Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Palestras familiares de além-túmulo

Girard Decodemberg

O Sr. Girard de Codemberg, antigo aluno da Escola Politécnica, é autor de um livro intitulado: Le Monde Spirituel, ou Science chrétienne de communiquer intimement avec les puissances célestes et les âmes heureuses [1]. Essa obra contém comunicações excêntricas que denotam manifesta obsessão e cuja publicação os espíritas sérios lamentam. O autor faleceu em 1858 e foi evocado na Sociedade de Paris a 14 de janeiro de 1859.Pode-se ver o resultado dessa evocação na Revista Espírita de abril de 1859. A evocação que se segue foi feita em Bordeaux, em novembro de 1861. A coincidência das duas evocações é digna de nota.

1. ─ Poderíeis responder a algumas perguntas que desejo fazer? ─ É um dever.

2. ─ Qual a vossa posição no mundo dos Espíritos? ─ Feliz, relativamente à da Terra, porque aí eu não via o mundo espiritual senão através da névoa de meus pensamentos, e agora vejo desdobrar-se à minha frente a grandeza e a magnificência das obras de Deus.

3. ─ Numa passagem de vosso livro, que tenho em mãos, dizeis: “Perguntam à mesa o nome de meu anjo da guarda que, conforme a crença americana, não é senão uma alma feliz que teve vida terrena e que, consequentemente, deve ter tido um nome na Sociedade humana”. Dizeis que tal crença é uma heresia. Que pensais hoje dessa heresia? ─ Disse-vos que tinha visto mal porque, inexperiente das práticas espíritas, tinha aceitado como verdades as coisas que me eram ditadas por Espíritos levianos e impostores. Mas, em presença de verdadeiros e sinceros espíritas aqui reunidos esta noite confesso que o anjo da guarda ou Espírito protetor não é senão o Espírito que chegou ao progresso moral e intelectual pelas diversas fases percorridas em suas encarnações nos diversos mundos, e que a reencarnação, que eu negava, é a mais sublime e a maior prova da justiça de nosso Pai, que está no Céu, e que não quer a nossa perda, mas a nossa felicidade.

4. ─ Em vossa obra também falais do purgatório. Que significado quisestes dar a esse vocábulo? ─ Eu pensava, com razão, que os homens não podiam chegar à felicidade sem se purificarem das manchas que o Espírito traz da vida material. Mas, em vez de ser um abismo de fogo, tal qual eu imaginava, ou melhor, tal qual o medo que eu tinha dele, me dava uma fé cega, o purgatório não é senão os mundos inferiores, em cujo número está a Terra, onde todas as misérias a que está sujeita a Humanidade se manifestam de mil formas. Não está aí a explicação do vocábulo purgare?

5. ─ Também dizeis que vosso anjo da guarda respondeu, a propósito do jejum: “O jejum é o complemento da vida cristã e a ele te deves submeter”. O que pensais disto agora? ─ O complemento da vida cristã! E os Judeus e os Muçulmanos que também jejuam! O jejum não é apenas apropriado à vida cristã. Contudo, por vezes é útil, na medida em que pode enfraquecer o corpo e atenuar as revoltas da carne. “Acreditai em mim. Uma vida simples e frugal é melhor que todos os jejuns feitos visando fazer exibição aos homens, mas que não corrigem as inclinações e as tendências para o mal. “Vejo o que exigis de mim. É uma retratação completa de meus escritos. Eu vola devo, porque alguns fanáticos, que não são da época em que escrevi, têm fé cega naquilo que então publiquei como expressão da verdade. Não sou castigado por isso, porque agia de boa-fé, e escrevia sob a influência temerosa das lições da juventude, às quais não podia subtrair a vontade de pensar e agir. Crede-me, no entanto, que será muito restrito o número dos que abandonarão o caminho traçado pelo Sr. Kardec para seguir o meu. Serão pessoas com quem não se deve contar e que são marcadas pelo anjo da libertação para serem arrastadas no turbilhão renovador que deve transformar a Sociedade. “Sim, meus amigos, sede espíritas. É Girard de Codemberg que vos convida a tomardes lugar nesse grande banquete fraterno, porque vós sois e nós somos todos irmãos, e a reencarnação nos torna todos solidários e aperta os laços da fraternidade em Deus.

OBSERVAÇÃO: Esse pensamento de que, no grande movimento que deve operar a renovação da Humanidade, os homens que puderem causar-lhe obstáculo e não aproveitarem os avisos de Deus, dele serão expulsos e enviados a mundos inferiores, hoje se acha reproduzido por todos os lados, em comunicações dos Espíritos. Dá-se o mesmo com este outro: Chegamos ao momento dessa transformação, cujos sintomas já se fazem sentir. O pensamento que assinala o Espiritismo como devendo ser a base dessa transformação é universal. Tal coincidência tem algo de característico. A.K.

6. ─ Dissestes haver evocado a Santa Virgem Maria, da qual recebestes conselhos. Essa manifestação foi real? ─ Quantos dentre vós vos julgais por ela inspirados e sois enganados! Sede vós mesmos vossos e meus juízes.

7. ─ Fizestes à Virgem a seguinte pergunta: “Há, pelo menos, na sorte das almas punidas, a esperança que vários teólogos conservaram da gradação das penas?”. A resposta da Virgem, dizeis, foi esta: “As penas eternas não têm gradação. São todas as mesmas, e as chamas são os seus executores”. Qual a vossa opinião a respeito? ─ As penas infligidas aos maus Espíritos são reais, mas não eternas. Testemunham os vossos pais e amigos que vêm diariamente ao vosso chamado, e que vos dão, sob todas as formas, ensinamentos que apenas confirmam a verdade.

8 ─ Alguém da assistência pergunta se o fogo queima fisicamente ou moralmente. ─ Fogo moral. Espontaneamente o Espírito continua: ─ Caros irmãos em Espiritismo, vós sois escolhidos por Deus para a santa propagação. Mais feliz que eu, um Espírito em missão na vossa Terra vos traçou o caminho, no qual deveis entrar com passo firme e determinado. Sede dóceis e nada temais, pois esse é o caminho do progresso e da moralidade da raça humana. Para mim, que apenas tinha esboçado a obra que vosso mestre vos traçou, porque me faltava coragem para afastar-me do caminho batido, tenho a tarefa de vos guiar à situação de Espírito no caminho bom e seguro onde entrastes. Assim, então, poderei reparar o mal que fiz por ignorância e ajudar com minhas fracas faculdades a grande reforma da Sociedade. Não tenhais mágoa dos irmãos que se afastam de vossas crenças. Ao contrário, agi de maneira que eles não mais se misturem com o rebanho dos verdadeiros crentes, pois são ovelhas sarnentas, e vós deveis evitar o contágio. Adeus. Voltarei com este médium. Até logo.

GIRARD DE CODEMBERG

NOTA: Consultamos quanto à identidade do Espírito e nossos guias responderam: “Sim, meus amigos, ele sofre por ver o mal que causa a doutrina errada que publicou. Mas já tinha expiado esse erro na Terra, porque era obsidiado e a doença de que morreu foi fruto da obsessão”.

De La Bruyère (Sociedade de Bordeaux. Médium: Sra. Cazemajoux)

1. Evocação. ─ Eis-me aqui.

2. ─ Nossa evocação vos dá prazer? ─ Sim, pois muito poucos de vós pensam neste pobre Espírito trocista.

3. ─ Qual a vossa posição no mundo espírita? ─ Feliz

4. ─ Que pensais da atual geração de homens que vive na Terra? ─ Penso que quase nada progrediram em moralidade, pois se eu vivesse entre eles, poderia aplicar os meus Caracteres com a mesma verdade chocante que os destacou quando eu vivia. Encontro os meus gastrônomos, os meus egoístas, os meus orgulhosos nos mesmos pontos em que os deixei quando morri.

5. ─ Vossos Caracteres gozam de merecida reputação. Qual a vossa opinião atual sobre as vossas obras? ─ Penso que não tinham o mérito que lhes atribuís, pois teriam produzido outro resultado. Mas compreendo que nenhum dos que leem se compara a qualquer daqueles retratos, posto a maioria seja expressão chocante da verdade. Todos tendes uma pequena dose de amor-próprio suficiente para aplicar ao próximo os vossos defeitos pessoais e jamais vos reconheceis quando vos pintam com traços verdadeiros.

6. ─ Acabastes de dizer que os Caracteres poderiam ser hoje aplicados com a mesma verdade. Então não achais os homens mais adiantados? ─ Em geral a inteligência avançou, mas o aprimoramento moral não deu um passo. Se Molière e eu ainda pudéssemos escrever, não faríamos senão aquilo que fizemos: trabalhos inúteis que vos advertiram sem vos corrigir. O Espiritismo será mais feliz. Pouco a pouco vos conformareis à sua doutrina e reformareis os vícios que em vida vos apontamos.

7. ─ Pensais que a Humanidade ainda será rebelde aos avisos dados por Espíritos encarnados em missão na Terra e pelos Espíritos que vêm ajudá-los? ─ Não. A época do progresso e a da renovação da Terra e de seus habitantes chegou. É por isso que os bons Espíritos vêm prestar-vos o seu concurso. Eu vos disse bastante por esta noite. Prepararei um dos meus Caracteres para daqui a alguns dias.

8. ─ Os vossos Caracteres não podem ser aplicados também a alguns Espíritos errantes movidos por idênticos sentimentos? ─ A todos os que, na condição de Espíritos, têm ainda as mesmas paixões que em vida os dominavam. Perdoai-me a franqueza, mas quando me chamardes, eu vos direi as coisas sem finura e sem rodeios. Adeus.

JEAN DE LA BRUYÈRE

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