Nenhum dos nossos médiuns os conhecia. Um deles viu em seu copo uma casa, em cujo interior um mau Espírito punha tudo em desordem; mexia os móveis e quebrava a louça. Pela descrição que ele fez, aquela senhora reconheceu a mulher de seu jardineiro, muito má em vida, e que lhe tinha dado muito prejuízo. Dirigimos a esse Espírito algumas palavras benevolentes para trazêlo a melhores sentimentos. À medida que lhe falavam, seu rosto tomava uma expressão mais suave. No dia seguinte, fomos à casa dessa senhora, e à noite foi completado o trabalho da véspera. Os ruídos cessaram quase que inteiramente, depois da partida da cozinheira, que aparentemente servia de médium inconsciente àquele Espírito. Como tudo tem sua razão de ser e sua utilidade, penso que tais ruídos tinham por objetivo trazer aquela família ao conhecimento do Espiritismo.

“Agora, eis o que nossas observações nos ensinavam quanto à maneira de operar: É preciso um copo liso, com o fundo também liso; põe-se água até à metade, magnetizado-a pelos processos comuns, isto é, pela imposição das mãos, e sobretudo pela extremidade dos dedos, à boca do copo, com o auxílio da ação contínua do olhar e do pensamento. A duração da magnetização é de cerca de dez minutos, na primeira vez; depois bastam cinco minutos. A mesma pessoa pode magnetizar vários copos ao mesmo tempo.

“O médium vidente, ou aquele que quer experimentar, não deve magnetizar seu próprio copo, pois gastaria fluidos que lhe são necessários para ver. Para a magnetização é necessário um médium especial, e para isto há médiuns dotados de um poder mais ou menos grande. A ação magnética não produz na água qualquer fenômeno que indique a sua saturação.

“Feito isto, cada experimentador coloca o copo à sua frente e o olha durante vinte ou trinta minutos, no máximo, às vezes menos, conforme a aptidão. Esse tempo só é necessário nas primeiras tentativas; quando a faculdade está desenvolvida, bastam alguns minutos. Durante esse tempo, uma pessoa faz a prece para pedir o concurso dos bons Espíritos.

“Os que são aptos a ver, distinguem, a princípio, no fundo do copo, uma espécie de nuvenzinha; é um indício certo de que eles verão; pouco a pouco essa nuvem toma uma forma mais acentuada, e a imagem se desenha à vista do médium. Os médiuns, entre si, podem ver nos copos uns dos outros, mas não as pessoas que não sejam dotadas dessa faculdade. Algumas vezes parte do assunto aparece num copo e a outra parte em outro; por exemplo, para as doenças, um verá o mal e o outro o remédio. Outras vezes, dois médiuns verão simultaneamente, cada um em seu copo, a figura da mesma pessoa, mas geralmente em condições diferentes.

“Muitas vezes a imagem se transforma, muda de aspecto, depois desaparece. Muito geralmente é espontânea; o médium deve esperar e dizer o que vê. Mas também pode ser provocada por uma evocação.

“Ultimamente fui ver uma senhora que tem uma jovem operária de dezoito anos, que jamais havia ouvido falar do Espiritismo. Essa senhora pediu-me que lhe magnetizasse um copo d’água. A moça nele olhou cerca de um quarto de hora, e disse: ‘Vejo um braço; dir-se-ia que é o de minha mãe; vejo a manga do seu vestido arregaçada, como era seu costume.’ Essa mãe, que conhecia a sensibilidade de sua filha, sem dúvida não quis mostrar-se subitamente, para lhe evitar uma impressão muito grande. Então pedi àquele Espírito, se fosse o da mãe da médium, que se fizesse reconhecer. O braço desapareceu e o Espírito se apresentou do tamanho de uma fotografia, mas virado de costas. Era ainda uma precaução para preparar sua filha para vê-la. Esta reconheceu o seu gorro, um fichu, as cores e o modelo de seu vestido; vivamente comovida, ela lhe dirigiu as mais ternas palavras, para lhe pedir que deixasse ver o seu rosto. Eu mesmo lhe pedi que atendesse ao pedido de sua filha. Então ela se apagou, a nuvem sumiu e o rosto apareceu. A jovem chorou de reconhecimento, agradecendo a Deus a dádiva que lhe acabara de conceder.

“A própria senhora desejava muito ver. No dia seguinte, em sua casa, fizemos uma sessão que foi cheia de ensinamentos. Depois de inutilmente haver olhado no copo cerca de meia hora, disse ela: ‘Meu Deus! se pudesse apenas ver o diabo no copo, ficaria contente!’ Mas Deus não lhe concedeu essa satisfação.

“Os incrédulos não deixarão de levar esses fenômenos à conta de imaginação. Mas os fatos aí estão para provar que, numa porção de casos, a imaginação nada tem a ver. Para começar, nem todo mundo vê, por mais desejo que tenha. Eu mesmo muitas vezes fiquei com o espírito excitado com esse objetivo, sem jamais obter o mínimo resultado. A senhora de quem acabo de falar, a despeito de seu desejo de ver o diabo, após meia hora de espera e de concentração, nada viu. A jovem não pensava em sua mãe, quando esta lhe apareceu; e depois, as precauções para só se mostrar gradualmente, atestam uma combinação, uma vontade estranha, nas quais a imaginação da médium não podia absolutamente participar.

“Para ter uma prova ainda mais positiva, fiz a seguinte experiência. Tendo ido passar alguns dias no campo, a algumas léguas de Genebra, havia várias crianças na família com quem me achava. Como faziam muito barulho, eu lhes propus, para ocupá-las, um jogo mais calmo. Tomei um copo d’água e o magnetizei, sem que ninguém o percebesse, e lhes disse: ‘Qual de vocês terá a paciência de olhar este copo durante vinte minutos, sem desviar os olhos?’ Evitei acrescentar que eles poderiam nele ver alguma coisa; era a título de simples passatempo. Várias perderam a paciência antes do fim da prova; uma menina de onze anos foi mais perseverante; ao cabo de doze minutos, ela soltou um grito de alegria e disse que via uma paisagem magnífica, cuja descrição fez. Uma outra menina de sete anos, por sua vez, tendo querido olhar, adormeceu instantaneamente. Com medo de fatigá-la, logo a despertei. Onde está aqui o efeito da imaginação?

“Esta faculdade pode, pois, ser experimentada numa reunião de pessoas, mas não aconselho que nas primeiras experiências sejam admitidas pessoas hostis. Sendo necessários a calma e o recolhimento, a faculdade desenvolver-se-á mais facilmente. Quando consolidada, ela é menos suscetível de ser perturbada.

“O médium só vê com os olhos abertos; quando os fecha, está na escuridão. É, pelo menos, o que temos observado, e isto denota uma variedade na mediunidade vidente. O médium não fecha os olhos senão para descansar, o que lhe acontece duas ou três vezes por sessão. Ele vê tão bem de dia quanto de noite, mas à noite é preciso luz.

“A imagem das pessoas vivas se apresenta no copo tão facilmente quanto a das pessoas mortas. Tendo perguntado a razão disto ao meu Espírito familiar, ele respondeu: ‘São suas imagens que nós vos apresentamos; os Espíritos são tão capazes de pintar, quanto de viajar.’ Entretanto, os médiuns distinguem sem esforço o Espírito de uma pessoa viva; há qualquer coisa de menos material.

“O médium do copo d’água difere do sonâmbulo pelo fato que o Espírito deste último se destaca; é-lhe necessário um fio condutor para ir procurar a pessoa ausente, ao passo que o primeiro tem a sua imagem sob os seus olhos, que é o reflexo de sua alma e de seus pensamentos. Ele se afadiga menos que o sonâmbulo, e é menos exposto a se deixar intimidar à vista dos maus Espíritos que podem apresentar-se. Esses Espíritos podem fatigá-lo, porque procuram magnetizá-lo, mas ele pode, à vontade, subtrair-se ao seu olhar e, aliás, deles recebe uma impressão menos direta.

“Dá-se nesta mediunidade como em todas as outras: o médium atrai para si os Espíritos que lhe são simpáticos; ao médium impuro apresentam-se, de boa vontade, Espíritos impuros. O meio de atrair os bons Espíritos é estar animado de bons sentimentos; de não perguntar senão coisas justas e razoáveis; de não se servir desta faculdade senão para o bem, e não para coisas fúteis. Se dela fizermos um objeto de distração, de curiosidade ou de negócio, cairemos inevitavelmente na turba de Espíritos levianos e enganadores, que se divertem em apresentar imagens ridículas e falaciosas.”

OBSERVAÇÃO: Como princípio, esta mediunidade certamente não é nova. Mas aqui se desenha de maneira mais precisa, sobretudo mais prática, e se mostra em condições particulares. Pode-se, pois, considerá-la como uma das variedades que foram anunciadas. Do ponto de vista da ciência espírita, ela nos faz penetrar mais adiante o mistério da constituição íntima do mundo invisível, cujas leis conhecidas confirma, ao mesmo tempo que nos mostra suas novas aplicações. Ela ajudará a compreender certos fenômenos ainda incompreendidos da vida diária e, por sua vulgarização, não pode deixar de abrir uma nova via à propagação do Espiritismo. Quererão ver, experimentarão; quererão compreender, estudarão, e muitos entrarão no Espiritismo por essa porta.

Este fenômeno oferece uma particularidade notável. Até agora compreendemos a visão direta dos Espíritos em certas condições; a visão à distância de objetos reais é hoje uma teoria elementar. Mas aqui não são os próprios Espíritos que são vistos, e que não podem vir alojar-se num copo d’água, assim como não vêm as casas, as paisagens e as pessoas vivas.

Aliás, seria um erro querer que aí estivesse um meio melhor que outro de saber tudo o que se deseja. Os médiuns videntes, por este processo ou por qualquer outro, não veem à vontade. Eles não veem senão o que os Espíritos lhes querem fazer ver, ou têm a permissão de lhes fazer ver quando a coisa é útil. Não se pode forçar nem a vontade dos Espíritos nem a faculdade dos médiuns. Para o exercício de uma faculdade mediúnica qualquer, é preciso que o aparelho sensitivo, se assim se pode dizer, esteja em estado de funcionar. Ora, não depende do médium fazê-lo funcionar à sua vontade. Eis por que a mediunidade não pode ser uma profissão, porquanto ela pode faltar no momento que fosse preciso satisfazer o cliente. Daí a incitação à fraude, para simular a ação do Espírito.

Prova a experiência que os Espíritos, sejam quais forem, jamais estão ao capricho dos homens, do mesmo modo, e menos ainda do que quando estavam neste mundo. Por outro lado, diz o simples bom-senso que, com mais forte razão, os Espíritos sérios não poderiam vir ao apelo do primeiro que viesse para coisas fúteis e representar o papel de saltimbancos e ledores da sorte. Só o charlatanismo pode pretender a possibilidade de ter um escritório aberto ao comércio com os Espíritos.

Os incrédulos riem dos espíritas porque imaginam que estes acreditam em Espíritos confinados numa mesa ou numa caixa, e que os manobram como marionetes. Eles acham isto ridículo, e têm carradas de razões. Onde estão errados é em crer que o Espiritismo ensine semelhantes absurdos, quando ele diz positivamente o contrário. Se, por vezes, no mundo, eles encontraram alguns de uma credulidade muito fácil, não foi entre os espíritas esclarecidos. Ora, entre eles há necessariamente aqueles que o são, mais ou menos como em todas as ciências.

Os Espíritos não estão metidos no copo d’água, eis o que é positivo. O que há, pois, no copo? Uma imagem, e não outra coisa; imagem tirada da Natureza, razão pela qual muitas vezes é exata. Como é produzida? Eis o problema. O fato existe, portanto tem uma causa. Embora ainda não se lhe possa dar uma solução completa e definitiva, o artigo seguinte, parece-nos, lança uma grande luz sobre a questão.

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